A IGREJA CATÓLICA E O ESPIRITISMO



Já vimos nos capítulos precedentes numerosos pronunciamentos oficiais da Igreja católica com relação às práticas e doutrinas espiritistas. Falta ainda a exposição mais sistemática de dois pontos: 

1. O ESPÍRITA PERANTE A IGREJA
Em 1953 a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil reafirmou a determinação feita pelo Episcopado Nacional na Pastoral Coletiva de 1915, revista pelos bispos em 1948 nestes termos: - "Os espíritas devem ser tratados, tanto no foro interno como no foro externo, como verdadeiros hereges e fautores de heresias, e" não podem ser admitidos à recepção dos sacramentos, sem que antes reparem os escândalos dados, abjurem o espiritismo e façam a profissão de fé".
Segundo o novo Direito Canônico (de 1983), "chama-se heresia a negação pertinaz, após a recepção do batismo, de qualquer verdade que se deve crer com fé divina e católica, ou a dúvida pertinaz a respeito dela" (cân. 751). E no cânon 1364 § 1, a nova legislação eclesiástica determina que "o herege incorre automaticamente em excomunhão", isto é: deve ser excluído da recepção dos sacramentos (cân. 1331 § 1), não pode ser padrinho de batismo (cân. 874), nem da confirmação (cân. 892) e não lbe será lícito receber o sacramento do matrimônio sem licença especial do bispo (cân. 1071) e sem as condições indicadas pelo cânon 1125. Também não pode ser membro de associação ou irmandade católica (cân. 316).
Já vimos nas páginas 26-32, ao expor as linhas gerais da doutrina espírita e cotejar este ensinamento com a doutrina cristã, que o espiritismo kardecista de fato nega quase todo o credo apostólico. E quando analisamos no capítulo IV a reencarnação, ficou claro que a palingenesia se opõe, em pontos essenciais, à pregação de Nosso Senhor Jesus Cristo, negando, principalmente, toda a soteriologia cristã. S, pois, evidente que o católico, quando adota a doutrina espírita, se enquadra perfeitamente na descrição que o citado cânon 751 faz da heresia, cometendo um "delito contra a religião", segundo a terminologia do novo Direito Eclesiástico, e incorre na penalidade prevista pelo cânon 1364 § 1. Ou, falando mais exatamente: o católico que resolve tornar-se espírita, por este fato, exclui-se a si mesmo da Igreja católica, perdendo
todos os direitos de católico.
Mas na prática pastoral a aplicação destas determinações jurídicas encontra a seguinte dificuldade: o vocábulo "espírita" é, de fato, entre nós, polivalente. Já AK observava em suas Obras póstumas (20f edição, pp. 367s.):
"O qualificativo de espírita, aplicado sucessivamente a todos os graus de crença, comporta uma infinidade de matizes, desde o da simples crença nas manifestações, até as mais altas deduções morais e filosóficas; desde aquele que, detendo-se na superfície, não vê nas manifestações mais do que um passatempo, até aquele que procura a concordância dos seus princípios com as leis universais e a aplicação dos mesmos princípios aos interesses gerais da humanidade; enfim, desde aquele que não vê nas manifestações senão um meio de exploração em proveito próprio, até o que haure delas elementos para seu próprio melhoramento moral. 
Dizer-se alguém espírita, mesmo espírita convicto, não indica, pois, de modo algum, a medida da crença; essa palavra exprime muito com relação a uns, e muito pouco, relativamente a outros.
Uma assembléia para a qual se convocassem todos os que se dizem espíritas apresentaria um amálgama de opiniões divergentes, que não poderiam assimilar-se reciprocamente, e nada de sério chegaria a realizar, sem falar dos interessados a suscitarem no seu seio as discussões a que ela abrisse ensejo".
Mas pondo de lado as ambigüidades, pode-se dizer que, segundo AK, "espírita" é todo espiritualista que admite a prática da evocação dos falecidos. Sobre esta base mínima podem construir-se os mais variados sistemas doutrinários. Assim são "espíritas" os adeptos do espiritismo anglo-saxão que não aceitam a doutrina da reencarnação, como são "espíritas" os seguidores de AK que fazem das idéias reencarnacionistas o ponto central de sua filosofia.  E porque os partidários da umbanda praticam assiduamente a evocação dos falecidos (e, aliás, endossam a doutrina da metensomatose), também eles são "espíritas" verdadeiros, no sentido original em que AK entendia o vocábulo por ele criado (cf. acima, p. 251).
E como não existe nenhum nexo necessário entre a prática da evocação dos falecidos e a doutrina da reencarnação, é perfeita mente imaginável que alguém aceite e pratique a necromancia sem admitir a palingenesia, como é igualmente concebível que alguém adote a filosofia da pluralidade das existências sem endossar a prática da evocação das almas dos que morreram. Mas a dimensão herética (isto é, negadora da doutrina de fé cristã) do espiritismo está principalmente na reencarnação. Pode-se admitir ainda que alguém professe sinceramente toda a doutrina cristã, tal como é proposta pela Igreja católica, e ao mesmo tempo julgue ser possível e lícito evocar os falecidos.
Já é evidente que nem todos, embora se digam ou sejam chamados "espíritas", podem ou devem ser considerados ou tratados da mesma maneira. Há evidente necessidade de distinguir:
1. Os que dirigem ou organizam o espiritismo (em qualquer de seus ramos) ou um centro espírita ou terreiro de umbanda e os que tomam parte ativa nas sessões (médiuns): são espíritas no sentido mais estrito do termo, valendo para eles a determinação do episcopado nacional:
"Devem ser tratados como hereges". Mas esta norma vale apenas para aqueles que antes eram ou diziam ser católicos. O mesmo não vale para os que já nasceram num ambiente espírita e nele foram educados. Os espíritas convictos e coerentes já não fazem batizar seus filhos, visto que, como lhes fez saber em 1952 o Conselho Federativo Nacional da Federação Espírita Brasileira, "o espiritismo é religião sem ritos, sem liturgia e sem sacramentos". Por conseguinte, já não são nem cristãos e devem ser considerados e tratados como os demais adeptos de religiões não-cristãs.
2. Os que se inscreveram como sócios em alguma entidade espírita. Os espíritas costumam controlar a fidelidade de seus sócios mediante caderneta individual, carimbada cada mês. O sócio que durante seis meses deixar de cumprir seus deveres de sócio é excluído. Segundo os Preceitos gerais publicados pela Federação Espírita Brasileira e válidos para todas as sociedades espíritas do Brasil, os sócios inscritos têm os seguintes deveres:
a) estudar a doutrina espírita (que aqui no Brasil é reencarnacionista); 
b) freqüentar regularmente as sessões de estudo da doutrina; 
c) pagar pontualmente suas contribuições pecuniárias. Deve-se, pois, supor que todo sócio de mais de seis meses não é apenas necromante, mas também reencarnacionista, e, como tal, herege, e assim há de ser tratado.
3. Os que, embora não inscritos, freqüentam habitualmente por mais de seis meses sessões para consultar os mortos, receber receitas ou passes etc. As assim chamadas "sessões públicas de estudo" são franqueadas a todos indistintamente. Mas toda sessão desta espécie é doutrinária: 
nela se ensina e administra a doutrina espírita (reencarnacionista). Por conseguinte, quem por mais de meio ano assiste habitualmente a tais sessões já não pode ser tido apenas como necromante, mas com razão é considerado adepto da doutrina reencarnacionista. Logo, é herege e deve ser tratado como tal.
4. Os que esporadicamente vão às sessões para consultar os falecidos, receber passes, receitas etc., levados, talvez, pela necessidade (doença, tristeza pela morte de alguém de sua família, situação embaraçosa) ou a convite insistente de amigos, vizinhos etc. Supondo que não vão por mera curiosidade, eles não são necessariamente reencamacionistas; são, todavia, necromantes ou "espíritas" no sentido lato do termo, tal como foi definido por AK. Se admitem a reencarnação, são sem dúvida hereges e como tais deverão ser tratados. . Se não aceitam a pluralidade das existências, mas apenas a prática da evocação, serão também hereges? A santa Sé declarou que este tipo de práticas inclui um "engano inteiramente ilícito e herético" (em latim: "deceptio omnino illicita et haereticalis", cf. Dz 1653 e 1654). Neste documento, de 1856 (naqueles anos começava na França a prática da evocação dos falecidos) a santa Sé repete duas
vezes ser pecado de heresia querer aplicar meios puramente naturais com o fim de obter efeitos não-naturais ou supranaturais. Por conseguinte, o espiritismo como evocação dos mortos, seja na forma de necromancia ou de magia, já é herético e, aliás, puro "engano". É preciso atender bem a este particular: tais práticas são rejeitadas não apenas como ilícitas (nisto está o pecado, pois, como vimos nas pp. 51-53, a evocação é um ato severamente interditado por Deus) ou contra a moral, mas também como heréticas ou contrárias à fé cristã. A heresia está na suposição de poder produzir efeitos não-naturais com meios naturais.
5. Os que vão de quando em quando às sessões espíritas por motivo de estudo ou divertimento ou de mera curiosidade. A suposição é que não são reencarnacionistas, nem querem praticar a evocação. Estes devem ser divididos em duas categorias: 
a) Os que fazem isso sem nenhuma licença: não são espíritas (é a suposição), mas praticam um ato ilícito e expressamente proibido pela Igreja, como vimos na página 54. Pois, pelo decreto de 24-4-1917, declarava a santa Sé ser ilícito "assistir a sessões ou manifestações espiritistas, sejam elas realizadas ou não com o auxílio de um médium, com ou sem hipnotismo, sejam quais forem estas sessões ou manifestações, mesmo que aparentemente simulem honestidade ou piedade; quer interrogando almas ou espíritos, ou ouvindo-lhes as respostas, quer assistindo a elas com o pretexto tácito ou expresso de não querer ter qualquer relação com espíritos malignos".
b) Os que fazem isso devidamente autorizados. Bons moralistas interpretam a citada decisão de 1917 de tal maneira que pode ser dispensada em casos particulares, em favor de médicos, sociólogos ou outros estudiosos que vão, não por curiosidade, não apenas para ver, mas para estudar. Excluída, pois, toda evocação e com a condição de que não ocorra perigo nenhum de perversão própria, nem de escândalo para outros, poderia o bispo permitir a assistência.
6. Os que nunca assistem às sessões, mas por qualquer motivo ajudam moral ou materialmente na construção ou manutenção de obras e empresas espíritas. São os fautores do espiritismo no Brasil. Tal cooperação consciente seria ilícita. É evidente, porém, que não devem ser tratados como espíritas ou hereges e sim como "fautores de heresia", conceito que já não ocorre na nova legislação canônica, mas que nem por isso deixa de ter seu valor. 
7. Os que assistem às sessões ou apóiam moral ou material mente o espiritismo por ignorância. No Brasil, são muitos. Devem ser tratados como ignorantes, isto é: devem ser instruídos. O presente livro foi escrito com este objetivo. Não são hereges.
8. Os que não querem praticar nem a necromancia nem a magia, não assistem às sessões espíritas, mas professam a doutrina da reencarnação, como os esoteristas, rosacruzes, teósofos e outros ocultistas. São hereges formais e como tais devem ser tratados.

2. A IGREJA PERANTE A FENOMENOLOGIA MEDIÚNICA
Convém deixar bem clara a posição oficial da Igreja perante a fenomenologia do espiritismo. Pois tem havido confusão acerca deste ponto. E para evitar possíveis falsas interpretações, adjetivarei estes fenômenos simplesmente como "mediúnicos" e não como "espíritas", visto que este último termo já especifica determinada interpretação do fenômeno. 
Creio poder compendiar nos seguintes itens a posição oficial da Igreja:
1. Por seu magistério oficial a Igreja nunca se pronunciou nem sobre a verdade histórica, nem sobre a natureza, nem sobre: a causa dos fenômenos mediúnicos ou próprios do espiritismo; por isso:
a) nenhuma das várias interpretações propostas sobre a natureza ou a causa dos fenômenos mediúnicos - nem mesmo a interpretação espírita - foi censurada, rejeitada ou condenada oficialmente pela Igreja;
b) não corresponde à verdade dizer que a Igreja endossa oficialmente a interpretação que vê nos fenômenos mediúnicos uma intervenção preternatural do demônio;
c) jamais a Igreja proibiu o estudo ou a investigação científica dos fenômenos mediúnicos.
O católico não está absolutamente proibido de estudar a metapsíquica ou a parapsicologia; pelo contrário, seria até muito de desejar que também os cientistas católicos e as universidades católicas se ocupassem mais intensa e sistematicamente com a fenomenologia mediúnica ou parapsíquica, seja para verificar sua verdade histórica, seja para investigar sua verdade filosófica ou sua causa.
2. O que a Igreja faz, fez e continuará a fazer, por ser esta sua missão específica, é recordar o mandamento divino que proíbe evocar os mortos ou outros espíritos quaisquer. Esta proibição vem de Deus, não da Igreja, que não tem nem autoridade nem competência para modificar ou revogar uma lei, determinação ou proibição divina. 
Por isso:
a) Os defensores da interpretação espírita dos fenômenos mediúnicos não podem provocar, eles mesmos, novos fenômenos desta natureza, ainda que seja para fins de estudos; a razão disso é evidente: a provocação do fenômeno implicaria necessariamente uma evocação dos espíritos, ao menos na intenção. E isso foi proibido por Deus. Para fins de estudo, o homem não pode fazer coisas ilícitas e proibidas por Deus.
b) Como toda sessão espírita tem a finalidade própria e essencial de evocar espíritos ou de provocar a obtenção de comunicações ou mensagens do além, toda e qualquer sessão espírita é um ato de formal desobediência a uma lei divina e, por isso, gravemente proibida e pecaminosa.
c) Para resolver a questão moral da prática do espiritismo, pouco importa saber se os espíritas de fato conseguem ou não evocar espíritos em suas sessões; pois se o conseguem, não há dúvida a respeito da evocação e, por conseguinte, da desobediência; se não o conseguem, é certo que eles têm ao menos a intenção, o propósito ou a vontade deliberada de evocar e, portanto, de transgredir um mandamento divino; e isso basta para um pecado formal. 
d) É, pois, a maliciosa ou pecaminosa intenção de querer evocar espíritos que toma ilícita e moralmente má a provocação de fenômenos mediúnicos em sessões espíritas, ainda que de fato sejam fenômenos puramente naturais e sem relação alguma com espíritos não-encarnados ou desencarnados.
e) Havendo, porém, certeza de que determinado fenômeno mediúnico ou metapsíquico é natural, e excluída expressamente a pecaminosa intenção de evocar qualquer espírito (bom ou mau, pouco importa), será lícito provocar o fenômeno, contanto que não seja prejudicial para a saúde. Parece, porém, que a repetição freqüente de certos fenômenos psíquicos (o transe, a escrita automática, a mesa dançante, o sonambulismo provocado etc.) pode causar perturbações psíquicas, desencadear distúrbios mentais em indivíduos predispostos, preparar o automatismo, concorrer para as alucinações, alterar as secreções internas, produzir delírios, prejudicar o sistema nervoso etc. Por isso, tais fenômenos devem ser provocados com muito critério, cautela e moderação, não em ambiente popular para distrair, mas em meios científicos para estudar.
Aqui convém recordar também a moção unânime aprovada pelo II Congresso Internacional de Ciências Psíquicas, reunido em Varsóvia, em 1922: "Considerando que os fenômenos metapsíquicos devem ser estudados por sociedades científicas e em laboratórios adequados, o Congresso emite um voto para que todas as produções 'mediúnicas', em salas de conferências, assim como as demonstrações públicas dos fenômenos ditos 'ocultos', sejam proibidas, legalmente, em todos os países, em virtude da influência nociva que podem exercer sobre o estado psíquico e nervoso das pessoas mais ou menos sensíveis que a elas assistem". 
É necessário lembrar também a advertência feita por Pio XII numa alocução à Sociedade Italiana de Anestesiologia (24-2-1957). Reconhecia o papa a liceidade da hipnose "praticada pelo médico, ao serviço de um fim clínico, observando as precauções que a ciência e a moral médicas requerem, tanto do médico que a emprega, como do paciente que a aceita". Pio XII insistia então no seguinte aviso: "Mas não queremos que se estenda, pura e simplesmente, à hipnose em geral o que dissemos da hipnose ao serviço do médico. Com efeito, esta, como objeto de investigação científica, não pode ser estudada por quem quer, mas por um sábio e dentro dos limites morais que valem para toda atividade científica. Não é este o caso de qualquer círculo de leigos ou eclesiásticos que a praticassem como coisa interessante, a título de pura experiência ou mesmo por simples passatempo".
Considerando a difusão sempre mais ampla das práticas hipnóticas (dê-se a isso o nome de "hipnotismo" ou "letargia", pouco importa), parece oportuna uma nota sobre a liceidade do hipnotismo. Do ponto de vista religioso, moral e científico devemos orientar-nos pelas seguintes diretrizes:
1. O sono hipnótico provocado é um estado perfeitamente natural e nada tem a ver com o além ou com espíritos do outro mundo. 
2. A hipnose praticada pelo médico, a serviço de um fim clínico, observando todas as precauções tanto da ciência como da ética medicais, é lícita e pode ser praticada, porque neste caso a supressão da consciência é permitida pela moral natural e compatível com o espírito do evangelho.
3. É permitida também a hipnose praticada por pessoas competentes para fins verdadeiramente científicos.
4. Não se pode permitir a hipnose, nem mesmo para fins clínicos, quando praticada por pessoa incompetente, sem o suficiente preparo técnico e o adequado conhecimento científico. 
5. Não é permitido praticar a hipnose a título de pura experiência e como passatempo, ainda que o hipnotizador seja preparado e competente.
6. É ilícito qualquer espetáculo público de hipnotismo sobre grupos de pessoas. Baseia-se esta última norma sobre as seguintes razões:
a) o operador não pode controlar rigorosamente a ação e a reação de cada indivíduo, o que é absolutamente indispensável, já que está atuando sobre a parte mais íntima e sagrada da personalidade humana;
b) em algumas pessoas a hipnose, quando feita para divertir ou brincar, pode causar profundas perturbações e transtornos psíquicos;
c) nas demonstrações hipnóticas de palco ou televisão foram constatados, de maneira inequívoca, fenômenos de despersonalização, isto é, sugestão de que o paciente tinha outra identidade, Hider, por exemplo, fenômeno este totalmente contra-indicado do ponto de vista psiquiátrico;
d) em espetáculo de hipnose coletiva nem todos caem na mesma profundidade do sono provocado. Verificam-se também reações diferentes às sugestões dadas. Daí se infere que a natureza da sugestão deve ajustar-se ao grau de sono obtido, coisa a que os hipnotizadores de palco não atendem nem podem atender. Uns entram facilmente em determinado sono, outros com muita dificuldade, outros ainda parecem negar-se a aceitar estados mais profundos. Uns reagem prontamente e bem-dispostos, outros penosamente, dando demonstrações de desagrado. 
Uns suam, outros ficam com as extremidades frias. Alguns tremem e chegam a contorcer-se, outros permanecem tranqüilos e parecem descansar em sono agradável. Uns acordam sorridentes e satisfeitos, outros continuam sonolentos, com tonturas e dores. De tudo isso se conclui que cada pessoa deve ser tratada individualmente, com muito cuidado e competência e que a hipnose coletiva ou de grupos é perigosa e deve ser interditada; 
e) sobretudo as crianças e certas pessoas sugestionáveis correm perigo, notadamente de ordem psicológica, mesmo quando apenas assistem a certos espetáculos de hipnose, encenadas para impressionar.
Condenam-se, por isso, sem reserva, como desnecessários e perigosos todos e quaisquer espetáculos ou demonstrações de hipnotismo de grupos ou de palco.

3. CARIDADE E FÉ
Diante da severidade da Igreja em preservar a pureza da doutrina cristã e punir os delitos contra a fé, surge espontaneamente a pergunta: Por que tanto rigor? Não basta a caridade? 
Para conservarem as aparências cristãs e se acobertarem sob o manto cristão, os espíritas repetem as palavras de Jesus sobre a caridade e proclamam o princípio: "Fora da caridade não há salvação". É sem dúvida certo: sem a caridade cristã, não há salvação; e quem não tiver a caridade, não é verdadeiro discípulo de Jesus Cristo. E a Igreja seguramente não rejeita o espiritismo por causa deste princípio. A Igreja católica tem sido sempre e ainda hoje continua sendo a pregoeira máxima da caridade cristã. É preciso ter os olhos cegos pelo fanatismo para não vê-lo. Quem poderá contar as instituições de caridade mantidas, dirigidas ou inspiradas pela Igreja em todo o mundo? Quem poderá contar os inúmeros católicos que se dedicam exclusiva e totalmente à caridade? Os maiores heróis da caridade, mesmo aqueles apregoados pelos espíritas, como um são Francisco de Assis ou um santo Antônio de Lisboa (ou Pádua), eram santos catolicíssimos. O erro dos espíritas não consiste na pregação da caridade (nisso, pelo
contrário, eles são dignos de aplauso e louvor); seu erro está em dizer que basta a caridade somente. Jesus Cristo nunca ensinou isso. Pois Jesus, o evangelista da caridade, foi também o evangelista da fé. Sua doutrina não é apenas moral. São Marcos nos refere as últimas e solenes palavras de Jesus, dirigidas aos apóstolos pouco antes de sua ascensão ao céu: "Ide por todo o mundo, proclamai o evangelho a toda criatura. Aquele que crer e for batizado será salvo; o que não crer será condenado" (Mc 16,15-16). Quem não crer será condenado! São também palavras de Jesus. E em são Mateus damos com estas outras palavras de Jesus, não menos solenes e formais: "Toda a autoridade sobre o céu e sobre a terra me foi entregue. Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tomem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei. E eis que eu estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos" (Mt 28,18-20).
Instruídos por Cristo e fortalecidos pelo Espírito Santo, os apóstolos saíram a pregar.
Advertidos por Jesus, eles sabiam que o inimigo tudo faria para dispersar a grei que o Senhor queria una; alertados por Cristo, previam que os lobos viriam vestidos em pele de ovelha e que o anjo das trevas se apresentaria lisonjeiro como anjo da luz; prevenidos pelo divino mestre, sabiam que o "homem inimigo" aproveitaria as sombras da noite e a desprevenção dos homens que dormem para espargir o erro e a discórdia. Por isso conservaram-se vigilantes e enérgicos. E quando, por exemplo, na novel comunidade dos gálatas se infiltrou o erro dos judaizantes, são Paulo não hesitou: "Ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos anunciar um evangelho diferente do que vos anunciamos, seja anátema. Como já vo-lo disse, volto a dizê-lo agora: se alguém vos anunciar um evangelho diferente do que recebestes, seja anátema" (Gl 1,8-9). E ao despedir-se da Ásia menor, em Mileto, o que mais pesava em sua alma era a previsão dos
primeiros vestígios do gnosticismo, de um sincretismo de seitas judaístas, de filosofias helenistas e de religiões de mistérios que rebaixavam Jesus Cristo a um dos espíritos cujo culto propagavam, e implora então aos presbíteros responsáveis: "Sede solícitos por vós mesmos e por todo rebanho, do qual o Espírito Santo vos estabeleceu guias para apascentar a Igreja de Deus, que ele adquiriu para si pelo sangue de seu próprio Filho. Eu sei que, depois de minha partida, introduzir-se-ão entre vós lobos cruéis que não pouparão o rebanho, e que no meio de vós surgirão homens que farão discursos perversos com a finalidade de arrastar discípulos atrás de si. Por isso sede vigilantes, lembrando-vos de que durante três anos, dia e noite, não cessei de exortar com lágrimas a cada um de vós" (At 20,28-31). Igual solicitude pela pureza da fé encontramos nas cartas aos efésios, aos colossenses e, sobretudo, nas cartas pastorais a Tito e Timóteo. Assim escreve a seu colaborador Timóteo: "Eu te conjuro, diante de Deus e de Cristo Jesus, que há de vir julgar os vivos e os mortos, pela sua aparição e por seu reino: proclama a palavra, insiste, no tempo oportuno e no importuno, refuta, ameaça, exorta com toda paciência e doutrina. Pois virá um tempo em que alguns não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, segundo os seus próprios desejos, como que sentindo comichão nos ouvidos, se rodearão de mestres. Desviarão os seus ouvidos da verdade, orientando-os para as fábulas" (2Tm 4,1-4). E a Tito recomenda: "Depois de uma primeira e de uma segunda admoestação, nada mais tens a fazer com um homem faccioso, pois é sabido que um homem assim se perverteu e se entregou ao pecado, condenando-se a si mesmo" (Tt 3,10-11). O mesmo modo inexorável de tratar os
hereges nos é recomendado por são Judas Tadeu e também pelo "discípulo do amor", são João,
que chega até a proibir qualquer relação com eles: "Não o recebais em vossa casa, nem o saudeis. Aquele que o saúda participa de suas obras más" (2Jo 10).
Foi neste mesmo espírito de apostólico zelo que nossos bispos denunciaram a heresia do espiritismo, para conservar no nosso povo não apenas a caridade, que é necessária e deve incendiar todos os corações cristãos, mas também a fé, ensinando-os a observar tudo que Cristo ensinou e mandou. Pois "quem não crer será condenado" (Mc 16,16) e "sem fé é impossível agradar a Deus" (Hb 11,6).
Sejamos, pois, integralmente cristãos. Sigamos a Cristo, evangelista da caridade; mas sigamos também a Cristo, evangelista da fé. Caridade ardente e fé inabalável: eis as duas asas com que nos alçaremos ao céu, "

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Fonte:
Espiritismo – orientação para católicos
Frei Boaventura Kloppenburg

A PSICOGRAFIA





"Ocupar-nos-emos, especialmente, com os médiuns escreventes, por ser o gênero de mediunidade mais espalhado e, além disso, por que é, ao mesmo tempo, o mais simples, o mais cômodo, o que dá resultados mais satisfatórios e completos." Com estas palavras justifica AK seu capítulo sobre a formação dos médiuns em O livro dos médiuns. A psicografia é praticamente o grande e quase único fenômeno com que se ocupam os espíritas. Iremos, por isso, estudá-la:
 1) em sua forma original de mesa falante,
2) na crítica insuficiente de AK,
3) na descrição da psicografia propriamente dita, tal como foi concebida por Kardec,
4) na análise à
luz da psicologia e parapsicologia atuais e
5) no exemplo concreto de Chico Xavier e seu sobrinho.

1. KARDEC ENCONTRA AS MESAS FALANTES
Em dezembro de 1854, o Sr. Hippolyte Leon Denizard Rivail (AK) começou a interessarse pelas mesas que já giravam aqui no Brasil em 1853. Estudioso do "magnetismo animal" desde sua mocidade, aceitara o fluidismo mesmeriano. Como tantos outros magnetistas de seu tempo e de sua pátria (França), pareceu-lhe, a princípio, poder explicar satisfatoriamente o fenômeno da mesa dançante pela misteriosa ação magnética. Mas uma observação mais cuidadosa do fenômeno levou-o a descobrir duas particularidades muito importantes, impossíveis de serem explicadas pela força cega do magnetismo: 
1) a mesa denotava
inteligência e, portanto, a causa devia ser inteligente; 
2) esta inteligência era autônoma, independente da inteligência das pessoas que colocavam as mãos sobre a mesa e, portanto, devia originar-se de uma causa inteligente diferente e invisível. Daí concluiu que nem o magnetismo por si só, nem as pessoas presentes, podiam ser a causa suficiente e adequada da mesa girante e falante. A "outra" inteligência extra-corpórea, atuante e invisível, mas presente e interessada, era
o espírito ou os espíritos.
E assim surgiu o espiritismo.
AK descreve seus primeiros contatos com as mesas girantes nas Obras póstumas. O raciocínio acima esboçado é desenvolvido em três obras diferente: O livro dos espíritos, introdução, pp. 40ss.; O que é o espiritismo, pp. 39ss.; e, sobretudo, através de longas páginas, em O livro dos médiuns, capo IV e seguintes. 
Neste citado capítulo de O livro dos médiuns, o codificador do espiritismo passa em revista 13 diversos sistemas excogitados para explicar a mesa girante. São:
1. O sistema do charlatanismo: é insustentável, pois há médiuns bem-intencionados. É certo que também há velhacos.
2. O sistema da loucura: os médiuns não seriam charlatães, mas imbecis. Também não é verdade; ao menos não sempre.
3. O sistema da alucinação: as mesas de fato não giram, os médiuns e os presentes são alucinados. É insustentável, porque a alucinação não costuma ser tão freqüente, nem tão coletiva.
4. O sistema do músculo estalante: há contrações voluntárias ou involuntárias do tendão do músculo curto-perônio, o que produziria os ruídos. Mas não explica tudo.
5. O sistema das causas físicas: magnetismo, eletricidade ou fluidos. Mas estas forças não explicam os fenômenos que denotam inteligência. Depois terei que voltar a esta argumentação.
Quero notar já agora que AK, quando discorre sobre este sistema que ele chama "das causas físicas" , tanto aqui, como em O livro dos espíritos, p. 41, e O que é o espiritismo, p. 40, fala sempre apenas de magnetismo, eletricidade ou fluidos; outras causas físicas não são mencionadas.
6. O sistema do reflexo: a inteligência manifestada pela mesa seria um reflexo dos
pensamentos do médium ou dos presentes. Contra isso lembra Kardec a independência e
autonomia da inteligência manifestada. Muitas vezes a mesa revela coisas que não estão nem
podiam estar na consciência do médium ou dos assistentes.
7. O sistema da alma coletiva: a alma do médium se identificaria com a dos outros presentes ou ausentes, formando um todo coletivo. Kardec confessa que não chegou a compreender o sentido exato desta opinião.
8. O sistema sonambúlico: as comunicações inteligentes provêm da alma do médium que, em estado sonambúlico, tem as faculdades mentais sobre excitadas, conseguindo assim um maior conhecimento. Mas, responde AK, o médium muitas vezes não tem nenhuma consciência do que está fazendo, agindo como uma máquina, cegamente.
9. O sistema pessimista, diabólico ou demoníaco: a inteligência estranha que se manifesta através da mesa vem do demônio. Mas, observa AK, os demônios, como eles os entendem, não existem; muitas vezes, além disso, as mensagens são boas e recomendam obras boas. 
10. O sistema otimista: só os bons espíritos se comunicam e são causa das manifestações inteligentes. Mas há também mensagens indignas de bons espíritos. 
11. O sistema unispírita ou mono-espírita: o espírito comunicante seria um só: Cristo. Aí AK recorda as comunicações da mais baixa trivialidade, de revoltante grosseria, impregnadas de malevolência e de maldade. Isso não pode vir de Cristo.
12. O sistema multispírita ou polispírita: são muitos e variados, bons e maus, os espíritos que se comunicam. É a teoria aceita por AK.
13. O sistema da alma material: seus defensores querem identificar o perispírito com a própria alma. Kardec não concorda, porque o ensino constante dos espíritos lhe garante que a alma e o perispírito são coisas distintas.
Estas e apenas estas são as teorias das quais AK tomou conhecimento e às quais tentou responder como pôde. Quem conhece a fisiologia e a psicologia moderna verificará facilmente a insuficiência da crítica kardecista. Nada sabe ele (e em sua época pouco podia saber) da mitomania, dos automatismos, das personificações, do subconsciente irrompido em estado de transe, dos reflexos condicionados e das percepções extra-sensoriais. Insuficientes são seus conhecimentos acerca das alucinações, das ilusões, das impressões subjetivas, das falsas recordações, dos infinitos recursos da fraude, da interpretações delirantes, das leis do boato etc.
Do ponto de vista científico, AK, na realidade, não é autoridade científica competente, para ser citado ainda hoje. Depois dele nossos conhecimentos progrediram muito. E ele mesmo - pois era indiscutivelmente inteligente - não reeditaria hoje suas obras. Ademais, as investigações de Kardec não foram nem podiam ser tão aprofundadas como geralmente se diz. Durante dois anos apenas ele se ocupou com o problema e já saía prontinho O livro dos espíritos, com as doutrinas definitivas, ainda hoje em voga nos nossos meios espíritas. 
Entretanto - e isso me parece bem mais grave - AK também não tomou conhecimento das teorias e explicações apresentadas em seu tempo pelo ilustre químico francês Chevreul e pelo eminente físico inglês Faraday. Certamente, estes dois cientistas não deram (nem podiam dar então) uma solução clara e definitiva ao problema das mesas dançantes. Entretanto, o princípio de solução indicado por eles é ainda hoje válido e confirmado pelas experiências modernas e aceito pelos cientistas.
Miguel Faraday, com efeito, apresentou em 1853 (atente-se bem a esta data) à Sociedade Real de Londres os resultados de suas "pesquisas experimentais sobre as mesas girantes". 
Demonstrou ele, em primeiro lugar, que o movimento das mesas não se devia a nenhum desprendimento de eletricidade, a nenhum fluido e a nenhuma espécie de força atrativa ou repulsiva. Mas ele concedia a realidade dos movimentos. Faraday demonstrou então experimentalmente que estes movimentos eram produzidos pelos movimentos musculares inconscientes dos que punham suas mãos sobre a mesa. Para isso colocou sobre a mesa pedaços de cartão, unidos entre si e -levemente colados à mesa. Verificou-se então que, quando a mesa se havia movimentado, também os cartões haviam deslizado um sobre os outros no mesmo sentido da mesa, tendo avançado mais os de cima que os de baixo. Faraday deu também aos
opera dores um sinal que acusava imediatamente qualquer ação muscular deles. Para isso instalou um mecanismo especial sobre a mesa, que impedia qualquer ação muscular, mas permitia a fantasiada "magnetização" do móvel. Com este instrumento a mesa deixou de girar e dançar.
No ano seguinte (1854) o químico Miguel Eugênio Chevreul apresentou à Academia das Ciências de Paris sua memória "sobre a varinha divinatória, o pêndulo explorador e as mesas girantes". Já em 1812 Chevreul se dedicara, de modo inteligente e metódico, ao problema da varinha divinatória. Chegou então à conclusão que o movimento é produzido pelo próprio indivíduo que segura a vara ou o pêndulo. Eis como ele mesmo descreve a experiência: "Quando eu sustentava o pêndulo na mão, um movimento muscular de meu braço, ainda que insensível para mim, fez sair o pêndulo do estado de repouso e, uma vez iniciadas as oscilações,
aumentaram logo devido à influência exercida pela vista para colocar-me neste estado particular de disposição ou tendência para o movimento. De maneira que existe uma íntima vinculação entre a execução de certos movimentos e o ato do pensamento que se refere a eles, mesmo que tal pensamento não seja ainda a vontade que dá ordens aos órgãos musculares". Chevreul também descobriu que, quando o pêndulo está suspenso num suporte fixo, não há "fluido" emanado das mãos capaz de pô-lo em movimento. Percebe-se que a teoria de Chevreul se aproxima bastante da moderna lei da motoricidade específica das imagens: os pensamentos provocam movimentos involuntários (automatismos). Esta teoria foi aplicada por Chevreul, em
1854, à mesa girante. O princípio, como é fácil de ver, estava certo, mas ainda devia ser completado. Mais tarde Pierre Janet (L'automatisme psychologique, Paris, 1889) o aperfeiçoaria: "É preciso ir mais longe que Chevreul - dizia J anet - e, depois de ter admitido os atos sem vontade, deve-se falar de pensamentos sem consciência ou fora de nossa consciência, se quisermos livrar-nos dos inúmeros diabinhos de Mirville" (p. 375) ou dos enxames de espíritos imaginados por Kardec.
Pois bem, nem Faraday, nem Chevreul, cujas teorias foram publicadas em 1853 e 1854, exatamente quando Kardec se debruçava sobre as mesas girantes, nenhum deles foi considerado e estudado com a devida atenção pelo codificador do espiritismo. As preocupações de Kardec eram muito mais de ordem filosófica e religiosa que científicas. E, sobretudo, Kardec teve muita pressa: já em 1857 saía O livro dos espíritos.

2. A INSUFICIÊNCIA DA CRITICA KARDECISTA
a) Examinemos agora mais minuciosamente as críticas feitas pelo mestre espírita a algumas das teorias por ele consideradas. Criticando o sistema das causas físicas (e aí poderia ter mencionado também a teoria de Faraday e Chevreul), AK insiste no seguinte raciocínio: - "Os movimentos e as pancadas deram sinais inteligentes, obedecendo à vontade e respondendo ao pensamento. Desde que o efeito deixava de ser puramente físico, outra, por isso mesmo, tinha que ser a causa... O ponto capital, portanto, está em verificar-se a ação inteligente, de cuja realidade se pode convencer quem quiser dar-se ao trabalho de observar" (III, 47). Em outra obra, AK formula sua crítica nestes termos: "Se tudo se limitasse a estes efeitos materiais, não há dúvida de que poderiam ser assim explicados; porém, quando esses movimentos e golpes nos deram provas de inteligência; quando se reconheceu que respondiam ao pensamento com
inteira liberdade, foi-se levado a tirar a seguinte conclusão: se todo efeito tem uma causa, o efeito inteligente tem uma causa inteligente" (II, 40).
Mostram estes textos que, para Kardec, o problema principal não estava em explicar a  realidade dos movimentos como tais, mas a inteligência que mediante estes movimentos se manifestava. Ora, hoje mais de um século depois, já sabemos alguma coisa mais. Não apenas podemos explicar a realidade dos movimentos, mas compreender também que sejam inteligentes. Basta ver o que os psicólogos nos dizem a respeito dos automatismos, sejam eles provocados pelo pensamento consciente heterossugerido, ou conseqüência de concentração mental, ou mesmo irrompidos espontaneamente do inconsciente. Em tudo isso não há hoje nenhum mistério. Nem vemos a necessidade de espíritos ou diabinhos para explicá-lo.
b) Refutando o sistema por ele denominado "sonambúlico" (segundo o qual a alma teria suas faculdades mentais sobreexcitadas, que lhe permitiriam um conhecimento mais amplo), pondera AK: "Poder-se-ia acreditar que fosse assim, se o médium tivesse sempre ar de inspirado ou de extático, aspecto que, aliás, lhe seria fácil aparentar perfeitamente, se quisesse representar uma comédia. Como, porém, se há de crer na inspiração, quando o médium escreve como uma máquina, sem ter a mínima consci2ncia do que está obtendo, sem ter a menor emoção, sem se ocupar com o que faz, distraído, rindo e conversando de uma coisa e de outra?" (III, 49; grifo meu). E, acrescenta AK, esta sobreexcitação das idéias seria incompreensível quando as comunicações são transmitidas por pancadas ou com o auxI1io de uma prancheta ou de uma cesta.
Aqui, portanto, damos com um segundo problema fundamental de AK: o médium é como uma máquina, não tem nem a mínima consciência de estar produzindo uma mensagem. 
Portanto, conclui o espírita, a mensagem não tem sua causa adequada no médium. Isso era compreensível naquele tempo, quando ainda se admitia o princípio da unidade do eu ou da perfeita identidade entre o indivíduo e sua personalidade consciente. Hoje, porém, não se admite mais este princípio. O homem não é uma unidade psíquica. Ao lado do dinamismo consciente; existe o dinamismo inconsciente, profundo e amplo, incomparavelmente mais vasto que o eu consciente. O grande psicólogo Jung afirma que a descoberta do inconsciente separou radicalmente a nova psicologia da velha, "causando nela a mesma revolução que a descoberta da radioatividade na física clássica". E sabe-se que uma das vias prediletas pelas quais costumam irromper as profundezas da alma é precisamente a via motriz ou dos movimentos inconscientes dos músculos. E a escrita automática (pelo lápis ou pela mesa, pouco importa) é um caso típico. 
E não é necessário que o atuante (ou o "médium" dos espíritas) esteja em estado de transe ou de especial concentração. Fiz numerosas experiências, com diferentes pessoas (do tipo sugestionável que sofre facilmente movimentos musculares inconscientes), não apenas para fazer a mesa dançar e responder mediante batidas, mas também para fazer o lápis discorrer sobre o papel, ficando o paciente exatamente no estado descrito por Kardec: "Como uma máquina, sem ter a mínima consciência do que está obtendo, sem ter a menor emoção, sem se ocupar com o que faz, distraído. . . ".
c) Ao criticar o sistema que ele chama "de reflexo" (segundo o qual a inteligência manifestada seria um reflexo do pensamento do médium ou dos presentes), observa AK: "Só a experiência podia confirmar ou condenar essa teoria, e a experiência a condenou, porquanto demonstra a todos os momentos, e com os mais positivos fatos, que o pensamento expresso, não somente pode ser estranho ao dos assistentes, mas que lhes é muitas vezes contrário; que contradiz todas as idéias preconcebidas e frustra todas as previsões" (III, 47). 
Eis, pois, o terceiro problema básico: a misteriosa inteligência é capaz de revelar coisas que nem o médium, nem os presentes podem saber. E aí está, propriamente, a razão principal que conduziu AK à teoria espírita. Muitas vezes insiste neste argumento. E era, realmente, um motivo forte, digno de ser examinado e investigado. Está claro que Kardec não nos quererá dizer que todas as mensagens obtidas pela mesa ou, depois, pelo lápis, apresentam um conteúdo surpreendente. Um estudo atento das obras psicografadas e publicadas (e estas serão, sem dúvida, as melhores) revela que, geralmente, o conteúdo das mensagens não é surpreendente e, quando é, surpreende por sua banalidade. Entretanto, não quero negar que o fato, assinalado por AK e pelos espíritas, de quando em quando se apresente realmente. Isto é: a escrita automática é, efetivamente, capaz de revelar coisas e dados que nem o médium nem os presentes podem
saber. Mas também aqui a psicologia moderna pode vir em nosso auxílio. Para maior clareza, tentarei resumir em alguns itens as principais conclusões de Rhine:
1. O fenômeno psigama, ou a percepção extra-sensorial (ESP), independente do raciocínio e das vias sensoriais conhecidas, existe realmente e é de todo natural. Somente a ignorância dos resultados experimentais obtidos em mais de cinco milhões de experiências pode explicar o ceticismo.
2. Todos os homens normais têm a possibilidade de perceber extra-sensorialmente.
3. Parece que o fenômeno psigama não depende das leis do espaço: a maior ou menor distância entre o agente e o percipiente não afeta nem modifica a percepção.
4. O conhecimento paranormal não parece depender das leis comuns do tempo, nem do passado, nem do futuro.
5. O conhecimento psigâmico ou paranormal se manifesta pela via motriz, pela via de imagens e pela via onírica (do sonho).
Portanto, também para responder ao terceiro problema, não há necessidade de espíritos. Basta a ciência.
Assim vimos que a mesa girante, principalmente quando fala e revela dados desconhecidos, é um fenômeno complexo com várias causas e não um fenômeno simples com uma só causa. Ou melhor: a mesa dançante pode ser um fenômeno simples (quando apenas faz movimentos) com uma causa simples (movimentos musculares inconscientes); pode ser um fenômeno composto (quando dança e responde inteligentemente) com causa composta (automatismo orientado pelo dinamismo inconsciente do médium); e pode ser um fenômeno complexo (movimentos, com inteligência, revelações surpreendentes e assinatura de um nome
estranho) com causa complexa (automatismo, percepção extra-sensorial, personificação).

3. A PSICOGRAFIA APRESENTADA POR ALLAN KARDEC
"As mesas girantes - declara AK - representarão sempre o ponto de partida da doutrina espírita" (III, 66). Entretanto, bem depressa notou que o processo de comunicar-se com os espíritos mediante batidas da mesa era "muito moroso" (ib. 71 e 153). Por isso, diz Kardec, os próprios espíritos "indicaram outros meios" (p. 71): o das comunicações escritas. Veio assim a "escrita automática" ou a "psicografia".
É ainda Kardec quem nos vai historiar o fato: "Receberam-se as primeiras deste gênero, adaptando-se um lápis ao pé de uma mesa leve, colocada sobre uma folha de papel. Posta em movimento pela influência de um médium, a mesa começou a traçar caracteres, depois palavras e frases. Simplificou-se gradualmente o processo, pelo emprego de mesinhas do tamanho de uma mão, construídas expressamente para isso; em seguida, pelo de cestas, de caixas de papelão e, afinal, pelo de simples pranchetas. A escrita saía tão corrente, tão rápida e tão fácil como com a mão. Porém reconheceu-se mais tarde - é sempre AK quem dá essas informações que todos aqueles objetos não passavam, em definitivo, de apêndices, de verdadeiras lapiseiras, de que se podia prescindir, segurando o médium, com sua própria mão, o lápis. Forçada a um movimento involuntário, a mão escrevia sob o impulso que lhe imprimia o espírito e sem o concurso da
vontade, nem do pensamento do médium. A partir de então, as comunicações de além-túmulo se tornaram sem limites, como o é a correspondência habitual entre os vivos" (pp. 71s.).
Mais adiante, no capo XIII, AK descreve minuciosamente essas várias maneiras de "psicografar", principalmente o sistema da "cesta-pião", da "cesta de bico" e da prancheta (que é mais ou menos o "oui-ja" dos americanos). AK dá então a esses métodos o nome de psicografia indireta.
Quando, porém, o médium pega diretamente no lápis e o faz deslizar sobre o papel, então temos a psicografia direta ou propriamente dita. g o fenômeno mais cômodo e o mais fácil e mais em voga até hoje. AK o descreve nas seguintes palavras: "O espírito que se comunica atua sobre o médium que, debaixo dessa influência, move maquinalmente o braço e a mão para escrever, sem ter (é pelo menos o caso mais comum) a menor consciência do que escreve" (p. 164).
No capo XV o codificador do espiritismo divide os médiuns psicógrafos em três categorias:
a) Médiuns mecânicos: aqueles cuja mão recebe um impulso involuntário e que nenhuma consciência têm do que escrevem. Kardec insiste: "O que caracteriza o fenômeno é que o médium não tem a menor consciência do que escreve... g preciosa esta faculdade, por não permitir dúvida alguma sobre a independência do pensamento daquele que escreve" (p. 182). 
Mas observa na p. 193 que estes médiuns são "muitos raros".
b) Médiuns semi-mecânicos: aqueles cuja mão se move involuntariamente, mas que têm, instantaneamente, consciência das palavras ou das frases, à medida que escrevem. "Sente que à sua mão uma impulsão é dada, mau grado seu, mas ao mesmo tempo tem consciência do que escreve" (p. 183). Declara que este é o tipo mais comum (pp. 183 e 193). 
c) Médiuns intuitivos: aqueles com quem os espíritos se comunicam pelo pensamento e cuja mão é conduzida voluntariamente. Neste caso o espírito não atua sobre a mão do médium, mas "atua sobre a alma, com a qual se identifica. A alma, sob esse impulso, dirige a mão e esta dirige o lápis... Nessa situação o médium tem consciência do que escreve" (p. 182). Kardec concede logo que neste caso será bem difícil saber se o pensamento vem do espírito ou da alma do médium. Mas, consola-se, "pode acontecer que isso pouca importância apresente"; e continua, benévolo: "Todavia, é possível reconhecer-se o pensamento sugerido, por não ser nunca preconcebido; nasce à medida que a escrita vai sendo traçada" (p. 183). Isso, para AK, já é prova de que o pensamento não é produto do esforço da alma, mas resultado da ação do espírito. 
Vê-se que a benevolência para com o espírito é muito maior do que .para com a alma da gente. Aliás, logo adiante, ao falar dos "médiuns inspirados", diz que "todo aquele que, tanto no estado normal, como no de êxtase, recebe, pelo pensamento, comunicações estranhas. às suas idéias preconcebidas pode ser incluído na categoria dos médiuns inspirados" (p. 183). E por isso, acrescenta ele, "pode dizer-se que todos são médiuns". Basta ter uma nova idéia que subitamente vem à tona - é prova que um espírito está atuando sobre nós! Kardec o diz expressamente. E ainda acrescenta que os homens de gênio, de todas as espécies, artistas, sábios, literatos, "as mais das vezes, são médiuns sem o saberem" (p. 184).
Convém deixar claro o pensamento kardecista ou espírita a respeito deste ponto, porque nos revela uma psicologia muito especial e acanhada. Em O livro dos espíritos, que é a obra principal da codificação e que teria sido revista pelo além, Kardec é instruído pelos "espíritos superiores". Pergunta ele, no n. 459: "Influem os espíritos em nossos pensamentos e em nossos atos?" - Resposta: "Muito mais do que imaginais. Influem a tal ponto que de ordinário são eles que vos dirigem". No n. 461 pergunta como é possível distinguir os nossos pensamentos dos do espírito; e recebe o seguinte critério: "Geralmente, os pensamentos próprios são os que acodem em primeiro lugar"; mas, acrescenta, "não vos é de grande interesse estabelecer essa distinção. 
No n. 577 dá um exemplo de certas iniciativas que os espíritos podem tomar: "Por exemplo, entende um espírito ser útil que se escreva um livro, que ele próprio escreveria se estivesse encarnado. Procura então o escritor mais apto a lhe compreender e executar o pensamento. 
Transmite-lhe a idéia do livro e o dirige na execução. O mesmo ocorre com diversos trabalhos artísticos e muitas descobertas". 
Estranha psicologia! Não só não deixa nenhum lugar para o dinamismo inconsciente no homem, mas a própria vida consciente sofre constantes interferências na sua atividade intelectual: "Não ignorais - ensinam os espíritos de Kardec - que, freqüentemente, muitos pensamentos vos acodem a um tempo sobre o mesmo assunto e, não raro, contrários uns aos outros. Pois bem! No conjunto deles, estão sempre de mistura os vossos com os nossos. Daí a incerteza em que vos vedes" (n. 460).
Seria o caso de mandar todos os espíritos às favas e pedir que nos deixem em paz e tranqüila atividade. Escrevo hoje uma página; releio amanhã; corrijo o pensamento - e eis que me proclamam médium psicógrafo do tipo intuitivo!

4. ANÁLISE PSICOLÓGICA DE UMA MENSAGEM PSICOGRAFADA
Figuremos um fenômeno autêntico de psicografia, sem fraude nem simulação. Façamos mesmo a melhor suposição, do ponto de vista espírita: um médium, residente no Rio, sente repentinamente impulso estranho e involuntário na mão, pega de um lápis, coloca a mão e o lápis sobre uma folha de papel, a mão escreve nervosamente, sem que o médium tenha a menor idéia (é "médium mecânico", segundo a terminologia de Kardec), e eis que aparece a seguinte mensagem: "Papai está doente. Alice". - Mas o pai do médium mora em São Paulo e o médium ainda ontem recebera uma carta de casa informando que lá todos vão bem. "Alice" seria o nome do espírito "guia". Imediatamente nosso médium pede uma ligação telefônica para São Paulo e de lá vem a informação clara e inegável: "Papai está doente".
Eis o fenômeno. Kardec e seus seguidores o terão certamente como um bom e raro fenômeno espírita. Digo "raro" porque a grande maioria das mensagens psicografadas não traz nenhuma surpresa na mensagem; e também porque, segundo Kardec, os médiuns mecânicos são raros.
Tentemos agora uma serena análise psicológica deste fenômeno, de acordo com os conhecimentos de hoje. O fenômeno, como se vê, não é simples, mas complexo. Analisando-o e decompondo-o em suas partes constitutivas, teremos quatro elementos:
1. O movimento impulsivo e involuntário da mão do médium com o lápis;
2. a escrita inconsciente, mas inteligente, produzindo uma mensagem;
3. a mensagem surpreendente, com um conteúdo que o médium não podia conhecer;
4. o nome estranho que assina o recado.
Ora, não é difícil demonstrar, à luz dos atuais conhecimentos, que cada Um destes quatro elementos constitutivos está perfeitamente dentro do âmbito das potências e faculdades naturais da alma humana, sem precisar, para sua realização, do concurso de espíritos ou almas desencarnadas. Logo, também o seu conjunto, ou a conjunção dos quatro elementos num só fenômeno complexo, é natural ou, como diriam os espíritas, é "anímico" (segundo a terminologia não muito feliz de Aksakof e Bozzano). Para fazer esta demonstração basta 
recordar resumidamente o seguinte:
1. A lei da motoricidade específica das imagens é capaz de desencadear movimentos musculares bastante complexos, independentes da vontade e da consciência. Estes movimentos impulsivos e repentinos podem irromper espontaneamente do psiquismo humano. Os espíritas ainda não se conformaram com a idéia do subconsciente no homem. Compreende-se esta atitude reacionária em vista de suas convicções formuladas há mais de um século, quando as descobertas de F. H. W. Myers, W. James, P. Janet, Charcot, Freud, Bleuler, Adler, Jung e outros ainda estavam numa fase totalmente embrionária. Mas como eles constantemente fazem praça de marcar passo com a ciência, está na hora, também para eles, de começar a falar de modo diferente. Já não estamos no orgulhoso século XIX. Ora, estes automatismos explicam cabalmente não apenas o movimento impulsivo e involuntário da mão do médium com o lápis (primeiro elemento), mas também a escrita inconsciente e inteligente, produzindo uma mensagem (segundo elemento). A psiquiatria conhece muito bem o fenômeno da escrita automática de certos dementes, que são capazes de produzir cadernos de mensagens "para salvar o mundo". Ninguém dirá hoje que eles são movidos por espíritos do além. Falando de um caso semelhante, dizia Richet: "Parece-me sempre mais simples admitir que a bela inteligência de Sardou fez um trabalho inconsciente do que supor que a alma de Mozart veio animar os músculos de Victorien Sardou" (Tratado de metapsíquica, vol. I, p. 82). E não nos esqueçamos
deste outro princípio formulado pelo mesmo autor na p. 78: "O inconsciente é capaz de fazer tudo o que o consciente pode fazer”.
2. As experiências (pelo método quantitativo) da escola de Rhine provam a realidade da percepção extra-sensorial no homem. Verificou-se também que esta percepção independe das leis comuns do espaço, isto é: a distância (Rio-São Paulo) não modifica nem afeta a natureza da percepção psigama. Sabe-se ainda que a percepção é mais fácil e mais segura quando incide sobre um objeto carregado de valores existenciais, com ressonância afetiva ( doença do pai, ou morte de uma pessoa, desastre etc.). Assim também o terceiro elemento (a mensagem surpreendente, com um conteúdo que não se podia obter pelas vias normais e conhecidas) recebe hoje sua perfeita explicação natural.
3. A lei da personificação: todo estado de consciência tende para uma forma pessoal.
Assim, quando um conteúdo inconsciente surge à consciência ou se exterioriza mediante movimentos automáticos, ele tem a tendência de apresentar-se em forma pessoal. Como o "eu" consciente e normal não se reconhece como autor nem dos movimentos, nem da mensagem, forma-se uma nova síntese mental, com um "eu" próprio, que se responsabiliza por estes estranhos efeitos, tomado mesmo um nome próprio, diferente do nome pelo qual se conhece o "eu" normal e comum. É bastante freqüente, em certos doentes mentais, esta aparição de nova personalidade ou como se diz, o desdobramento da personalidade. O novo "eu, pode até coexistir como o "eu" normal. Tudo isso é natural ("anímico") e nada tem a ver com espíritos. O "eu" consciente, tomado ou surpreendido por aquele outro "eu", sente que os movimentos e a mensagem não são "dele", mas do "outro", e nega firmemente sua autoria. O "outro" toma então um nome condicionado por suas convicções mais profundas: será um "espírito'" um "guia", um "caboclo", um "preto velho", um "santo" ou o "demônio", conforme suas crenças. No caso era "Alice", porque o médium era espírita; se fosse umbandista poderia ser "pai João". E assim se explica o quarto elemento (o nome estranho que assina o recado). 
Objetarão que esta explicação é complicada e a espírita é simples. Respondo: o fenômeno também é complexo e a simplicidade de uma explicação nunca foi critério de verdade. O fenômeno simples, com um só elemento, terá explicação simples; o fenômeno composto, com muitos elementos, terá que ser decomposto e ser explicado por partes. Em ciência é assim. 

6. A PSICOGRAFIA DE CHICO XAVIER
O Sr. Francisco de Paula Cândido, mais conhecido como Francisco Cândido Xavier, ou simplesmente Chico Xavier, é nosso médium mais conhecido e idolatrado. Nasceu em Pedro Leopoldo, MG, em 1910. Dizem que não fez mais que o curso primário. De família católica, entrou em contato com o espiritismo em 1927. Desde 1959 vive em Uberaba. Leva uma vida simples, com muita dedicação aos que sofrem e de intensa atividade psicográfica. Seus livros psicografados já passam de 250 e são amplamente difundidos, principalmente pela Federação Espírita Brasileira, fato que, por si só, comprova sua fidelidade à doutrina codificada por AK. Afirma-se que já tem mais de quinze milhões de exemplares vendidos. Não há outro autor que se compare. Em 1982 seu nome foi sugerido para Prêmio Nobel da Paz, com o endosso,
segundo dizem, de mais de dez milhões de simpatizantes.
No prefácio de sua primeira obra psicografada, Parnaso de Além -Túmulo, o próprio Chico se apresenta como um moço com "o mais pronunciado pendor para a literatura", com "a melhor boa vontade para o estudo", que em casa "estudou o que pôde". O Jornal das moças de 1931 publicava sonetos seus. Um amigo de Belo Horizonte, que o conheceu naqueles anos, deu-me estas informações:
- "Conheci o Francisco Xavier em 1933. Nessa época ele ainda trabalhava numa pequena casa de comércio, em Pedro Leopoldo. Na ocasião, em julho de 33, salvo engano, ele me deu para ler Um álbum de poesias dele. Eram poemas, sonetos, quase todos melhores do que a imitação de Guerra Junqueiro que publicou no Parnaso de além túmulo. Foi por intermédio de Francisco Xavier que conheci Augusto dos Anjos. Ele declamava grande parte do Eu. Lera tanto Augusto dos Anjos que o sabia de cor. Ainda me lembro muito de ouvi-lo declamar com entusiasmo o 'Árvore da serra'. Em 1933 ele estava encantado com Augusto dos Anjos. Já por essa época ele lia o espanhol e o francês: assim me disse várias vezes. Conhecia bem a literatura brasileira e lia muito. Nós nos correspondíamos em fins de 1933 e 1934, e é pena que não tenha guardado as cartas dele, da época. Nelas, o tema era literatura e poder-se-ia ver bem que ele não
era quase analfabeto, com apenas a instrução primária, conforme afirma no prefácio no Parnaso. É o que lhe posso informar por conhecimento próprio. Ainda devo acrescentar que lá por 1941 ou 42 visitei, com alunos do Seminário, a Fazenda do Estado, em Pedro Leopoldo, onde me encontrei com ele. Conversamos sobre santa Teresa e são João da Cruz. Eu acabara de ler as obras de santa Teresa e ele conhecia bem não só santa Teresa, mas também são João da Cruz".
A propaganda espírita exalta a perfeição dos vários estilos na obra mediúnica de Chico Xavier. Dizem que Olavo Bilac, Humberto de Campos e outros mestres da nossa literatura reapareceram através do lápis de Chico Xavier em sua antiga perfeição. E propagam que até um Agripino Grieco reconheceu o inconfundível estilo de Humberto de Campos. Mas o que na realidade encontro nas declarações de Agripino Grieco é um pouco diferente. Diz ele, textualmente, ao Diário da Noite, de São Paulo, de 26-6-1944 (no tempo do famoso processo que a família de Humberto de Campos moveu contra a Federação Espírita):
- "A Humberto de Campos, entretanto, penso que já bastariam os livros por ele escritos ainda em vida, para que sua glória se tornasse imperecível. Os livros póstumos ou pretensamente póstumos nada lhe acrescentam à glória, sendo mesmo bastante inferiores aos escritos em vida. Interessante: de todos os livros que conheço como sendo psicografados, escritos por intermédio da mão ligeira de um médium, nenhum se equipara aos produzidos quando era o escritor que fazia a pena deslizar sobre o papel. O mesmo sucede com as obras do espírito de Vítor Hugo, 'apanhadas' aqui no Brasil e em português. Parecem-me todas de um Vítor Hugo em plena caducidade, com uma catarreira senil das mais alarmantes. 
" Outra coisa, em geral esses livros só se reportam a coisas terrestres: não são livros do além, mas simplesmente do aquém, retrospectivos, autobiográficos, de um mundo que já conhecemos miudamente...".
Outro crítico, o Sr. João Dornas Filho, comparou o Olavo Bilac póstumo de Chico Xavier com as produções do poeta vivo:
- "Pois bem, esse homem, que em vida e segundo a doutrina espírita estava sujeito às deficiências, aos erros, à contingência do estado de encarnação e só desencarnado poderia realizar ou iniciar o seu período de perfeição; esse homem que no estágio de imperfeição nunca assinou um verso imperfeito depois de morto ditou ao Sr. Chico Xavier sonetos inteirinhos abaixo de medíocres! Cheios de versos malmedidos, mal-rimados e, sobretudo, numa língua que Bilac absolutamente não escrevia" (Folha da Manhã, SP, 19-4-1945).
É necessário assinalar mais um ponto importante. Já AK nos revela nas Obras póstumas (mas não ditadas depois de sua morte) como trabalhou sobre o material acumulado para codificar O livro dos espíritos: "Da comparação e da fusão de todas as respostas, coordenadas, classificadas e muitas vezes remodeladas no silencio da meditação" nasceu aquela obra fundante do espiritismo. Quando nos vêm mensagens do além, ou até mesmo revelações destinadas a "completar, explicar e desenvolver" a doutrina cristã, coisa que os espíritas pretendem com sua "terceira revelação", fazemos questão de ter as novas "revelações" exatamente assim como vieram ou foram ditadas e não como foram depois "remodeladas" por algum mortal deste mundo. Coisas semelhantes aconteceram com obras de Chico Xavier. O jornal espírita O poder, de Belo Horizonte, de 10-5-1953 (n. 392), publicou um artigo do espírita Sousa de Prado, com notáveis revelações sobre o que acontece atrás dos bastidores do espiritismo nacional. Sousa de Prado revela que um dia foi procurado pelo presidente da Federação Espírita, Wantuil de Freitas, tendo na mão um maço de provas tipográficas. "Você sabe - dizia ele - que quem corrige todos os trabalhos recebidos pelo Chico Xavier é o Quintão".
Manuel Quintão também foi presidente da Federação. E Sousa de Prado lhe respondeu: "Sei, por sinal que, com tais correções, consegue desfigurar quase completamente o estilo dos spíritos que ditam as obras ao médium, enxertando-lhes termos esdrúxulos, que eles nunca usaram enquanto encarnados". Confidenciou-lhe então o Sr. Wantuil de Freitas:
- Ora, como você sabe, o Quintão erra constantemente, principalmente no emprego da crase, e na pontuação; e eu tenho grande empenho em que isso saia correto. Por isso, fiz uma nova revisão, emendando os principais erros que encontrei. Como, porém, eu sou Um pouco fraco no português..." e posso ter emendado coisas que estivessem certas, queria que você conferisse, comigo, as emendas que fiz".
De tudo isso concluo que Chico Xavier é um cidadão bom e inteligente, poeta por inclinação natural, muito lido, capaz de reproduzir mediocremente, em estilos diversos, inúmeras páginas sobre assuntos bastante banais e que são revistas e corrigi das por outras pessoas mais competentes e melhor formadas.
A propaganda espírita é muito mais categórica e positiva que o próprio Chico Xavier. Os espíritas não têm dúvidas: aquelas mensagens são realmente dos espíritos do além. No prefácio de Parnaso de além túmulo o próprio Chico Xavier é bem mais reservado e prudente. Eis suas palavras:
- "O que psicografo será das personalidades que assinam os poemas? E o que não posso afiançar. O que afirmo categoricamente é que, em consciência, não posso dizer que são minhas, porque não despendi nenhum esforço intelectual ao grafá-las no papel. A sensação que sempre experimentei ao escrevê-las era a de que vigorosa mão impulsionava a minha". 
Aqui temos a sincera descrição do fenômeno. Mas é também sua explicação. O fenômeno certamente não foi produzido por forças do além. Qualquer bom psicólogo saberá explicá-lo. Chico Xavier deixa de ser um problema teológico e passa à competência da psicologia.

7 "NOSSO LAR": UM EXEMPLO CONCRETO
Mas tomemos um exemplo concreto de uma das obras psicografadas por Chico Xavier, sua obra mais popular: Nosso lar, com 460.000 exemplares vendidos até 1985, ditada por um espírito chamado "André Luis", que, segundo se afirma nos arraiais espíritas, teria sido em vida o conhecido médico Dr. Osvaldo Cruz. Nesta obra, "André Luís" relata uma multidão de acontecimentos, desde sua morte até seu ingresso, como cidadão, na fantástica colônia espiritual chamada "Nosso lar".
Imediatamente depois da separação do corpo (morte), o espírito, agora "desencarnado", de André Luís passou por um período bastante difícil, confuso e desorientado, sempre andando, sem saber por onde nem para onde. Era o estado de "erraticidade", descrito abundantemente por AK. "Persistiam - conta ele - as necessidades fisiológicas, sem modificação. Castigava-me a fome todas as fibras, e, não obstante o abatimento progressivo, não chegava a cair definitivamente em absoluta exaustão. De quando em quando, deparavam-se-me verduras que me pareciam agrestes, em tomo de humildes filetes d'água a que me atirava sequioso. Devorava as folhas desconhecidas, colocava os lábios à nascente turva, enquanto mo permitiam as forças irresistíveis, a impelirem-me para frente. Muitas vezes suguei lama da estrada, recordei o antigo
pão de cada dia, vertendo copioso pranto. Não raro era imprescindível ocultar-me das enormes
manadas de seres animalescos, que passavam em bando, quais feras insaciáveis" (p. 17; sigo a 4" edição). Durou oito anos a peregrinação.
Até que encontrou outro espírito: Clarêncio, "um velhinho simpático que sorriu paternalmente", que se apoiava num cajado de substância luminosa. Foi então transportado.
Pararam "à frente de grande porta encravada em altos muros, cobertos de trepadeiras floridas e
graciosas" (p. 20). Acomodaram-no num leito de emergência, "no pavilhão da direita". Viu-se então num confortável aposento, "ricamente mobiliado". Serviram-lhe "caldo reconfortante, seguido de água muito fresca", portadora "de fluidos divinos". À noite ouviu "divina melodia". 
Levantou-se e chegou a um enorme salão, "onde numerosa assembléia meditava em silêncio".
Soube que era a hora da oração, dirigida pelo governador, através do rádio e da televisão, "com processos adiantados".
No dia seguinte encontrou-se com o "irmão Henrique de Luna", do Serviço de Assistência Médica daquela Colônia Espiritual. Soube então que, só naquela seção, "existem mais de mil doentes espirituais". Examinado, recebeu o seguinte diagnóstico: "A zona dos seus intestinos apresenta lesões sérias com vestígios muito exatos de câncer; a região do fígado revela dilacerações; a dos rins demonstra características de esgotamento prematuro" (p. 30). Recebeu como remédio passes magnéticos.
Quero lembrar que se trata de descrições da vida do espírito, depois da morte: não de coisas desta terra.
Um dia foi passear: "Quase tudo melhorada cópia da Terra. Cores mais harmônicas, substâncias mais delicadas. Forrava-se o solo de vegetação... Aves de plumagens policromas cruzavam os ares... Identificava animais domésticos" (p. 38). Viu "vastas avenidas, enfeitadas de árvores frondosas". Entidades numerosas iam e vinham...
Afinal soube que estava numa das muitas colônias espirituais. Esta chama-se "Nosso lar", consagrada ao Cristo (p. 22) e fundada por portugueses distintos, desencarnados no Brasil, no século XVI, segundo consta dos "arquivos do ministério do esclarecimento" (p. 47). A colônia é dirigida por um governador (que naqueles dias comemorou o 114º aniversário de governança) assistido por 72 colaboradores. Divide-se em 6 ministérios, orientados cada qual por 12 ministros: o ministério da regeneração, do auxílio, da comunicação, do esclarecimento, da elevação e da união divina. É no ministério do auxílio que preparam as "reencarnações terrenas". Há, na colônia, "mais de um milhão de criaturas" (p. 207).
No passado a colônia teve que agüentar muitos apertos. Houve maus governadores, com muita oposição, inclusive assaltos por parte de outros espíritos, "que tentaram invadir a cidade, aproveitando brechas nos serviços de Regeneração, onde grande número de colaboradores entretinha certo intercâmbio clandestino" (p. 48). Mas o governador "mandou ligar as baterias elétricas das muralhas da cidade, para emissão dos dardos magnéticos" (p. 49). Um dia foi de aerobus ao bosque das águas. Era um "grande carro, suspenso do solo a uma altura de cinco metros mais ou menos e repleto de passageiros" (p. 50). Outro dia visitou
uma casa particular: "Móveis quase idênticos aos terrestres". Quadros, piano, livros. Com  relação aos livros recebeu a seguinte informação: "Os escritores de má fé, os que estimam o veneno psicológico, são conduzidos imediatamente para as zonas obscuras do umbral". Havia também sala de banho. Ao almoço serviram "caldo reconfortante e frutas perfumadas, que mais pareciam concentrados de fluidos deliciosos" (p. 86).
Também o problema da propriedade recebeu sua solução. "Nossas aquisições são feitas à base de horas de trabalho. O bônus-hora, no fundo, é o nosso dinheiro. Quaisquer utilidades são adquiridas com esses cupons. " Cada família espiritual pode conquistar um lar (nunca mais que um), apresentando trinta mil bônus-hora" (p. 100).  
Existe também o serviço de recordações. Aplicam-se passes no cérebro, que restituem "trezentos anos de memória integral" (p. 103). 
Certa vez encontrou um ancião, gesticulando, agarrado ao leito, como se fosse louco, gritando por socorro, pedindo ar, muito ar! O homem estava sendo vítima de uma "carga de pensamentos sombrios, emitidos pelos parentes encarnados" (p. 127). Recebeu então passes de prostração. Há também "água magnetizada" e "operações magnéticas" (p. 136). 
Num daqueles dias apareceu na colônia uma católica desencarnada na Terra. Chegou benzendo-se e dizendo: - "Cruzes! Credo! Graças à Providência Divina, afastei-me do purgatório..." Revelou que, na Terra, foi mulher de muito bons costumes, que rezou incessantemente e deixou uns dinheirinhos para celebração de missas mensais; em suma, fez o possível para ser boa católica. Confessara-se todos os domingos e comungara. Mas maltratara os escravos. "Padre Amâncio, nosso virtuoso sacerdote, disse-me na confissão que os africanos são os piores entes do mundo, nascidos exclusivamente para servirem a Deus no cativeiro." Morrera em 1888 e só em 1939 alcançou o "Nosso lar". Fora longo seu "esforço purgatorial" (p. 164).
Também, católica. . .
Num domingo o governador resolveu realizar o "culto evangélico" no ministério da regeneração. Havia meninos cantores das escolas de esclarecimento, que cantavam o hino Sempre contigo, Senhor Jesus", cantado por duas mil vozes. Depois de outra cerimônia do culto evangélico, cantaram o hino "A ti, Senhor, nossas vidas". No fim a ministra veneranda entoou "A grande Jerusalém" (p. 208).
É assim no "Nosso lar".
Nos outros volumes continua André Luís a descrever a vida e a atividade fantástica do mundo "depois da morte".
Eis a literatura dos nossos espíritas. Este é o tipo de livros que a Federação brasileira propaga, aos milhares, pelo Brasil.

8. O SOBRINHO TAMBÉM PSICOGRAFAVA...
O Sr. Chico Xavier tem um sobrinho. Chama-se Amauri Pena. Nasceu em 1933, em Pedro Leopoldo. Com ano e meio foi morar em Sabará, MG. Quando tinha apenas dez anos, já lera o Parnaso de além túmulo, do tio. Aos 13 anos escrevia poemas. Inteligente, lia muito e começou a imitar o estilo de outros autores. Educado em ambiente espírita, com o brilhante exemplo do tio à vista, foi persuadido de ser um grande médium. E começou a "psicografar". Segundo um jornal espírita, "recebeu composições de mais de cinqüenta poetas brasileiros e portugueses, cada qual em seu próprio e inconfundível estilo. Recebeu também uma epopéia camoniana, em estilo quinhentista". Cruz e Sousa, Gonçalves Dias, Castro Alves, Augusto dos Anjos, Olavo Bilac, Luís Guimarães Jr., Casemiro Cunha, Inácio Bittencourt, Cícero Pereira, Hermes Fontes, Fabiano de Cristo, Anália Franco e até Bocage e Rabindranath Tagore apressavam-se em
procurar o sobrinho de Chico Xavier para fazer uns versos... Síntese, um boletim espírita de Belo Horizonte, dava ao médium a necessária publicidade.
Iam as coisas nas mais risonhas esperanças. E eis que, num belo dia de 1958, Amauri Pena procura a imprensa profana para fazer sensacionais declarações: "Tudo o que tenho psicografado até hoje - declarou - apesar das diferenças de estilo, foi criado por minha própria imaginação, sem que precisasse de interferência de almas de outro mundo". E explicava: "Depois de ter-me submetido a esse papel mistificador, durante anos, usando apenas conhecimentos literários, resolvi, por uma questão de consciência, contar toda a verdade".
E o sobrinho de Chico Xavier esclareceu mais: "Sempre encontrei muita facilidade em imitar estilos. Por isso os espíritas diziam que tudo quanto saía do meu lápis eram mensagens ditadas pelos espíritos desencarnados. Revoltava-me contra essas afirmativas, porque nada ouvia e sentia de estranho, quando escrevia. Os espíritas, entretanto, procuravam convencer-me de que era médium. Levado a meu tio, um dia, assegurou-me ele, depois de ler o que eu escrevera, que deveria ser seu substituto. Isso animou bastante os espíritas. Insistiam para que fosse médium".
O jovem e improvisado médium Amauri continua na descrição de sua estranha aventura:
"Passei a viver pressionado pelos adeptos da chamada terceira revelação. A situação torturavame e, várias vezes, procurando fugir àquele inferno interior, entreguei-me a perigosas aventuras. Diversas vezes, saí de casa, fugindo à convivência de espíritas. Cansado, enfim, cedi, dando os primeiros passos no caminho da farsa constante. Teria 17 anos. Ainda assim, não me vi com forças para continuar o roteiro. Perseguido pelo remorso e atormentado pelo desespero, cometi desatinos. Em algumas oportunidades, tentei recuar, sucumbindo, atordoado. Vi-me, então, diante de duas alternativas: mergulhar de vez na mentira e arruinar-me para sempre ou levantarme corajosamente para penitenciar-me diante do mundo e de mim mesmo, libertando-me definitivamente. 
Foi o que resolvi fazer, procurando um jornal mineiro e revelando toda a farsa. Sei das reações que minhas declarações causarão. Mas não me importo. O certo é que, enquanto me sacrificava pela propaganda de uma mentira, não me julgavam maluco. Não desmascaro meu tio como homem, mas como médium. Chico Xavier ficou famoso pelo seu livro Parnaso de além túmulo. Tenho uma obra idêntica e, para fazê-la, não recorri a nenhuma psicografia" . 
Eis as principais declarações de Amauri Pena.
Claro que não podia faltar a reação espírita. Um dos mais notáveis escritores espíritas do Brasil ("Irmão Saulo") encontrou logo a explicação mais satisfatória do ponto de vista espírita. Sustenta que a mediunidade de Amauri é "inegável e irretratável". E explica que o fenômeno espírita "não depende da opinião dos médiuns, e não raro contraria mesmo essa opinião. O fenômeno mediúnico é um fato em si. O caso Amauri é um exemplo disso. Pouco importa que ele se retrate, que se diga autor das comunicações recebidas. O que importa é a análise das comunicações em seus próprios conteúdos, bem como das circunstâncias em que foram dadas". Não adianta negar a mediunidade, esclarece o espírita, "mesmo que ele não a aceita, mesmo que ele a queira negar", será e continuará médium. E o Reformador, órgão da Federação Espírita
Brasileira, se consolou, ponderando que também Jesus foi traído por um de seus apóstolos... E o Amauri é classificado como "vítima de sua própria afinidade com os obsessores que o trazem acorrentado à vida irregular".
Duas são as lições que podemos colher do rumoroso caso:
1. Amauri Pena prova que é relativamente fácil imitar o estilo de outros. É mais uma questão de exercícios que de espíritos. Lá mesmo, na redação, diante dos jornalistas, imitou vários estilos. Diz ele: "Tenho uma obra idêntica (ao Parnaso de além túmulo) e, para fazê-la, não recorri a nenhuma psicografia". Um ilustre literato francês assegura que os "escritores vulgares e incapazes de estilo pessoal conseguem imitar admiravelmente o estilo de outrem. O pasticho é, efetivamente, um dom que todos podem ter”.
2. É inútil discutir com espíritas. Atitudes preconcebidas e totalmente anti-científicas esterilizam qualquer discussão séria. Declara Amauri Pena ter consciência de ser ele mesmo o autor dos versos, diz que sempre teve facilidade em imitar estilos, confessa que para isso se utiliza de seus conhecimentos literários - e os espíritas insistem em proclamá-lo médium autêntico, instrumento de Rabindranath Tagore! Nem mesmo AK, cem anos atrás, teria procedido assim. O argumento em que Kardec mais insistia era a passividade e a inconsciência do médium, a completa independência da mensagem que, mesmo contra a vontade do médium e contra suas idéias conscientes, ficava surpreendido ao ver a "comunicação". Já vimos isso.
Poderia recordar muitas passagens nas quais o codificador constantemente argumenta com o fato da "independência absoluta da inteligência que se manifesta". Foi por isso - e só por isso - que Kardec chegou à conclusão de que esta "inteligência independente" devia ser distinta da alma do médium e, portanto, um espírito desencarnado. Semelhante raciocínio teria ficado totalmente sem base e sem valor, se o médium tivesse respondido tranqüilamente (como Amauri Pena): "Mas tudo quanto tenho escrito foi criado por minha própria imaginação e disso tenho plena consciência". Falando, por exemplo, do "sonambulismo desperto", um estado em que "as faculdades intelectuais adquirem um desenvolvimento anormal", confessa Kardec (na introdução ao Livro dos espíritos, p. 41): "Concordamos em que, efetivamente, muitas manifestações espíritas são explicáveis por esse meio. Contudo, numa observação cuidadosa e
prolongada mostra grande cópia de fatos em que a intervenção do médium, a não ser como instrumento Passivo, é materialmente impossível". Ora, precisamente este estado puramente passivo não é reconhecido pelo sobrinho de Chico Xavier. "Revoltava-me (diz ele) contra essas afirmativas (dos espíritas) porque nada ouvia e sentia de estranho quando escrevia". 
Mas nossos espíritas insistem: "Pouco importa que ele se retrate, que se diga autor das comunicações recebidas, mesmo que ele não aceite, ainda que queira negar: ele é um grande médium"!
Aqui acabou-se a ciência. Venha, pois, Rabindranath Tagore...

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Espiritismo – orientação para católicos
Frei Boaventura Kloppenburg