O Manuscrito do Purgatório- 1879

1879


(Retiro de setembro) — Nós vemos São Miguel como se vêem os Anjos, eles não têm corpo. São Miguel vem ao purgatório buscar todas as almas que já estão purificadas porque é ele quem as conduz ao Céu. Sim, é verdade, ele está entre os Serafins, como me disse Monsenhor. É o primeiro Anjo do céu. Nossos Anjos da Guarda vêm também nos ver, mas São Miguel é muito mais belo do que todos eles! Quanto à Santíssima Virgem, nós a vemos com o seu corpo. Ela vem ao purgatório nas suas festas e volta para o céu com muitas almas. Enquanto Ela está conosco, não sofremos. São Miguel a acompanha, mas enquanto São Miguel está só, nós sofremos como sempre.
Quando eu vos falei do grande, e do segundo purgatório, era, para vos fazer compreender. Eu queria dizer que há diferença de graus no purgatório. Assim, eu chamo o grande purgatório, o lugar onde estão as almas mais culpadas, onde eu fiquei dois anos, sem poder dar nenhum sinal dos meus tormentos, pois no ano em que eu comecei a me queixar que eu ainda estava no grande purgatório quando comecei a vos falar.
No segundo purgatório, que é sempre o purgatório, mas que, no entanto, é diferente do primeiro, sofre-se também, porém menos do que no primeiro purgatório.
Finalmente, há um terceiro lugar que é o purgatório do desejo. Lá não há fogo. Lá estão as almas que não desejaram bastante o céu e que não amaram bastante a Deus neste mundo. Eu estou agora lá neste momento.
Nestes três purgatórios, há ainda graus. À medida que uma alma se purifica, sofre menos, e já não sofre os mesmos tormentos. Tudo está em proporção às faltas que deve expiar.
O Retiro foi bom. Há de produzir muitos frutos. O diabo é que não está contente.
O bom Deus ama muito o Padre que vos pregou o retiro.
Dizei ao bom Padre que eu agradeço o “Memento” que prometeu rezar por mim na Santa Missa. Da minha, parte não serei ingrata. Pedirei a Deus que lhe conceda as graças de que ele necessita.
Fizestes muito bem em lhe dizer esta tarde tudo que vos disse. Foi São Miguel quem vo-lo enviou. A Comunidade aproveitou, mas ele veio aqui principalmente para vós. São Miguel, a quem amais e que vos protege, quis que fosse um dos seus missionários que soubesse tudo o que vos disse. Deus tem desígnio nisto. Conhecereis mais tarde. Mais tarde também podereis lhe dar algumas novas mais precisas sobre São Miguel.
Vós me perguntais se o Padre P. é agradável a Deus? Eis o que deveis lhe dizer: que ele continue a proceder como o fez até aqui. O que Deus mais gosta nele é a sua pureza de intenção, o seu espírito interior e a grande bondade para com as almas. Dizei-lhe que ele continue a se unir mais ao Coração de Jesus. Quanto mais íntima for esta união, mais a sua vida toda será proveitosa e suas ações serão proveitosas para as almas e meritórias para o céu.
Eu não espero dele uma perfeição comum. Que ele recomende nas missões e retiros, o oferecimento das ações do dia, porque no mundo, e mesmo nas comunidades não se pensa bem nisto, e muitas ações boas não terão recompensa no último dia porque não foram oferecidas a Deus antes de serem executadas. Que ele não perca nunca a coragem, embora veja que seus esforços não produzem o que deseja. Pense ele que Deus fica satisfeito com seus trabalhos, ainda que tenha conseguido dar a um coração um quarto de hora de amor de Deus que seja.
Pedi muito por mim, a fim de que logo alcance o objeto de meus longos e tão grandes desejos. Eu vos hei de ser muito mais útil no céu do que aqui. Tivestes um bom pensamento de me convidar no encerramento do retiro para adorar Jesus presente em vosso coração durante a ação de graças depois da Comunhão. Se já o tivésseis feito até agora, eu teria tido muito mais alivio. Fazei também assim antes de todas as vossas orações. Depois oferecereis um pouco do vosso trabalho por mim, eu tenho um desejo tão grande de ver a Deus!
Eu espero, há muito tempo, um pouco mais de amor em tudo o que fazeis. Quanto mais uma alma ama a Jesus, tanto mais as suas orações e ações são meritórias diante dele. No céu só o amor é que há de ser recompensado. Tudo o que for feito com outra intenção será nulo e por conseguinte, perdido. Amai então a Jesus como Ele quer ser amado, com isto eu sinto um grande alívio.
– Deus está um pouco mais contente comigo nestes dias?
Resposta: — Sim, Ele está muito contente convosco porque lhe procurastes agradar mais. Já notastes como Ele é bom? Não vos deu tanto prazer também nestes dias? Pois bem, eis como Ele há de proceder sempre para convosco. Quanto mais fizerdes por Ele, mais Ele fará por vós. Sou tão feliz ao ver que realmente quereis trabalhar para a vossa perfeição, e se fosse preciso ficar mais tempo no purgatório eu o faria de boa vontade, se soubesse que por este sofrimento alcançaria que chegásseis ao estado em que Deus vos quer ver para cumprir os desígnios que tem sobre vós.
Não olheis nunca para trás para examinar muito vosso procedimento. Entregai tudo nas mãos de Deus e caminhai sempre avante.
Vossa vida deve se resumir em duas palavras: sacrifício e amor. Sacrifício de manhã à noite, e ao mesmo tempo: amor.
Se soubésseis o que é o bom Deus! Não haveria sacrifício que não quisésseis fazer, sofrimento que não quisésseis padecer para o ver um minuto somente, e então, ficaríeis bem satisfeita, bem consolada, ainda que nunca mais tivésseis de vê-lo. Que não será então vê-lo por toda eternidade?
(13 de agosto) — Qual é o melhor meio de glorificar a São Miguel?
Resposta: — O meio mais eficaz de o glorificar no céu e na terra é recomendar quanto possível a devoção às almas do purgatório e fazer conhecer a grande missão que ele tem junto das almas sofredoras. Ele é o encarregado de levá-las do lugar da expiação e introduzi-las depois da satisfação, no céu, morada eterna. Cada vez que uma alma vem aumentar o número dos eleitos, Deus é glorificado por ela e esta glória de certo modo reflete sobre o glorioso ministro do céu. É uma honra para ele apresentar ao Senhor as almas que irão cantar as infinitas misericórdias e unir seu reconhecimento aos dos eleitos por toda eternidade. Eu não posso vos fazer compreender todo o amor que o celeste Arcanjo tem por seu divino Mestre e o amor que por sua vez Deus tem por São Miguel e bem como a grande piedade que São Miguel tem de nós. Ele nos dá coragem no sofrimento quando nos fala do céu. Dizei ao Padre que se ele quiser dar um grande prazer a São Miguel, recomende muito a devoção às almas do purgatório. Não se pensa muito nisto neste mundo! Quando se perdem os parentes e amigos, fazem algumas orações, choram durante alguns dias, depois… tudo se acaba! As almas ficam abandonadas! É verdade que isso elas merecem muito porque não rezaram pelos mortos quando na terra, e o divino Juiz só nos dá no outro mundo o que fazemos neste. As pessoas que deixaram esquecidas as almas do purgatório, serão esquecidas também, mas se lhes tivessem dado a inspiração de rezar pelos defuntos, e lhes feito conhecer o que é o purgatório, talvez elas tivessem procedido de outra maneira, de modo muito diferente…
Quando Deus o permite, podemos nos comunicar diretamente com o Arcanjo, à maneira dos espíritos e como as almas se comunicam entre si.
— Como se festeja São Miguel no purgatório?
Resposta: — No dia de sua festa, São Miguel vem ao purgatório e volta para o céu com muitas almas, principalmente as almas que lhe tiveram devoção na, terra.
— Que glória recebe São Miguel da sua festa na terra?
Resposta: — Quando se faz a festa de um santo na terra, ele recebe no céu uma glória acidental. Ainda mesmo que não o festejem na terra, em memória de alguma ação especial heroica que praticou neste mundo, ou da glória que deu a Deus em alguma ocasião, nesta época, recebe no céu uma recompensa especial que consiste numa maior glória acidental, junta com a que lhe dão na terra.
A glória acidental que recebe o Arcanjo São Miguel é superior a de todos os outros santos, porque esta glória de que vos falo, é proporcionada à grandeza do mérito daquele que a recebe, como também ao valor da ação que mereceu esta recompensa.
— Conheceis as coisas da terra?
Resposta: — Eu não as conheço senão enquanto Deus o quer, e meu conhecimento é muito restrito. Conheço alguma coisa da comunidade e é só. Não sei o que se passa na alma das outras pessoas, à exceção da vossa, e isto porque Deus o permitiu, para vossa perfeição. O que vos digo algumas vezes de pessoas particulares, e ainda vos direi, Deus mo fez conhecer no momento, mas fora disto não sei mais de coisa alguma. Certas almas têm conhecimentos mais e mais extensos do que eu. Tudo isto é proporcionado ao mérito.
Quanto aos graus do purgatório, eu vos posso falar deles, pois eu passei por lá. No grande purgatório há diferentes graus. No mais profundo e baixo, no que mais se sofre, e que é um “inferno momentâneo”, lá estão os pecadores que cometeram enormes crimes durante a vida, e que a morte os surpreendeu neste estado sem que tivessem tempo de se penitenciarem. Salvaram-se por milagre, muitas vezes pelas orações dos parentes e de pessoas piedosas. Algumas vezes nem puderam se confessar, e o mundo os julgou condenados, mas o bom Deus, cuja misericórdia é infinita, lhes deu no momento da morte a contrição necessária para se salvarem, tendo em vista algumas ações boas que praticaram na vida. Para estas almas o purgatório é terrível! É um inferno, exceto isto, que no inferno se amaldiçoa a Deus, enquanto que no purgatório o bendizem e agradecem por terem sido salvos.
Logo em seguida, vêm as almas que, sem terem cometido grandes crimes, foram indiferentes para com Deus. Não cumpriam o dever pascal, e convertidas na hora da morte, nem puderam às vezes comungar, e no purgatório se encontram em penitência de sua longa indiferença. Sofrem penas inauditas, abandondas, sem orações. Se se fazem orações por elas, não as podem aproveitar.
Depois enfim há ainda o purgatório das religiosas e dos religiosos tíbios, que se esqueceram dos seus deveres, indiferentes para com Jesus; padres, que não exerceram seu ministério com a reverência devida à Majestade Divina e não fizeram as almas que lhe foram confiadas amar bem a Deus. Eu estou neste grau.
No segundo purgatório se encontram as almas que morrem culpadas de pecados veniais não expiados antes da morte, ou então, em pecados mortais perdoados, mas dos quais não satisfizeram inteiramente à justiça Divina.
Há também no purgatório diferentes graus, segundo os méritos das pessoas.
Assim, o purgatório das pessoas consagradas e que receberam maiores graças, é mais longo e mais penoso do que o das pessoas do mundo.
Finalmente, o purgatório do desejo, que se chama o Átrio ou Vestíbulo do céu. Poucas pessoas o evitam. Para o evitar é mister ter desejado ardentemente o céu, e tendo em vista Deus, a presença e a visão de Deus. E é raro isto, porque muitas pessoas, mesmo muito piedosas, têm medo de Deus e não desejam bastante o céu com ardor.
Este purgatório tem seu martírio bem doloroso como os outros. Estar privado da visita do bom Jesus, que sofrimento!
— Conhecei-vos uma às outras no purgatório?
Resposta: — As almas se comunicam entre si quando Deus o permite, porém à maneira das almas, sem palavras…
Sim, é verdade que eu vos falo, mas sois um espírito? Havíeis de me compreender se eu não pronunciasse as palavras? Para mim, pois, que Deus o permitiu, eu vos compreendo sem que pronuncieis palavras com os lábios. Há entretanto comunicações de almas assim quando vos vem um bom pensamento pelo vosso Anjo de Guarda, ou por Deus mesmo. Eis a linguagem das almas.
— Onde está o purgatório?
Resposta: — No centro da terra, próximo do inferno (como o vistes depois da Comunhão). As almas estão aí num lugar restrito, comparado à multidão que aí se encontra, pois são milhares e milhares de almas. Entretanto, que lugar ocupa uma alma?
Cada dia aí chegam milhares e milhares, e, a maior parte dos trinta aos quarenta anos. Eu vos digo segundo os cálculos da terra, porque aqui é outra coisa muito diferente.
Ah! se soubessem e pensassem o que é o purgatório, e se soubessem que amargura pensar que a gente aqui está por própria culpa! Estou aqui há oito anos, e parece-me que há dez mil anos!… Ó, meu Deus! Dizei isto ao vosso padre espiritual. Que ele aprenda de mim o que é este lugar de sofrimento, a fim de que ele o faça conhecer para o futuro. Ele há de experimentar por ele mesmo quanto é proveitosa a devoção às almas do purgatório!
Deus concede muitas vezes mais graças por intermédio das almas do purgatório do que pela intercessão dos próprios santos. Quando o Padre X quiser obter uma coisa com mais segurança, dirija-se de preferência às almas que mais amaram a Santíssima Virgem neste mundo, e que, por conseguinte, esta boa Mãe deseja libertar mais depressa, e depois ele vos dirá se não foi muito bem tudo!…
Há também algumas almas que não ficam no purgatório propriamente dito. Assim, por exemplo, eu vos acompanho por toda parte, e quando repousais, eu sofro mais, pois fico no purgatório.
Outras almas fazem às vezes o seu purgatório nos lugares onde pecaram, ao pé dos santos altares, onde se encontra o Santíssimo Sacramento, mas não importa o lugar onde se encontram, porque levam com elas o sofrimento, embora sejam estes menos intensos do que no purgatório mesmo.
O Padre… tem razão quando vos diz que não deveis procurar senão a vontade de Deus em tudo o que fazeis. Será para vós felicidade ver a vontade de Deus em tudo o que acontece. Sofrimentos ou alegrias, tudo vem igualmente de Jesus. Sede muito boa, duas vezes boa, para dar prazer a Jesus que é tão bom para convosco! Tende sempre os olhos da alma abertos para Ele, a fim de prevenir o menor dos seus desejos. Ide mesmo adiante, a fim de lhe dar prazer.
A inglesa que se afogou junto do Monte São Miguel, foi diretamente para o céu. Teve ela a contrição necessária no momento da morte, e ao mesmo tempo o Batismo de desejo. Tudo aconteceu por intercessão de São Miguel. Feliz naufrágio!
Pio IX foi direito para o céu. Seu purgatório estava já feito na terra.
— Como sabeis que M. P. foi direito para o céu, pois não a vistes passar pelo purgatório?
Resposta: — Deus me revelou e Ele também por pura bondade permite que eu saiba o que vós me pedis, quando eu não o vi ou não percebi por mim mesma.
A justiça de Deus nos retém no purgatório é verdade, e nós o merecemos, mas crede que a sua misericórdia e seu coração paterno não nos deixam lá sem nenhuma consolação. Desejamos muito nossa união com Deus, mas Ele não a deseja menos do que nós.
Na terra Ele se comunica de uma maneira íntima a certas almas e se compraz em lhes desvendar seus segredos. As almas que lhe são agradáveis, são as que no seu modo de proceder não vivem e não respiram senão por Jesus, e só procuram agradá-lo.
No purgatório há almas bem culpadas, mas arrependidas, e não obstante as faltas que têm ainda a expiar, estão confirmadas em graça e não podem mais pecar. São perfeitas. Pois bem, à medida, e na proporção que uma alma se purifica no lugar da expiação, compreende melhor a Deus, ou Deus e ela se compreendem melhor, sem entretanto se verem, porque então não haveria mais purgatório!
Se nós não conhecêssemos a Deus mais do que aí na terra, nossas penas, nosso martírio, não seriam tão poderosos, nosso martírio tão cruel! O que faz nosso principal tormento é a ausência daquele único objeto de nossos longos anos de desejos.
— E quando uma alma é destinada a ter uma mais bela coroa no céu, não tem também no purgatório mais graças do que as outras?
Resposta: — Sim, quanto mais uma alma está destinada a ocupar um lugar mais elevado no céu, também os seus conhecimentos são mais extensos e sua união mais íntima com Ele no lugar da expiação. Tudo aqui é proporcionado ao mérito.
— Os três amigos de V. P. estão no céu há muito tempo? Que é feito das orações que se fizeram por eles?
Resposta: — As pessoas que estão no céu, e pelas quais rezam na terra, podem dispor destas orações pelas almas que desejem aplicá-las. É uma lembrança bem doce para as almas do outro mundo, ver que os parentes e os amigos não as esqueceram na terra, embora não tenham mais necessidade de orações. E em retribuição não são elas ingratas!…
Os juízos de Deus são bem diferentes dos da terra. Ele olha para o temperamento, o caráter, o que se fez por leviandade ou por pura malícia. Conhece o fundo dos corações, não lhe é difícil ver o que neles se passa. Jesus é muito bom, sim, mas é muito justo também!…

Continua...





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