A CREDIBILIDADE DOS ESPIRITOS QUE SE COMUNICAM

Observo desde logo que no momento não me interessa a doutrina espírita propriamente dita acerca da origem, natureza, qualidade, vida e finalidade dos espíritos. Aqui quero verificar apenas o que nos ensina AK sobre os espíritos enquanto se comunicam conosco por meio dos médiuns. Da doutrina geral sobre o mundo dos espíritos basta-nos por ora este resumo feito pelo próprio AK (III, 55):
1) Os fenômenos espíritas são produzidos por inteligências extra-corpóreas, às quais também se dá o nome de espírito. 
2) Os espíritos constituem o mundo invisível; estão em toda parte; povoam infinitamente os espaços; temos muitos de contínuo, em tomo de nós, com os quais nos achamos em contato. 
3) Os espíritos reagem incessantemente sobre o mundo físico e sobre o mundo moral e são uma das potências da natureza. 
4) Os espíritos não são seres à parte, dentro da criação, mas as almas dos que viveram na terra, ou em outros mundos, e que despiram o invólucro corpóreo; donde se segue que as almas dos homens são espíritos encarnados e que nós, morrendo, nos tomamos espíritos. 
5) Há espíritos de todos os graus de bondade e de malícia, de saber e de ignorância. 
6) Todos estão submetidos à lei do progresso e podem todos chegar à perfeição; mas, como têm livre-arbítrio, lá chegam em tempo mais ou menos longo,
conforme seus esforços e vontade. 
7) São felizes ou infelizes, de acordo com o bem ou o mal que praticaram durante a vida, e com o grau de adiantamento que alcançaram. A felicidade perfeita e sem mescla é partilha unicamente dos espíritos que atingiram o grau supremo da perfeição. 
8) Todos os espíritos, em dadas circunstâncias, podem manifestar-se aos homens;
indefinido é o número dos que podem comunicar-se. 
9) Os espíritos se comunicam por médiuns, que lhes servem de instrumentos e intérpretes" .

Acentuemos alguns pontos:
1) Os espíritos "povoam infinitamente os espaços". É um princípio assente entre os espíritas que há "centenas de milhões de mundos habitados" (VI, 125): "Os espíritos estão em toda a parte, ao nosso lado, acotovelando-nos (!) e observando-nos sem cessar" (II, 110); "o mundo espiritual ostenta-se por toda a parte em redor de nós como no espaço, sem limite algum designado. Em razão mesmo da natureza fluídica do seu envoltório, os seres que o compõem, em lugar de se locomoverem penosamente sobre o solo, transpõem as distâncias com a rapidez do pensamento" (V, 27); "os espíritos são, como se vê, seres semelhantes a nós, constituindo, ao nosso derredor, toda uma população, invisível no estado normal" (III, 63); "se, em dado momento, pudesse ser levantado o véu que no-los esconde, eles formariam uma população, cercando-nos por toda a parte" (II, 109); "cada um (espírito) é um centro que irradia para
diversos lados. Isso é que faz parecer estar um espírito em muitos lugares ao mesmo tempo. Vês o sol? É um somente. No entanto, irradia em todos os sentidos e leva muito longe os seus raios" (I, 81).
2) "O espírito tem uma perspicácia divina, que abrange tudo, podendo adivinhar até o pensamento alheio" (V, 178). 
3) Mas nem todos os espíritos são igualmente bons e sábios: "Como há homens de todos os graus de saber e ignorância, de bondade e maldade, dá-se o mesmo com os espíritos. Alguns destes são apenas frívolos e travessos; outros são mentirosos, fraudulentos, hipócritas, maus e vingativos; outros, pelo contrário, possuem as mais sublimes virtudes e o saber em grau desconhecido na terra" (II, 111). AK insiste freqüentemente nesta grande diversidade entre os espíritos: "Um dos primeiros resultados que colhi das minhas observações foi que os espíritos, nada mais sendo do que as almas dos homens, não possuíam nem a plena sabedoria, nem a ciência integral; que o saber de que dispunham se circunscrevia ao grau, que haviam alcançado, de adiantamento, e que a opinião deles só tinha o valor de uma opinião pessoal" (VII, 241).
"Sabe-se que os espíritos, em virtude da diferença entre as suas capacidades, longe se acham de estar, individualmente considerados, na posse de toda verdade; que nem a todos é dado penetrar certos mistérios; que o saber de cada um deles é proporcional à sua depuração; que os espíritos vulgares mais não sabem do que muitos homens; que entre eles, como entre estes, há presunçosos e sofômanos, que julgam saber o que ignoram; que tomam por verdades sistemáticas as suas Idéias; enfim que só os espíritos de categoria mais elevada, os que já estão completamente desmaterializados, se encontram despidos das idéias e preconceitos terrenos" (IV, 19). E mais uma vez: "Cumpre que não esqueçamos que, entre os espíritos, há, como entre
os homens, falsos sábios e semi-sábios, orgulhosos, presunçosos e sistemáticos" (III, 334).
4) Existem mesmo espíritos muito maus, que "se comprazem no mal e ficam satisfeitos quando se lhes depara ocasião de praticá-lo" (I, 83). Eles "são inclinados ao mal, de que fazem o objeto de suas preocupações. Como espíritos, dão conselhos pérfidos, sopram a discórdia e a desconfiança e se mascaram de todas as maneiras para melhor enganar" (I, 87). Temos ainda os espíritos estouvados, "que se comprazem antes na malícia do que na malvadez e cujo prazer consiste em mistificar e causar pequenas contrariedades" (I, 83); os espíritos levianos, que "são ignorantes, maliciosos, irrefletidos e zombeteiros. Metem-se em tudo, a tudo respondem, sem se incomodarem com a verdade. Gostam de causar pequenos desgostos e ligeiras alegrias, de intrigar, de induzir em erro, por meio de mistificações e de espertezas" (I, 88). Deles diferem os espíritos pseudo-sábios, que "dispõem de conhecimentos bastante amplos, porém crêem saber mais do que realmente sabem. Tendo realizado alguns progressos sob diversos pontos de vista, a linguagem deles aparenta um cunho de seriedade, de natureza a iludir com respeito às suas
capacidades e luzes" (I, 88).
5) É de suma importância observar que não só os espíritos superiores, sábios, benévolos, bons e puros se comunicam com os homens e trouxeram as mensagens que serviriam de base para a formulação da doutrina espírita: também os maus, os estouvados, os levianos, os pseudosábios, os ignorantes, maliciosos, irrefletidos e zombeteiros etc. - todos eles contribuíram com suas mensagens: "Todos os espíritos, em dadas circunstâncias, podem manifestar-se aos homens; indefinido é o número dos que podem comunicar-se" (III, 55). 
6) Existem até mesmo espíritos sérios e bons e que falam com toda a seriedade e boa fé - e não obstante nos enganam: "Nem todos os espíritos sérios são igualmente esclarecidos; há muita coisa que eles ignoram e sobre que podem enganar-se de boa fé" (III, 149 e 248); "pode um espírito ser bom, afável, e ter conhecimentos limitados, ao passo que outro, inteligente e instruído, pode ser muito inferior em moralidade" (III, 275).
7) "Há falsários no mundo dos espíritos, como os há neste" (III, 273): "Os espíritos perversos são capazes de todos os ardis" (III, 274); "reúnem à inteligência a astúcia e o orgulho" (III, 281); "identificam-se com os hábitos daqueles a quem falam e adotam os nomes mais apropriados a causar forte impressão nos homens por efeito de suas crenças" (III, 285); "há falsários que imitam todas as caligrafias" (III, 285); imitam) também a linguagem dos outros (III, 284); e há espíritos tão hábeis que nem mesmo se traem "por sinais materiais involuntários" (III, 287). Em suma, observa AK, resumindo as suas experiências, "a astúcia dos espíritos mistificadores ultrapassa às vezes tudo o que se possa imaginar. A arte, com que dispõem as
suas baterias e combinam os meios de persuadir, seria uma coisa curiosa, se eles nunca passassem dos simples gracejos..." (III, 342).
8) Importante é ainda a seguinte observação: "Entre os espíritos, poucos há que tenham nome conhecido na terra. Por isso é que, as mais das vezes, eles nenhum nome declinam. V 6s, porém, quase sempre quereis um nome; então, para vos satisfazer, o espírito toma o de um homem que conhecestes e a quem respeitais" (III, 281); ou então "adotam os nomes mais apropriados a causar forte impressão" (III, 282). "Certos espíritos, presunçosos ou pseudosábios, procuram conseguir a prevalência das mais falsas idéias e dos mais absurdos sistemas. E, para melhor acreditados se fazerem e maior importância ostentarem, não escrupulizam de se adornarem com os mais respeitáveis nomes e até com os mais venerandos" (III, 150); e outra
vez: "a sabido que os espíritos enganadores não escrupulizam em tomar nomes que lhes não pertencem, para impingirem suas utopias" (IV, 19). E não se pense que o caso é raro: "Este caso é tão freqüente, que devemos estar sempre prevenidos contra essas espécies de substituições". 
Por isso AK dá o princípio de que "quanto mais venerável for o nome com que um espírito se apresente, tanto maior desconfiança deve inspirar. Quantos médiuns têm tido comunicações apócrifas assinadas por Jesus, Maria, ou um santo venerado" (III, 274).
9) Há até mesmo espíritos "que juram tudo o que se lhes exigir" (III, 272).
10) Os espíritos não se apresentam com carteira de identidade, e mesmo quando indicam algum nome, como vimos, não se lhes pode acreditar, ainda que jurem em nome de Deus a inútil também exigir identificação, pois "semelhante pedido o magoa, pelo que deve ser evitado", aconselha AK; e explica: "Com o deixar o seu corpo, o espírito não se despojou da sua suscetibilidade; agasta-o toda questão que tenha por fim pô-lo à prova" (III, 271). Não é, pois, permitido, pedir ao espírito prova de identidade! E se pedirmos o seu nome, ele indicará um nome qualquer que nos formais conhecido ou querido, até o de um grande santo, se assim nos agradar. E se continuarmos a insistir, pedindo identificação, o espírito, se não for dos que brincam e zombam, lança o seu protesto, "não respondendo ou retirando-se" (III, 272). Diz ainda AK: "Pode, sem dúvida, o espírito dar provas desta (identidade), atendendo ao pedido que se lhe faça; mas assim só procede quando lhe convenha" (III, 271). E ainda então, que garantias apresenta?
11) E não só os espíritos inferiores costumam dar nomes e identidade falsa: "O mesmo ocorre todas as vezes que um espírito superior se comunica espontaneamente, sob o nome de uma personagem conhecida. Nada prova que seja exatamente o espírito dessa personagem;
porém, se ele nada diz que desminta o caráter dessa última, há presunção de ser o próprio e, em todos os casos, se pode dizer que, se não é ele, é um espírito do mesmo grau de elevação, ou, talvez, até um enviado seu" (III, 270). E assim pergunta o próprio AK: "Quem pode, pois, afirmar que os que dizem ter sido, por exemplo, Sócrates, Júlio César, Carlos Magno, Fénelon, Washington etc., tenham realmente animado essas personagens?" E continua: "Esta dúvida existe mesmo entre alguns adeptos fervorosos da doutrina espírita, os quais admitem a intervenção e manifestação dos espíritos, mas inquirem como se lhes pode comprovar a
identidade. Semelhante prova é, de fato, bem difícil de produzir-se. Conquanto, porém, não o possa ser de modo autêntico como por uma certidão de registro civil, pode-o ao menos por presunção, segundo certos indícios" (I, 34). Temos, portanto, que o máximo concedido no supremo arraial espírita é: "por presunção e segundo certos indícios"... Mas consola-se o mestre espírita: "A questão de nome é secundária" (III, 270), "a questão da identidade é quase indiferente, quando se trata de instruções gerais. Não é a pessoa deles o que nos interessa, mas o ensino que nos proporcionam. Ora, desde que o ensino é bom, pouco importa que aquele que o deu se chame Pedra, ou Paulo" (III, 272)...
12) Observemos ainda que os espíritos maus e levianos se comunicam também com as pessoas sérias. Pois, diz AK, "também os homens sérios, que não mesclam de vã curiosidade seus estudos", podem ser enganados e mistificados pelos espíritos inferiores e zombeteiros (III, 284). Até mesmo "há pessoas que nada perguntam e que são indignamente enganadas por espíritos que vêm espontaneamente, sem serem chamados" (III, 341). 
13) "Para que um espírito possa comunicar-se, preciso é que haja entre ele e o médium relações fluídicas, que nem sempre se estabelecem instantaneamente. Só à medida que a faculdade se desenvolve, é que o médium adquire pouco a pouco a aptidão necessária para pôrse em comunicação com o espírito que se apresente. Pode dar-se, pois, que aquele, com quem o médium deseje comunicar-se, não esteja em condições propícias a fazê-lo, embora se ache presente, como também pode acontecer que não tenha possibilidade nem permissão para acudir ao chamado que lhe é dirigido" (III, 204). Por isso AK recomenda que "ninguém se obstine em chamar determinado espírito" e que, antes de fazer a evocação, se reze pedindo o espírito. E, "formulada a súplica, é esperar que um espírito se manifeste, fazendo escrever alguma coisa.
Pode acontecer que venha aquele que o impetrante deseja, como pode ocorrer também que venha um espírito desconhecido... qualquer que ele seja, em todo o caso, dar-se-á a conhecer, escrevendo o seu nome" (III, 205). Mas que nome? E como podemos confiar naquele nome? Já o sabemos. . . Assim, suponhamos um caso corriqueiro e de todos os dias, comum no ambiente espírita. Imaginemos que certa pessoa convidada pelos espíritas, e levada pela saudade, vá a um centro para ter notícias de sua falecida mãe. Façamos de conta que o médium seja pessoa honesta e digna de toda confiança. Demos como admitido que o evocador consiga comunicação com um espírito (um dos muitos que nos "acotovelam sem cessar"), que afirma ser a procurada mãe. Será de fato? Nem mesmo se é igual no modo de falar, na assinatura, no estilo, no jeito etc. 
Nem mesmo se jura em nome de Deus. Pois se, como nos informa AK, estão por aí inúmeros espíritos que "se comprazem no mal e ficam satisfeitos quando se lhes depara ocasião de praticá-lo", espíritos "capazes de todos os ardis", "imitam todas as caligrafias" e "identificam-se com os hábitos daqueles a quem falam, e adotam os nomes mais apropriados a causar forte impressão".
Além de praticar um ato severamente proibido por Deus, será totalmente inútil e tempo perdido evocar a alma da falecida mamãe. Muito mais inútil será então a evocação como meio para codificar uma nova doutrina com o fim de constituir "a religião da humanidade". 
Concluindo esta parte relativa à credibilidade dos espíritos, chegamos ao seguinte resultado: supondo mesmo que AK ou qualquer outro codificador da doutrina espírita se tenha servido apenas de médiuns que merecem a nossa inteira confiança, transmitindo exclusiva e certamente mensagens recebidas do além e não hauridas do próprio inconsciente ou subconsciente (suposição que ainda não foi demonstrada!), teríamos AK diante deste quadro desolador: uma enorme quantidade de comunicações, as mais disparatadas e contraditórias, boas e más, mentirosas e fraudulentas, educadas e ridículas; aconteceu ter recebido informações em tom muito sério e seguro, assinadas pelos nomes mais venerandos e ilustres e que, no entanto, podiam vir muito bem de espíritos mentirosos e embusteiros; ocorreu que espíritos comprovadamente bons e da melhor boa vontade e boa fé podiam dar instruções errôneas e enganar involuntariamente; podia haver mensagens cavilosamente ditadas por aqueles espíritos "que se comprazem no mal e rejubilam quando se lhes depara ocasião de praticá-lo" e "se mascaram de todas as maneiras possíveis para melhor enganar" e que "são capazes de todos os ardis", dispondo de tanta habilidade que nem sequer se traem "por sinais materiais involuntários", dispostos mesmo a "jurar tudo o que se lhes exigir", permitindo ao mesmo tempo Deus que "também os homens sérios" sejam assim "indignamente enganados por espíritos que vêm espontaneamente, sem serem chamados"... Eis o material que serviu de base para formular a terceira revelação! Agora era necessário separar o bom do mau, discernir o verdadeiro do falso, o sério do ridículo, os alhos dos bugalhos; era preciso catar o que é certo, deixando o que é falso, peneirar as palavras dos espíritos melhores, jogando fora o cisco dos espíritos zombeteiros. Na verdade, difícil empreitada e espinhosa missão! Mas AK teve coragem de meter mãos à obra. Acompanhemo-lo neste trabalho de selecionar, ordenar, coordenar e, como dizem os espíritas, "codificar" a doutrina espírita.

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