Numerosos médiuns serviram e continuam a servir de intermediários entre a humanidade e os espíritos reveladores. Muitos e de variada capacidade intelectual e moral foram também os espíritos do além que nos teriam falado. Estas múltiplas e diferenciadas comunicações recebidas pelos médiuns foram estudadas, selecionadas, coligidas e codificadas em um só corpo doutrinário pelo Sr. Hipólito Leão Denizard Rivail, que as publicou em vários livros, sob o pseudônimo de Allan Kardec e que, por isso, é denominado "o codificador da doutrina espírita".
Em A gênese, de 1868, sua última obra, esclarece AK a natureza da revelação espírita e resume sua explicação com estas palavras: "O que caracteriza a revelação espírita é o ser divina sua origem e da iniciativa dos espíritos, sendo a sua elaboração fruto do trabalho do homem" (n. 13).
1. OS QUATRO FATORES FORMATIVOS DA DOUTRINA ESPIRITA
É, pois, a doutrina espírita o resultado de um complexo de quatro fatores, que devem ser estudados com muito cuidado:
1) o fato da evocação dos espíritos;
2) o instrumento da revelação espírita, ou o médium;
3) os próprios espíritos que se comunicam;
4) a codificação das mensagens.
Por conseguinte, para que a doutrina espírita ou qualquer outra mensagem "do além" apresente garantias de credibilidade ou aceitabilidade, é de todo indispensável saber:
1) Se a evocação dos espíritos é um fato indiscutivelmente demonstrado. Qualquer dúvida a este respeito seria um abalo total nos próprios fundamentos da doutrina espírita. A negação deste fato seria a contestação radical do espiritismo. Sem evocação dos espíritos não há espiritismo. Ele se baseia de todo sobre a prática da evocação dos mortos. Essa verificação é importante, se considerarmos que a evocação dos mortos ou espíritos foi com muito rigor vedada por Deus, que a condenou como "maldade e abominação". A desobediência declarada contra Deus, a revolta aberta contra o Criador: eis a principal pedra sobre a qual repousa todo o movimento espírita. Para garantir e justificar sua doutrina, os espíritas não deveriam apenas
demonstrar que de fato recebem comunicações do além, mas que Deus ou nunca interditou a evocação, ou revogou definitivamente a proibição, determinando agora que aquilo que antigamente fora condenado como maldade e abominação e punido com os castigos mais severos fosse hoje transformado em princípio e fundamento de uma nova religião sua.
Entretanto, é frágil e hipotética esta primeira pedra fundamental da doutrina espírita. A real comunicação provocada com os espíritos, no sentido em que é entendida pelos espíritas, está longe de ser comprovada e aceita pela ciência e pela razão. Esta questão será estudada no capítulo VI.
2) Se o médium ou os médiuns que serviram de instrumento para a revelação espírita eram pessoas de absoluta confiança e credibilidade, transmitindo apenas e exclusivamente as mensagens recebidas dos espíritos, sem recorrer, nem consciente nem inconsciente mente, ao depósito dos conhecimentos próprios. Qualquer dúvida a respeito da honestidade ou da perfeita capacidade mediúnica destes instrumentos significaria novo abalo para a perfeita credibilidade da doutrina espírita. Também isso é em si evidente, mesmo que aceitemos como certo o primeiro ponto, isto é: o fato da comunicação com os espíritos do além.
3) Se para a doutrina espírita foram aproveitadas apenas mensagens dos espíritos certamente sinceros, bons, sábios e competentes. Deve haver garantia absoluta de que todas as comunicações dos espíritos maus, frívolos, brincalhões e zombeteiros foram postas de lado.
Qualquer dúvida a este respeito desabonaria outra vez o resto da doutrina, ainda que nos fossem
assegurados os dois primeiros pontos, a saber: que de fato houve comunicação com os falecidos
e que o médium era mesmo probo e capaz.
4) Se o codificador era homem intangivelmente honesto, correto e leal, codificando apenas as comunicações recebidas de espíritos superiores, bons e sábios, recebidas exclusivamente por médiuns inatacáveis e competentes. Deve haver certeza controlável de que o codificador não modificou pessoalmente nenhuma comunicação, nem introduziu um pensamento próprio não recebido dos espíritos, sem anotá-lo com escrupuloso cuidado.
Qualquer dúvida fundada acerca da honestidade científica ou da integridade moral do codificador lançaria suspeitas negras também sobre o resto da doutrina, muito embora possuíssemos garantias suficientes para as três primeiras exigências: que houve indubitavelmente mensagens do além, que o médium era pessoa competente e digna, que todas as mensagens de espíritos inferiores foram identificadas e rejeitadas.
São esses os quatro fatores ou postulados que garantiriam a credibilidade da doutrina espírita, como também de qualquer outra mensagem do além. Faltando qualquer um deles, já não haverá credibilidade e seria imprudência abraçar semelhante sistema como nova religião.
Havendo dúvidas a respeito de qualquer um deles, duvidosa será a doutrina toda. Se qualquer um deles for apenas hipotético, hipotética será também a doutrina inteira. Se, porém, todos os quatro pontos fossem indiscutivelmente certos, a doutrina espírita apresentaria suficientes motivos de credibilidade e poderia e deveria ser aceita por todo ser pensante.
Estes postulados fundamentais da doutrina espírita já nos fazem entrever que o interesse máximo da apologia do espiritismo há de girar sempre em tomo destes pontos: provar que a comunicação com o além é uma realidade e não foi proibida por Deus (e por isso procuram negar a inspiração divina da Bíblia); que há médiuns excelentes intangíveis em sua honestidade e que não fraudaram nem de modo consciente nem inconsciente; que é possível identificar os espíritos superiores e distingui-los dos maus ou zombeteiros; e que AK foi pessoa altamente honesta, honrada, inteligente e capaz.
O homem não é cego; é um ser racional. Ele deve por isso orientar a sua vida segundo os ditames da razão e não conforme os impulsos do instinto cego. Uma fé inteiramente cega, sem os motivos de credibilidade, seria irrazoável e indigna do homem. Compreendemos sem dificuldade que Deus pode comunicar-se com os homens, revelando-nos certas verdades, mesmo tais que transcendam inteiramente nossa limitada capacidade racional, impondo-nos mandamentos, prescrevendo ritos e orações etc. Mas ao mesmo tempo exigimos, como postulado absoluto de nossa razão, que esse invisível Deus-revelador nos apresente motivos de credibilidade, nos dê garantias e provas seguras de que não estamos sendo iludidos, mistificados e enganados. Assentimos de bom grado e com coração agradecido a tudo que Deus nos revela e manda, mas só depois de termos conseguido certeza de que foi realmente Deus quem nos falou. Confessamo-nos crentes, mas repelimos sempre energicamente a credulidade I Não é a quaisquer aparições ou comunicações do além que nos sujeitamos, ainda mesmo sob as aparências exclusivas do bem: queremos e temos sempre o direito de reclamar provas de identidade. Cego e irracional seria, e indigno do homem e sobretudo extremamente imprudente, aceitar, sem as garantias de sua origem divina, comunicações e instruções do mundo invisível e incontrolável dos espíritos. Pois existe sempre e a priori a possibilidade de sermos vítimas do mal que se apresenta sob as aparências do bem. Porquanto é só sob tais aparências do bem que o mal pode ter esperança de ser aceito pelo homem normal e são. Ninguém aceitaria o mal como
mal. Por isso nos admoesta são Paulo: "O próprio Satanás se transforma em anjo da luz e seus seguidores se transformam em servos da justiça" (2Cor 11,14s.).
Pois bem, essa mesma deve ser também nossa atitude perante. as mensagens recebidas pelos espíritas por meio dos médiuns, dado que sejam realmente comunicações do além. Assim como o homem racional não aceita cegamente, sem garantias de sua origem e sem motivos de credibilidade, nem mesmo as revelações do próprio Deus, da mesma forma não recebe, nem pode aceitar, sem aquelas mesmas precauções, as mensagens que se dizem ditadas pelos espíritos. A posse destas garantias é condição fundamental para a aceitabilidade das mensagens espíritas. Estudaremos, portanto: a credibilidade do médium, a credibilidade dos espíritos que se comunicam e a credibilidade da codificação.
2. A CREDIBILIDADE DOS MÉDIUNS
Demos a palavra ao mestre espírita AK:
"Os espíritos se comunicam por médiuns, que lhe servem de instrumentos e intérpretes" (III, 55): "Médiuns são pessoas aptas a sentir a influência dos espíritos e a transmitir os pensamentos destes" (VII, 51; ci. I, 19; 11, 134). Portanto, para podermos obter alguma mensagem dos espíritos, se não tivermos nós mesmos a faculdade mediúnica, devemos servirmos destes médiuns.
Daí é evidente que, em primeiro lugar, a credibilidade da mensagem depende da confiança que merece o próprio médium, do qual nos servimos como de um instrumento indispensável.
"A faculdade mediúnica - esclarece AK - é uma propriedade do organismo e não depende das qualidades morais do médium" (II, 237; cf. III, 166). Os médiuns moralmente inatacáveis não são, nem por isso, os melhores. Os bons médiuns "são raros" (III, 237), e "por muito bom que seja, um médium jamais é tão perfeito, que não possa ser atacado por algum lado fraco" (III, 238), pois "os médiuns de mais mérito não estão ao abrigo das mistificações dos espíritos embusteiros; primeiro, porque não há ainda, entre nós, pessoa assaz perfeita, para não ter algum lado fraco, pelo que dê acesso aos maus espíritos; segundo, porque os bons espíritos permitem mesmo, às vezes, que os maus venham, a fim de exercitarmos a nossa razão" etc. (III, 132). Em suma: não podemos confiar sem mais nos médiuns: "Ao evocador e, mesmo, ao
simples observador, cabe apreciar o mérito do instrumento" (II, 134).
E assim a primeira grande dificuldade será encontrar um médium, que não só disponha duma faculdade mediúnica bem desenvolvida, mas que seja ao mesmo tempo moralmente inatacável e digno de confiança, para que possa servir de instrumento para um negócio tão importante e sério que é o de receber novas revelações do além. Pois, como reconhece o próprio AK, "nada se prestaria melhor ao charlatanismo e à trapaça do que semelhante ofício" (III, 343). E precisamente a história dos médiuns é uma interminável história de fraudes conscientes ou inconscientes.
1. Fraudes conscientes
Longe de mim afirmar que todos os fenômenos mediúnicos são efeitos da fraude consciente. Quero salientar apenas a existência relativamente abundante das fraudes conscientes, que podem ser praticadas também por verdadeiros médiuns. Nos Estados Unidos existem até mesmo "escolas de mediunidade", onde se aprende a fazer materializações, fotografias de espíritos, sessão de gabinete etc. lá o velho Petrônio dizia: "Mundus volt decipi": o mundo quer ser enganado; e por isso sempre tem havido velhacos, embusteiros e trapaceiros que trataram de satisfazer este desejo das massas. Pois "é infinito o número dos tolos" (Ecl 1,15). AK confessa: "Encheríamos um volume dos mais curiosos, se houvéramos de referir todas as mistificações de que temos tido conhecimento" (II, 342). Também Leão Denis: "Muitos (médiuns) têm sido desmascarados em plena sessão; alguns já foram colhidos nas malhas de ruidosos processos" (No invisível, 5ª ed. p. 401). Outro fiel companheiro de AK, Camille Flammarion, escreveu: "Posso dizer que nestes quarenta anos quase todos os médiuns célebres passaram pelo meu gabinete - e a quase todos surpreendi em fraude" (Les forces naturelles inconnues, tomo I, p. 90). Muitos médiuns, dos mais conceituados e famosos, acabaram confessando que tudo tinha sido fraude. Poderia transcrever longas páginas dessas confissões. Eis um exemplo:
Em 1949 um grupo de jornalistas espíritas promoveu no Diário da Noite de São Paulo uma longa série de 70 reportagens, sob este título geral: "Há ou não há fenômenos espíritas em São Paulo?" Inicialmente foi feito um convite "a todos os experimentadores e a todos os centros em que se processam fenômenos de materialização ou de transporte", para verificar a autenticidade dos mesmos. "Note-se - acentuava o jornalista espírita J. Herculano Pires, para animar os centros a se submeterem ao controle - que constituímos um grupo, em sua quase totalidade, de espíritas, interessados, portanto, muito mais na autenticidade do que na inveracidade dos fenômenos" (30-4-1949). No entanto, só pouquíssimos centros se prontificaram para este controle. Pois bem, esta longa série de reportagens constitui o mais sensacional capítulo sobre a fraude escrito no Brasil. Já os vários títulos o propalavam. Exemplos:
"Avalanche de mistificações nas chamadas sessões de materialização"; "Arrancando a máscara a um campeão da fraude", "Dramática derrota de um médium fraudulento"; "Exigem fenômenos e o médium os produz"; "Testemunhou fraudes espíritas em São Paulo, Santos e Sorocaba" etc. A conclusão final, a que chegaram: "Fraude - regra geral" (18-7-1949). Foram surpreendidos em fraude manifesta os seguintes médiuns: Oscar Barbosa, Oswaldo Pereira de Oliveira, José Correia das Neves, João Rodrigues Cosme, Lúcio Cosme, Sebastião Egídio de Sousa Aranha, Valdemar Lino, Francisco Antunes Bello (o médium do famoso caso da operação em Pindamonhangaba) e outros mais. Fazendo um balanço geral, escreve o jornalista espírita Wandick Freitas: "Dos fenômenos simulados pelos próprios médiuns, fraudes perfeitamente verificadas, anotamos, entre outros: levitações de cometas (megafones); toques de mãos (simulação de materialização); voz direta; transporte (um par de luvas de borracha transportado para a sala da sessão dentro dos sapatos); raps (pancadas); estalos de dedos e de nervos; amarração de mãos em várias posições com as próprias gravatas; levitação de vitrola e diversos objetos mais leves; simulação de transe e de possessão por espíritos inferiores etc. Algumas fraudes foram filmadas em completa escuridade com filmes infravermelhos" (18-7-1949).
Interessantíssimo e de muito valor é também o depoimento do Dr. Everardo Backheuser, então professor da Escola Politécnica do Rio de Janeiro. "Nada, absolutamente nada, observei." Eis o resumo deste documento. E o eminente cientista continua: "A minha impressão é de que naquilo que me foi dado ver - e foi muito, cerca de 100 sessões - se tratava, apenas, de grosseiras ou ingênuas mistificações, isto é, de mistificações preconcebidamente arquitetadas ou do fruto da ignorância do médium e boa fé dos que o rodeavam".
Veja-se o depoimento reproduzido em meu livro O espiritismo no Brasil, pp. 306-308. O leitor poderá encontrar na citada obra outros depoimentos semelhantes. Robert Tocquet publicou em 1971 um amplo
estudo sobre Le bilan du surnatltrel (Les Productions de Paris). Seu "inventário do sobrenatural", posterior ao Tout l'occultisme dévoilé, de 1952, deveria ser estudado com atenção, para não sucumbir à tentação da credulidade.
2. Fraudes inconscientes
Mais perigosas, todavia, são as fraudes inconscientes, quando o médium, sem querer e de boa fé, dá as próprias idéias como mensagens recebidas dos espíritos. Porque, afinal, as fraudes conscientes podem ser desmascaradas com relativa facilidade. Dificílimo, porém, senão impossível, se toma o controle do inconsciente ou subconsciente do médium. Seria suficiente recordar o que os psicólogos ensinam sobre a mitomania, as personificações e os automatismos psíquicos. Concedem os grandes mestres espíritas a possibilidade e mesmo a freqüência da fraude inconsciente. AK admite que "as comunicações escritas ou verbais também podem emanar do próprio espírito encarnado no médium" (III, 222). A expressão "espírito encarnado no médium", é um modo espírita de falar e quer dizer "alma do médium" Diz ainda AK que isso
se dá quase sempre quando o médium está no "estado de sonambulismo ou de êxtase" (III, 223); e tais mensagens, acrescenta ele, podem ser até superiores às dos próprios espíritos. Outras vezes - é sempre AK quem nos dá esses esclarecimentos - o "espírito encarnado no médium" exerce influência sobre as comunicações que deve transmitir, provindas dos espíritos: "Se estes não lhe são simpáticos, pode alterar-lhes as respostas e assimilá-las às suas próprias idéias e a seus pendores" (III, 224). Em outro lugar, falando desta influência que os médiuns podem ter sobre as mensagens, escreve AK esta passagem um tanto longa, mas que merece ser meditada: "Onde, porém, a influência moral do médium se faz realmente sentir, é quando ele substitui, pelas que lhe são pessoais, as idéias que os espíritos se esforçam por lhe sugerir e também quando tira da sua imaginação teorias fantásticas que, de boa fé, julga resultarem de uma comunicação intuitiva. É de apostar-se então mil contra um que isso não passa de reflexo do próprio espírito do médium. Dá-se mesmo o fato curioso de mover-se a mão do médium, quase mecanicamente às vezes, impelida por um espírito secundário e zombeteiro. É essa a pedra de toque contra a qual vêm quebrar-se as imaginações ardentes, por isso que, arrebatados pelo ímpeto de suas próprias idéias, pelas lantejoulas de seus conheci. mentos literários, os médiuns desconhecem o ditado modesto de um espírito criterioso e, abandonando a presa pela sombra, o substituem por uma paráfrase empolada. Contra esse escolho terrível vêm igualmente chocar-se as personalidades ambiciosas que, na falta das comunicações que os bons espíritos lhes recusam, apresentam suas próprias obras como sendo desses espíritos (III, 242).
Não há dúvida de que aqui estamos diante de um ponto de capital importância. Pois é interessante relembrar que as mensagens espíritas sempre refletem o espírito do tempo e a mentalidade dos espíritas. Para confirmar este ponto, poderíamos tomar como exemplo o próprio AK. Assim, p. ex., revelaram os espíritos (e foi o "espírito de Galileu"!) que o planeta Marte não tem satélite nenhum e que Júpiter tem apenas quatro. Encontramos estas mensagens na obra A gênese, publicada em 1868. Ora, naquele tempo os astrônomos estavam de fato convencidos de que Júpiter tinha apenas quatro luas (descobertas por Galileu!) e Marte nenhuma. O espírito de Galileu, portanto, embora pudesse, segundo AK, falando dos espíritos em geral, "percorrer o espaço e transpor as distâncias com a rapidez do pensamento" (II, 108), ficou no mesmo estado de ignorância como quando era astrônomo cá na terra.
Trata-se aqui de casos de comunicações de espíritos que podem ser controladas pela técnica da ciência moderna. Mas com isso mesmo caem fortes suspeitas também sobre os outros resultados não-controláveis. Pode muito bem ser que AK fosse sincero em suas afirmações; isso, todavia, não exclui que ele tenha sido vítima do seu próprio inconsciente ou subconsciente.
De fato, diz Douglas Home, "as revelações de Kardec não passam das suas próprias idéias, impostas aos médiuns (pois ele era magnetizador) e por ele depois corrigidas". Veremos mais adiante o que realmente fez AK com as mensagens recebidas. Veremos também que AK foi ajudado em tudo isso por outros espíritos "encarnados" e vivos, que naquele tempo influíam sobre ele.
Outro exemplo: mal acabara de divulgar-se a Uranografia de Laplace (teoria segundo a qual nosso sistema planetário se originou de uma nebulosa em rotação), que então se impunha como a última palavra no assunto, e já a Sociedade Espírita de Paris, presidida por AK, em 1862 e 1863, por meio do médium C. F. (que era o próprio Camilo Flammarion!), recebia uma série de comunicações, assinadas pelo espírito de "Galileu" em pessoa e na qual se repetia - e portanto "revelava" - servilmente toda a teoria laplaciana. Ora, a Cosmografia moderna, baseada nos dados mais recentes da Astronomia, já demonstrou a absoluta impossibilidade do sistema uranográfico. Flammarion confessará mais tarde: "São evidentemente o reflexo do que eu sabia, do que pensávamos naquela época sobre a cosmogonia". Muitos anos depois, em entrevista com Paulo Heuzé (Les morts vivent-ils, p. 89), Flammarion dirá: "Se o caro colega espera que diga alguma coisa de preciso, eu não o poderia. Comecei meus trabalhos com referência a essa questão em 1862; eis, pois, sessenta anos que os pesquiso. Hoje não posso afirmar senão uma coisa, é que eu nada sei, é que não compreendo nada absolutamente. Um só ponto me parece esclarecido: é que, na grande maioria dos casos, há sugestão consciente ou não de espírito a espírito. Em certos casos, muito raros, parece que esta explicação possa parecer insuficiente; e então qual outra para a substituir? Eu o ignoro cada vez mais. O médium que age por si mesmo?
Uma causa. diferente dele? Depois de sessenta anos de estudos, eu nada sei, nada, nada".
Assim também outras milhares de "revelações espíritas" sobre o milagre, o mistério, a pessoa de Cristo, a origem das religiões, da doutrina da Santíssima Trindade e do pecado original, as "contradições" da Bíblia, a impossibilidade da ressurreição ou do juízo final etc., de que estão repletas as obras de AK e Leão Denis, correspondem precisamente à mentalidade racionalista e liberal da França do século passado e deles AK poderia repetir hoje: "São evidentemente o reflexo do que eu sabia, do que pensávamos naquela época". Viviam ainda no otimismo iluminista.
Um livro espírita intitulado Revelação dos papas e que teria sido ditado pelos espíritos dos papas, contém os maiores dislates históricos, reflexo evidente da ignorância e da mentalidade anti-católica do médium. Eis algumas amostras: Alexandre I fala nas invasões dos bárbaros e do feudalismo, que só vieram séculos depois; Urbano I aparece de tiara - ornamento que só muito depois o papa usou, e mora no Vaticano - que não existia no seu tempo; Alexandre V conta as proezas de seu pontificado e se acusa das crueldades que cometeu, mas a história diz que ele nem chegou a tomar posse; Benedito V, que também nunca chegou a governar, por ter morrido antes da posse, faz longa descrição de seu governo e de seus crimes; Júlio I governou mais de mil anos depois de ter morrido, em compensação Clemente V governa oito séculos antes de ter nascido. . .
O famoso espírito Emmanuel revelou ao nosso Chico Xavier todas as calúnias e invenções que se encontram em Leão Denis e que este por sua vez colecionou nas obras dos anti-clericais franceses do século passado. Eis aí algumas "revelações" recebidas por Chico Xavier: "A história do papado é a do desvirtuamento dos princípios do cristianismo, porque, pouco a pouco, o Evangelho quase desapareceu sob as suas despóticas inovações. Criaram os pontífices o latim nos rituais, o culto das imagens, a canonização, a confissão auricular, a adoração da hóstia, o celibato sacerdotal e, atualmente, noventa por cento das instituições são de origem humaníssima, fora de quaisquer características divinas" (Emmanuel, 4\1- ed., p. 30); "o Vaticano não soube, porém, senão produzir obras de caráter exclusivamente (sic! ) material" (p. 31); "ninguém ignora a fortuna gigantesca que se encerra, sem benefício para ninguém, nos pesados cofres do Vaticano" (p. 57); ele sabe que a Igreja "fez mais vítimas que as dez perseguições mais notáveis" (p. 56); conhece a "imensidade de crimes, perpetrados à sombra 39 dos confessionários penumbrosos" (p. 52); tem notícias do "célebre livro das taxas, do tempo de Leão X, em que todos os preços de perdão para os crimes humanos estão estipulados" (p. 61); sabe que "o dogma da trindade é uma adaptação da trimurti da antigüidade oriental" (p. 30) - tudo isso puríssima revelação trazida pelo "espírito de Emmanuel" ao nosso cândido Francisco Xavier. . .
Em outro livro espírita, muito espalhado pela federação, Roma e o Evangelho (5\1- ed.), aparecem inúmeras mensagens de nossos santos que viraram espíritas: são Paulo nega a necessidade do culto externo (p. 96); Sto. Agostinho manda prosseguir na obra de romper com a Igreja e renegar a fé católica (p. 104s.); Fénelon ataca Roma e a infalibilidade do papa (p. 106); Tomás de Aquino exalta a doutrina espírita (p. 111); Maria, "a mãe de Jesus", aparece em longas páginas (117-135) para exaltar o espiritismo; atacar em termos violentíssimos a Igreja, os padres e os Papas; negar a divindade de Jesus e nossa redenção por Cristo; contestar a existência do demônio, do inferno, do pecado original, de Adão etc.; zombar do sacramento da penitência e da ordem; e acaba com severa ameaça contra os adversários do espiritismo; são João Evangelista aparece nas páginas 141-177 para descrever a origem do mundo e dos seres vivos segundo o mais crasso evolucionismo etc.
Ora, tudo isso, digamo-lo francamente, não é muito apto a nos convencer da presença real de espíritos desencarnados. É antes a traição do subconsciente do próprio médium, que repete fielmente os mesmos erros e as mesmas mentiras históricas que ele, em estado consciente, ouviu de algum doutrinador espírita ou leu em algum dos livros publicados pela Federação Espírita Brasileira. Quando, em uma sessão espírita, comparece um santo Agostinho ou santo Tomás de Aquino e diz meia dúzia de banalidades de aprovação e propaganda do espiritismo; quando se apresenta até Nossa Senhora para exaltar o espiritismo, atacar violentamente a Igreja e negar a divindade de seu Filho, Nosso Senhor e Deus Jesus Cristo; quando um são João Evangelista nos vem descrever minuciosamente o mais extremo e crasso evolucionismo monofilético já hoje felizmente superado pela ciência; quando aparecem papas que nem mesmo aproximadamente se recordam do tempo em que viveram ou que narram fantásticos crimes que eles teriam cometido e a história nos diz que estes mesmos papas nem sequer chegaram a governar; quando se apresenta Galileu Galilei para nos revelar novidades astronômicas que logo depois são desmentidas pela verificação experimental; quando vem aí um santo Antônio ou são Francisco, que se santificaram em grau heróico na Igreja Católica, à qual serviram até o derradeiro momento de sua vida, para agora investir contra esta mesma Igreja; - convenhamos, então, é claro, é evidente, é manifesto que estas mensagens não provêm dos tais santos, mas dos sonhos subconscientes (ou, por vezes, conscientes!) do próprio médium ou de algum dos assistentes.
Richet, depois de mais de vinte anos de experiências espíritas, acabou pondo em dúvida a presença de qualquer espírito desencarnado nas sessões a que assistira, especialmente porque "jamais os espíritos puderam provar que sabem qualquer coisa. Nenhuma descoberta inesperada tem sido indicada, nenhuma revelação tem sido feita... nenhuma parcela da ciência futura tem sido suspeitada". Com efeito, cem anos de intensa revelação espírita não contribuíram em nada ao progresso das ciências, nem mesmo da medicina: quando receitam, os médicos do espaço só conhecem remédios caseiros ou homeopáticos... E continua Richet: "Mostram-nos eles poetas que não conhecem poesia; filósofos que não conhecem a filosofia; padres que não conhecem a religião" (Tratado de metapsiquica, I, p. 122).
O prof. Flournoy observa que "para os especialistas da Sociedade de pesquisas psíquicas -ainda quando são espíritas de convicção, como Hodgson, JIyslop - não há nada mais raro do que encontrar um verdadeiro médium, nem mais difícil do que distinguir o autêntico do que não é autêntico nas suas comunicações. Porque os melhores médiuns constantemente misturam os seus sonhos e as suas idéias subconscientes com o que lhes vem do além --" sem falarmos nas perturbações devidas à influência dos vivos; e, nos mesmos desencarnados, parece que há tais dificuldades para conseguirem se comunicar conosco, que nunca podemos estar certos da exatidão verbal de qualquer das comunicações recebidas" (Spirt. and Psychology, p. 184). E aqui no Brasil a gente tem a impressão de que nada há mais fácil ou mais comum do que conversar com os falecidos e ter notícias "do alto". . .
A conclusão que disto tudo podemos coligir é que, mesmo pondo-nos sobre a base espírita, supondo a realidade da comunicação com os espíritos, encontramos a primeira enorme dificuldade na escolha de um médium que mereça a nossa inteira confiança por sua integridade moral, que não seja vítima das mistificações dos espíritos maus, nem nos dê a probabilidade de nos enganar de má ou boa fé, recorrendo aos próprios conhecimentos inconscientes ou subconscientes.
Mas - para poder continuar na argumentação - admito e suponho que se encontre um tal médium, do qual estamos inteiramente certos de que é honesto e digno de toda a confiança e que supere também, não apenas com probabilidade, mas com absoluta certeza, todos os escolhos acima indicados. Segue então o problema dos espíritos que se comunicam.
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Fonte:
Espiritismo – orientação para católicos
Frei Boaventura Kloppenburg
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