É o argumento mais explorado pelos reencarnacionistas para dizer que também Jesus foi partidário das vidas sucessivas. Que dizer a isso? Penso que as seguintes considerações respondem cabalmente à dificuldade proposta:
1. O que acabamos de ver acerca da soteriologia e da escatologia de Jesus garante-nos com certeza que Cristo era positivamente contrário à palingenesia. Direi por isso a priori que esta simples e superficial objeção não destrói o valor probativo das doutrinas opostas à reencarnação e que acabamos de estudar.
2. Concedo que, de fato, existe alguma relação entre o intrépido João Batista, precursor da primeira vinda de Jesus, e o corajoso profeta Elias, o anunciado precursor do segundo advento de Cristo. Já o anjo que veio anunciar a Zacarias o nascimento de João explicou: "Seguirá diante dele no espírito e na virtude de Elias" (Le 1,17). Referindo-se a este texto, escreveu santo Agostinho que só a "perversidade herética" pode ver aí uma afirmação da reencarnação (PL 31,725).
3. Sabiam os fariseus e escribas que, segundo a profecia de Malaquias (4,5), a aparição de Cristo seria preparada por Elias. Ora, Jesus de Nazaré declarava ser o Messias: como era isso possível se Elias ainda não aparecera? Eis a formidável objeção que os fariseus alegavam contra a autenticidade da missão messiânica de Jesus (cf. Mt 17,10). Eles confundiam de fato as duas aparições efetivas de Cristo: a primeira como Redentor e a segunda como Juiz. Malaquias profetizara a vinda de Elias "antes que venha o dia grande e terrível" do Juízo Final, referindo-se, pois, ao segundo advento de Cristo. O precursor da primeira aparição seria João Batista que, consoante as citadas palavras do anjo, apareceria "no espírito e na virtude de Elias". Daí dizer Jesus, para refutar a objeção dos fariseus e tranquilizar os discípulos: "Se quiserdes compreender, ele mesmo (João Batista) é Elias que deve vir. Quem tiver ouvidos, ouça" (Mt 11,14,15). Portanto, uma afirmação bastante enigmática. E Sto. Agostinho explica: "Pois o que será Elias para o segundo advento, isso será João para o primeiro" (PL 35, 1408). As palavras de Cristo: "Elias já veio" (Mt 17,12), têm realmente no contexto o sentido de que o enviado de Deus, que devia preceder a primeira vinda do Messias (e que os judeus confundiam com Elias), já apareceu. E o evangelista acrescenta: "Então compreenderam os apóstolos que Jesus se referia a João Batista" (Mt 17,13).
4. Outra vez Jesus mesmo se encarrega de dizer que João não era Elias, pois João era seu contemporâneo e Elias "há de vir" (Mt 11,14), portanto ainda não veio.
5. Aliás, conforme a tradição dos judeus, o profeta Elias ainda não morreu, não "desencarnou", e por isso nem mesmo poderia "reencarnar".
6. Note-se também que, no monte da transfiguração, apareceram, ao lado de Jesus, Moisés e Elias; ora, naquele tempo João já fora executado por Herodes, já morrera e, portanto, segundo as regras reencarnacionistas, deveria aparecer João e não Elias. Pois o espírito, quando aparece ou se "materializa" (segundo eles dizem), sempre se apresenta na forma da última encarnação.
7. Afinal, diretamente interrogado por uma comissão de judeus se era Elias, o próprio Batista respondeu categoricamente: "Não o sou" (Jo 1,21), com o que ele mesmo, João Batista, dirimiu a questão.
"NASCER DE NOVO" (Jo 3,3)
Sustenta AK que "as próprias palavras de Jesus não permitem dúvida a tal respeito"; e cita Jo 3,3: "Respondendo a Nicodemos, disse Jesus: Em verdade, em verdade te digo que, se um homem não nascer de novo, não poderá ver o reino de Deus" (I, n. 222). Podemos encontrar estas palavras nos cabeçalhos de revistas e Jornais espíritas, como se fossem a mais insofismável afirmação da reencarnação. No entanto, a coisa não é tão evidente.
E primeiramente chamo a atenção para a tradução, que não é de todo exata.
São João escreveu seu evangelho em grego. A palavra que interessa no caso é o "nascer de novo". No original grego diz ánoothen que quer dizer: nascer do alto. Por isso a tradução exata da passagem seria assim: "Quem não nascer do alto não pode entrar no reino de Deus". Já se vê que assim a dificuldade é sensivelmente menor, se é que já não desapareceu de todo. E se lermos o texto inteiro, em seu contexto, veremos que o próprio Nicodemos não o entendera bem e ele pedira maiores esclarecimentos. E então Jesus explica seu pensamento: "Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer do alto (outra vez: ánoothen), por meio da água e do espírito, não pode entrar no reino de Deus. O que nasce da carne é carne, mas o que nasce do espírito é espírito". Jesus insiste: é preciso nascer do alto, sim, mas "por meio da água e do espírito". E isso, evidentissimamente, não é reencarnação. Também em outros lugares a Sagrada Escritura fala desta necessidade de "nova" vida, da regeneração espiritual: "Renovai-vos, pois, no espírito
do vosso entendimento, e vesti-vos do homem novo, criado segundo Deus na justiça e na santidade verdadeira" (Ef 4,23-24); "despojando-vos do homem velho com todas as suas obras e revestindo-vos do novo, aquele que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou" (Cl 3,9-10); "se não vos converterdes e vos não /izerdes como crianças, não haveis de entrar no reino dos céus" (Mt 18,3). Por isso o sacramento do batismo, instituído por Cristo (cf. Mt 28,19; Mc 16,16), mas negado pelos reencarnacionistas, foi sempre chamado de "sacramento da regeneração".
São Paulo a Tito nos dá um eco fiel das palavras de Cristo a Nicodemos e da verdadeira doutrina cristã: "Pois também nós dantes fomos néscios, desobedientes, extraviados, escravos de toda sorte de concupiscências e prazeres, vivendo na maldade e na inveja, dignos de ódio e odiando-nos uns aos outros. Mas apareceu então a benignidade e o amor humanitário de Deus, nosso salvador. Não movido pelas obras justas que houvéssemos feito nós (durante as reencarnações), mas pela sua misericórdia, ele nos salvou mediante o batismo da regeneração e renovação do Espírito Santo, que ele abundantemente derramou sobre nós,.. (Tt 3,3-6; cf. GI 3,27; lCor 6,11). Por isso, para são João, quem foi batizado é "nascido de Deus". E isso é ánoothen: "Nascer do alto" ou "nascer de novo". Mas não é, nem de longe, a reencarnação dos ocultistas de nossos tempos.
Conclusão
Sustenta AK que "sem o princípio da preexistência da alma e da pluralidade das existências são ininteligíveis, em sua maiores máximas do evangelho" (IV, 67). Creio que, depois de tudo que acabamos de ver, se pode inverter a frase e concluir: se admitimos a pluralidade das existências terrestres, a garantida salvação final de todos os seres racionais, a necessidade de conquistar a perfeição por esforços e méritos próprios e a vida espiritual definitivamente independente do corpo; se, em suma, admitimos o princípio da reencarnação,
então, sim, seriam de fato ininteligíveis, em sua maioria, as máximas do evangelho.
A palavra "reencarnação" está prenhe de postulados, pressuposições, princípios e conclusões diretamente contrários à mensagem do evangelho. Na verdade, seria difícil encontrar outro termo tão carregado de elementos opostos à doutrina cristã. Em um só vocábulo estão compreendidas as mais radicais heresias contra a nossa santa fé: reencarnação.
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Fonte:
Espiritismo – orientação para católicos, Frei Boaventura Kloppenburg, 7ª ed. 2002
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Fonte:
Espiritismo – orientação para católicos, Frei Boaventura Kloppenburg, 7ª ed. 2002
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