AS ALMAS DO PURGATÓRIO NOS AJUDAM
O mérito do sufrágio
Que os sufrágios que prestamos às
pobres almas sofredoras do purgatório seja uma obra muito meritória e receberá
certamente grande recompensa de Deus, nenhum teólogo o contesta. É uma obra de
caridade, e Nosso Senhor, que promete recompensa até a um copo de água dado em
seu nome, como não há de ser propício a quem socorre as mais miseráveis e
infelizes e desprotegidas criaturas: as pobres almas, que nada podem fazer por
si para se livrarem dos tormentos a que estão submetidas pela Divina Justiça e
dependem da nossa caridade! É certo que as almas libertadas das chamas da
expiação, no céu, intercedem por seus benfeitores, porque estão cheias da
Divina Caridade e podem, como os Santos, nos valer neste mundo. Portanto, o
mérito que adquirimos com a caridade do sufrágio será bem recompensado porque
a ingratidão nunca entrou no céu e as santas almas salvas por nós serão nossas
advogadas e tudo farão por nós junto de Deus.
São Francisco de Sales vê no
socorro que prestamos às almas, todas as obras de caridade. “Não é visitar os
enfermos, diz o Santo Doutor, obter por nossas orações o alívio das pobres
almas que sofrem no purgatório? Não é dar de beber aos que têm sede tão grande
da visão de Deus, dar o orvalho da nossa oração às que estão entre as chamas?
Não é dar de comer aos que têm fome, ajudá-las pelos meios que a fé nos
oferece? Não é verdadeiramente libertar os prisioneiros? Não é vestir os nus e
lhes dar uma veste de luz e de glória? Não é dar hospitalidade, dar entrada na
Celeste Jerusalém e fazer as almas amigas de Deus e dos Santos, fazendo-as
moradoras eternas da Eterna Sião?” [1].
Ora, se Nosso Senhor declara que
no dia de Juízo há de dar o céu e uma grande recompensa às obras de caridade,
não há de recompensar generosamente estas obras de caridade para com as
benditas almas?
Tem muito mérito o sufrágio, o
socorro às benditas almas.
Diz também o piedoso oratoriano
Pe. Faber[2], como que comentando São Francisco de Sales: “A principal devoção
da Igreja consiste nas obras de misericórdia, e vede como elas se encontram
todas reunidas na devoção para com os mortos! Ela sacia a fome das almas
dando-lhes Jesus, o Pão dos Anjos. Para estancar a sede inextinguível que as
devora, apresenta-lhes o Precioso Sangue de Jesus. Dá, aos que estavam nus, a
veste da glória. Visita os doentes, consola-os e dá-lhes remédios. Livra os
cativos de cadeias mais terríveis que a morte e os põe em liberdade celeste e
eterna. Acolhe os peregrinos e lhes dá a hospitalidade do céu. Sepulta os
mortos no seio de Jesus para que aí gozem o eterno descanso”.
Ó, quando vier o dia de Juízo,
felizes os que tiverem socorrido as pobres almas! Quanto mérito nesta obra de
caridade — o sufrágio dos mortos!
Podem as almas interceder por
nós?
Já não contestamos que possam as
almas nos ajudar quando no céu, e que Deus pelos méritos do sufrágio e da
grande obra de caridade que praticamos socorrendo o purgatório nos conceda
muitas graças e tudo podemos alcançar só com o mérito de tão boa obra. Todavia,
vamos mais além e podemos afirmar: as almas podem nos ajudar mesmo no
purgatório. Alguns teólogos o negam. Todavia a quase maioria deles e muitos dos
mais autorizados, afirmam que as almas mesmo no purgatório, no estado de
sofrimento, podem interceder por nós. A Igreja, apesar do silêncio sobre a
questão, permite no entanto a oração dos fiéis às almas e deixa esta devoção
se desenvolver cada vez mais. Grandes Santos e até Doutores da Igreja tiveram
esta devoção e a aconselharam muitos autores seguros. Nas catacumbas se
encontram inscrições como estas: que tua alma repouse em paz! Reza por tua
irmã. É uma oração pelo defunto e uma prece ao defunto.
Diz o grande teólogo Suarez[3]
(3) que em geral as almas do purgatório podem orar pela Igreja militante, e
isto é conforme a idéia que devemos ter da Bondade de Deus. As almas do
purgatório são santas e devem rezar como os Santos rezam. E, como os Santos,
são atendidas na medida da gloria que deram a Deus quando estavam neste mundo.
O sofrimento em que elas estão, longe de diminuir, aumenta, o valor e a
eficácia das suas orações. Dizia um piedoso autor: “aqui na família da terra,
os pedidos e as súplicas de um membro doente e que padece mais, não são
atendidas com mais carinho e simpatia? Não são as almas os membros doloridos da
Igreja?”[4].
Dizem alguns que as almas do
purgatório não podem nos valer porque não podem conhecer nossas necessidades.
Ainda que assim fosse, responde Suarez, as almas pedindo pela Igreja militante
nos fazem participantes da sua oração em nosso favor. E não poderiam ter
conhecimento de nossas necessidades pelo ministério dos Anjos? Diz Santo Tomás:
“As almas dos mortos podem se interessar pelos vivos ainda que ignorem o seu
estado, assim como os vivos podem se interessar pelas almas ainda que as
ignorem. Podem as almas do purgatório conhecer as necessidades dos vivos
pelas almas que partem deste mundo, ou pelos Anjos”[5].
Portanto, não podem as almas se
interessarem pela nossa sorte neste mundo e rezarem por nós? É sentença comum
dos teólogos, diz São Roberto Belarmino que as almas podem rezar pelos
vivos[6].
Dizem também que o sofrimento das
pobres almas é tão intenso e profundo, que elas não podem pensar em nós e nem
nos valer.
O sofrimento das santas almas não
as torna egoístas e não, lhes tira o sentido, o conhecimento da extrema
necessidade em que nos encontramos muitas vezes e dos perigos a que estamos
expostos nesta vida. As almas do purgatório estão numa ordem sobrenatural
superior. Podem, pois, interceder por nós. É doutrina de muitos Santos Doutores
e teólogos seguros.
As almas do purgatório nos
socorrem
As almas do purgatório podem nos ajudar
e o mérito da caridade de nossos sufrágios tudo pode nos alcançar da Divina
Misericórdia em nosso favor. Pois estas benditas almas nos ajudam realmente e a
experiência tem provado há tantos séculos quanto é eficaz invocar a proteção do
purgatório.
Sim, as almas do purgatório por
si não podem merecer na outra vida, mas podem fazer valer em nosso favor, os
méritos que adquiriram neste mundo. Por isto Santo Afonso, São Roberto
Belarmino, doutores da Igreja, ensinaram que podemos invocar a proteção das
almas do purgatório para obterem de Deus favores de que necessitamos. Dizia
Santa Teresa: “Tudo quanto peço a Deus pela intercessão das almas do
purgatório me é concedido”. Demos sufrágios às almas e Deus por esta caridade
nos ajudará pelas orações e os méritos destas santas almas libertadas das
chamas expiadoras.
Santa Catarina de Bolonha
escrevia: “Quando quero obter com segurança uma graça, recorro às almas
padecentes e a graça que suplico sempre me é concedida”.
Daí as expressões do Santo Cura
d’Ars, que sempre repito: “Se soubéssemos quão grande é o poder das santas
almas do purgatório e quantas graças podemos alcançar por sua intercessão, não
seriam elas tão esquecidas”.
Vamos, pois, tenhamos caridade,
tenhamos piedade das pobres almas sofredoras. Deus não permitirá que sofra
muito no purgatório quem neste mundo socorreu os mortos. Portanto, é de nosso
interesse, sufragar os mortos. A experiência o prova mil vezes quanto a
devoção às almas é útil e vantajosa aos vivos. “O que nós lhes dermos em
sufrágios, diz Santo Ambrósio, se muda em graças para nós, e os havemos de
achar depois da morte”.
Nas revelações de Santa
Brígida[7] lê-se que a Santa viu um Anjo que descendo ao purgatório para
consolar as almas dizia: Bendito seja aquele que ainda na terra, enquanto
vivo, ajuda as almas do purgatório com orações e boas obras!
E ao mesmo tempo, das profundezas
do abismo das chamas do purgatório, se ouvia um coro de vozes suplicantes: Ó
Jesus Cristo, justo Juiz, em nome de vossa misericórdia infinita, não olheis
nossas faltas inumeráveis, mas aos méritos de vossa preciosa Paixão. Ponde,
Senhor, no coração dos eclesiásticos um sentimento de verdadeira caridade, a
fim de que por suas orações, suas mortificações e esmolas e as indulgências
que nos aplicarem nos socorram em nessa triste situação.
Outras vozes respondiam: Graças,
mil graças aos que nos aliviam em nossas desgraças. Ó Senhor, que o vosso poder
infinito dê o cêntuplo aos nossos benfeitores que os levam à morada da vossa
eterna luz.
As santas almas repetem sempre
esta súplica em favor dos seus benfeitores.
Diz a Sagrada Escritura: Benefac
justo et invenies retributionem magnam. Fazei o bem ao justo e tereis grande
recompensa. As almas do purgatório são santas almas de justos, cheios de
méritos e de virtudes. Quanta santidade naquelas chamas expiadoras! Pois bem.
Tudo o que fizemos por elas terá grande recompensa. É a palavra de Deus que
no-lo garante!
Exemplo
A criada devota das almas do
purgatório
Diversos autores, entre eles
Berlioux, no seu “Mês das Almas”, Mons. Louvet, no seu “Le Purgatoire”, narram
este fato, que este último autor diz ter se dado em Paris e no ano de 1817.
Uma piedosa e humilde criada
tinha o costume de todos os meses tirar do seu pobre ordenado uma espórtula
para uma missa pelas almas do purgatório. Fazia todo sacrifício, mas não
deixava de mandar celebrar cada mês a Missa da sua devoção. Ia assistir ao
Santo Sacrifício com muito fervor e pedia pela alma que mais necessidade
tivesse de uma Missa para entrar no céu.
Deus a provou com uma doença que
a fez sofrer muito e ainda perder o emprego. No dia em que saiu do hospital, só
tinha consigo a importância necessária para a espórtula de uma Missa. Pôs toda
confiança em Deus e andou à procura de um emprego. Em vão. Não o achava em
parte alguma. Passou pela igreja de Santo Eustáquio e entrou. Lembrou- se logo
de que naquele mês não pode mandar celebrar a Santa Missa pelas almas. Tirou
da bolsa o dinheiro e pensou consigo: Se agora mando celebrar a Missa, que mc
restará hoje para comer? Que será de mim? Que importa! Deus há de ter pena de
mim. E demais, as pobres almas sofrem mais do que eu.
Foi à sacristia e perguntou se
era possível celebrar-se ainda uma Missa. Felizmente, lá eslava um sacerdote
sem intenção de Missa para aquele dia. Deu-lhe a espórtula, pediu a Missa pelas
almas, assistiu-a com todo fervor e se retirou da igreja absolutamente sem
vintém e sem saber para onde ir.
Estava assim pensando na sua
pobre vida quando um moço alto, muito pálido, se aproximou dela e disse:
—A senhora anda à procura de um
emprego?
— Sim, meu senhor, e necessito
muito uma colocação hoje mesmo...
— Pois então vá à casa de Madame
X, rua tal, número tal, e creio que ela vos receberá, porque vai precisar de
uma empregada hoje.
A pobre criada tão satisfeita
ficou, que nem agradeceu ao moço. Quando voltou para trás, nem o viu mais. Foi
à procura do endereço e ao chegar à casa indicada deu de encontro com uma
mulher que descia a escada furiosa e a gritar contra alguém.
— É aqui que mora Madame X?
Pergunta-lhe.
— Sei lá! Desta casa não quero
ver nem a sombra. Bata na porta. Não quero saber desta mulher. Adeus!”.
A criada bateu timidamente a campainha
e esperou. Apareceu-lhe uma senhora de certa idade e aspecto muito bondoso.
— Minha senhora, diz a criada, eu
acabo de saber esta manhã que a senhora estava precisando de uma empregada e,
como estou sem colocação, aqui venho me apresentar, e me disseram que a senhora
é muito bondosa e me havia de acolher muito bem...
— Minha filha, diz a velha, isto
é extraordinário! Pois esta manhã eu não disse isto a ninguém e faz apenas
meia hora que eu expulsei de minha casa esta empregada insolente que me perdeu
o respeito.
Só eu sei que tenho necessidade
de uma empregada. Quem te disse isto?
— Encontrei um moço na rua e ele
me deu o nome da senhora, rua e número da casa, e aqui cheguei.
A velha não podia compreender
quem pudesse ser o tal moço que havia indicado a casa. Neste ínterim, a
empregada levanta os olhos e vê na parede um retrato.
— É aquele moço, minha senhora,
ele mesmo...
A pobre velha empalideceu.
— É meu filho, e meu filho morto!
A criada contou-lhe toda a sua
devoção às santas almas, a Missa que havia mandado celebrar. A velha tomou a
pobrezinha num longo abraço e banhada em lágrimas lhe disse: Minha filha, este
moço é meu filho já morto. Deveria estar no purgatório. Faleceu há dois anos.
Tua Santa Missa o aliviou e libertou. Vamos, daqui por diante, orar juntas e
não serás minha criada, não, serás minha filha”.
Tomou a pobre criada abandonada e
adotou-a como membro da família.
Eis como Nosso Senhor recompensa
os corações generosos para com as santas almas.
[1] L’Esprit de Saint François de
Salles — II p., cap.
[2] Faber — O Purgatório — 36.
[3] Lib. I — De orat. — Cap. II.
[4]
Jugie — Le Purgatoire — Chap. IV — II part.
[5]
Sum. Theol. I — quest. 89 — art. 8 ao 1.
[6] R. Belarm. — De Purgatorio —
I, 2 e 15.
[7] Revel. — Liber IV, cap. VII.
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Fonte:
Tenhamos
Compaixão das Pobres Almas!
30
meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas, por Monsenhor Ascânio
Brandão
Livro de
1948 - 243 pags, Casa da U.P.C. Pouso Alegre
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