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Missa de Requiem do Rei da França Luis XVI, em Paris. Fonte New Liturgical Moviment. |
A MISSA DOS DEFUNTOS
As cerimônias
O
simbolismo tocante e belo das cerimônias da Missa dos defuntos não pode ser
ignorado de quantos querem assistir com proveito ao melhor e o maior dos
sufrágios que se pode oferecer pelos mortos — o Santo Sacrifício dos nossos
Altares.
Esta Missa
é celebrada com o paramento de cor preta, simbolizando o luto. Não tem o
Glória. É semelhante às Missas do tempo da Paixão. Mostra a dignidade do
cristão assemelhado a Jesus Cristo na Paixão. Não tem o Salmo Judica me, porque
nele se diz: quare tristis est anima mea
et quare conturbas me? Por que perguntar à alma porque está triste quando
já foi julgada?
O sinal da
cruz que o sacerdote faz sobre si nas outras Missas, aqui é feito sobre o
Missal, para dizer que tudo é agora para os mortos, os frutos e méritos da
cruz. Nem o padre nem o diácono beijam o Missal, simbolizando que as almas não
receberam o ósculo da paz de Deus no céu.
Escreveu o
piedoso Mons. Olier: “Não se beija o Missal no fim do Evangelho primeiro,
porque as almas do purgatório morreram em sinal da fé — insigno fidei — não
têm necessidade de uma profissão de fé no Evangelho Pelo mesmo motivo a Missa
dos defuntos não tem Credo, que é a manifestação pública da nossa fé. No
ofertório não há bênção da água que é posta no cálice com o vinho, porque a
água simboliza os fiéis, e a Igreja não tem jurisdição sobre os fiéis defuntos
na outra vida, pois estão em Graça com Deus. No Agnus Dei não há paz, a
cerimônia do Pax tecum. As almas já estão na paz de Deus e livres dos perigos
do pecado que tira a verdadeira paz. Elas sofrem muito, mas em doce paz. No
Agnus Dei não se diz Miserere nobis, mas “dai lhes o descanso”. Imploramos o
eterno descanso para as pobres almas sofredoras e em tormentos do purgatório.
Elas não precisam de paz, mas de um descanso eterno no seio do Deus. Não há
bênção no fim da Missa porque as almas não ouviram ainda de Nosso Senhor:
“Vinde, benditas de meu Pai, receber a recompensa...”.
Ao invés do
Ite, Missa est — “acabou-se a Missa”, a ordem de dispersar os fiéis e anunciar
o fim da Missa, diz o sacerdote: Requiescant in pace — “Descansem em paz”. É um
convite ao povo, também, para que reze pelos fiéis defuntos e para dizer que
todo aquele Augusto Sacrifício foi oferecido para descanso dos pobres irmãos
do purgatório. Eis as cerimônias especiais e variantes das Missas dos
defuntos. O Introito é uma súplica pelo descanso das almas. “Dai-lhes, Senhor,
o descanso eterno e que lhes resplandeça a luz perpétua”. No gradual, a mesma
súplica. No Trato: “Livrai, Senhor, as almas dos fiéis defuntos das cadeias
dos seus pecados. E que o socorro da vossa graça consiga evitar o Juízo da
Vingança e gozem a bem-aventurança da luz eterna”. Na Communio é ainda o
pedido do eterno descanso: “Que a luz eterna lhes resplandeça com os vossos
Santos por todos os séculos, ó Senhor, pois sois tão bom!”.
E pede de
novo: “dai-lhes o descanso e a luz perpétua, pois sois tão bom, Senhor”.
Que belas
súplicas pelas pobres almas!
O Dies Irae
O Dies Irae
é uma Sequencia da Missa dos defuntos, atribuída ao franciscano Celano, que a
teria escrito no ano de 1260. É uma descrição impressionante do Juízo final.
Uma meditação das mais vivas daquele dia tremendo em que todo o Universo há de
prestar conta ao Juiz dos vivos e dos mortos. Reza-se o Dies Irae nas Missas de
Requiem. Comentá-lo seria prolixo e exigiria um volume. Vamos meditá-la
traduzida, embora não sem a beleza e a expressão do latim e da forma poética.
Servirá muito para nossa meditação. Ei-la:
“Dia de ira
aquele em que o Universo terá reduzido a cinzas, segundo as predições de Davi
a Sybila. — Qual não será o terror dos homens quando o Soberano Juiz vier
perscrutar todas as suas ações com rigor! — O som estridente da trombeta
acordará os mortos nas profundezas das sepulturas, reunindo-os todos diante
do trono do Senhor. A morte e a natureza ficarão estupefatas quando a criatura
comparecer para ser julgada pelo Juiz. — Um Livro aparecerá onde está escrito
tudo sobre o que há de versar o julgamento. — Quando o Juiz se assentar no
Tribunal, tudo o que estiver oculto ficara descoberto e nenhum crime ficará
impune. Infeliz de mim! Que poderei dizer então? Que protetor procurarei quando
somente o Juiz estará tranquilo?! — Ó Rei, cuja Majestade é tremenda, mas que
salvais gratuitamente os escolhidos, salvai-me, ó Fonte de piedade! —
Recordai-vos, ó piíssimo Jesus, de que viestes ao mundo por minha causa; não me
condeneis nesse dia. — Ó Vós, que vos fatigastes em minha procura e que para me
resgatardes morrestes numa cruz, não queirais que fiquem infrutíferos tantos
esforços! Ó Justo Juiz, que castigais com justiça, concedei-me o perdão das
minhas faltas antes do dia do julgamento. — Eu choro como réu, as minhas culpas
envergonham-me. Ó Deus, que as minhas súplicas me alcancem o perdão! Ó Vós, que
absolvestes a Maria e ouvistes o ladrão, concedei-me também a esperança! Bem
sei que as minhas preces não são dignas, mas vós, que sois bom, não consintais
que eu arda no fogo eterno. Colocai-me entre os cordeiros, à vossa direita, e
separai-me dos pecadores. Livrai-me da confusão e do suplício dos malditos
condenados, e introduzi-me junto dos benditos de Vosso Pai. Suplicante,
prostrado ante vós e com o coração esmagado, como reduzido a cinzas, eu Vos
imploro, ó Senhor, que tenhais piedade de mim no momento da morte. Dia de
lágrimas aquele em que o homem pecador renasça das suas cinzas para ser
julgado! Tende pois piedade dele, ó meu Deus! Ó piíssimo Jesus! Ó Senhor,
concedei-lhe o repouso eterno!”.
Não é
verdadeiramente impressionante, nela, esta Sequência da Missa dos defuntos?
O Dies Irae
é um grito de temor e de esperança. Fala-nos do tremendo Juízo e aponta-nos a
doce esperança na Misericórdia do Salvador. Termina: Pie Jesu dona eis requiem.
— Piedosíssimo Jesus, dai-lhes o descanso eterno!
Lembra o
Juízo para nosso temor e para que andemos vigilantes e preparados, e
recorda-nos a Divina Misericórdia, para que nunca desesperemos. Implora
misericórdia e descanso para os que já passaram pelo tremendo julgamento e
sofrem no purgatório.
Prefacio da Missa dos defuntos
Outra jóia
da Liturgia é o prefácio dos defuntos. Uma lição, uma lembrança de nossa
imortalidade e ressurreição futura. Não é muito antigo. Vamos meditá-lo:
“Verdadeiramente
é digno e justo, racional e salutar que sempre e em todos os lugares vos demos
graças, Senhor, Santo Pai Onipotente, Eterno Deus, por meio de Nosso Senhor
Jesus Cristo, em quem nos concedestes a esperança da feliz ressurreição; de
sorte que, conquanto a condição certa da nossa morte nos entristeça, fiquemos
consolados com a esperança da imortalidade futura. Pois para vossos fiéis,
Senhor, a vida muda-se, não se acaba, e desfeita esta morada terrena,
adquire-se a habitação eterna nos céus. E por isso, com os Anjos e Arcanjos,
com os Tronos e as Dominações, e com a Milícia celeste, cantamos o hino da
vossa glória, dizendo sem cessar: Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus dos
Exércitos. O céu e a terra estão cheios da vossa glória. Hosana no alto dos
céus”.
Eis o belo
Prefácio dos defuntos. Fala-nos da esperança da ressurreição futura. Estamos
tristes neste mundo porque nossa condição de pobres mortais, sujeitos a deixar
esta vida pela morte. Todavia, temos a promessa da imortalidade. Não morreremos
de todo. A morte para o cristão é vida. Nas catacumbas escreviam nas lages
sepulcrais às vezes uma palavra só: — Vixit! Viveu! É a idéia do Prefácio. A
vida do cristão é a mesma. Aqui a vida na graça, e depois a vida na glória.
Muda-se apenas a condição da mesma vida. Vita mutatur, non tollitur, diz o Prefacio
— a vida se muda, mas não se acaba.
Que lição confortadora!
Diz o
Apóstolo que não temos neste mundo morada permanente. Non habemus hic manentem
civitatem. — Não pertencemos a este mundo. A Igreja nos chama viatores,
caminhantes. Vamos para a casa de nossa eternidade. É o que nos recorda o
Prefácio dos defuntos. Desfaz-se nossa morada terrena, pobre e miserável, e
adquirimos uma eterna morada no céu!
A Liturgia
dos mortos é pois uma continua lembrança aos vivos da morte e do Juízo, um
despertar da nossa fé na imortalidade da alma e na vida futura, um brado para
que estejamos vigilantes, porque na hora que menos pensarmos, virá o Filho do
Homem. É, principalmente, um incentivo para que não nos esqueçamos de nossos
mortos queridos.
Procuremos
assistir a Santa Missa dos defuntos com muita devoção e acompanhá-la no Missal
ou no folheto litúrgico. Ela é verdadeiramente impressionante e nos leva a uma
meditação muito séria da morte e do Juízo.
Ainda há
pouco o Santo Padre Pio XII, na oportuna Encíclica Mediator Dei, condenava o
erro dos que desejariam suprimir as Missas dos defuntos de nossa Liturgia e
condenam o paramento de cor preta, sob pretextos sutis de que prejudicam o
chamado Movimento restaurador da Liturgia. A Igreja, que vela pelo esplendor
das solenidades litúrgicas, nem sempre permite a Missa dos defuntos em grandes
festas, mas como é generosa e permite com frequência estas Missas para
ensinamento dos fiéis e alivio das pobres almas!
Exemplo
Santa Isabel, Rainha de Portugal, e sua filha
Constância
A grande
Santa da caridade tinha uma fulha que muito amava, chamada Constância. Esta
princesa havia se casado há pouco tempo com o rei de Castela, quando uma morte
repentina veio arrebatá-la à afeição dos seus. A rainha, ao ter a infausta notícia,
juntamente com o rei se pôs a caminho de Santarém, quando um eremita se
aproxima do cortejo real e quer falar à rainha. Os fidalgos disseram logo: é um
importuno, um doido. Não lhe demos importância! Santa Isabel percebeu tudo e
mandou chamar o pobre monge, perguntando-lhe o que desejava.
— Senhora,
a vossa filha Constância me apareceu diversas vezes e foi condenada a um longo
e rigoroso purgatório, mas será libertada no prazo de um ano se celebrarem
durante um ano todo, todos os dias, uma Santa Missa por ela.
Os do
cortejo real puseram-se a rir do monge: é um doido, diziam. É um intrigante e
quer arranjar alguma coisa, repetiam outros. A rainha, entretanto, levou o
caso muito a sério. Pediu ao esposo que mandasse celebrar as Santas Missas.
Dizia: Afinal, o que se poderia sair perdendo com isto? Não é bom mandar
celebrar Missas pelos nossos mortos? Quanto não há de lucrar com isto a nossa
filha, ainda que não fosse real a aparição do pobre monge!
No dia
seguinte encarregou a um sacerdote de celebrar durante o ano todo por alma da
filha. Exatamente quando completou um ano, Constância apareceu à sua santa mãe
vestida de branco, toda luminosa e de uma beleza incomparável.
— Hoje,
minha querida mãe, graças às vossas orações e às Santas Missas que mandastes
celebrar, estou livre dos meus tormentos e subo para o céu.
A Santa,
toda radiante de felicidade, foi procurar o Pe. Mendez, sacerdote encarregado
da celebração das Santas Missas, e este já vinha ao encontro da rainha para
lhe dizer que, na véspera, havia celebrado a última das 365 Missas encomendadas
por alma de Constância.
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Fonte:
Tenhamos
Compaixão das Pobres Almas!
30
meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas, por Monsenhor Ascânio
Brandão
Livro de
1948 - 243 pags, Casa da U.P.C. Pouso Alegre
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