OS ESQUECIDOS
Como são esquecidos os mortos!
Santo
Agostinho se queixava de que os mortos são muito esquecidos. Realmente. Vai-se
logo a memória dos defuntos com os últimos dobres do sino e as derradeiras
flores lançadas sobre a sepultura. Quando morremos, partimos para aquela região
que a Escritura chama terra oblivionis — a terra do esquecimento. Não tenhamos
muita vaidade nem ilusões. Seremos esquecidos!
Quem se
lembrará de nós alguns anos após a nossa morte? Talvez uma lembrança vaga, uma
evocação de saudade muito apagada. E como somos orgulhosos hoje! Tanto nos fere
a mágoa um esquecimento mesmo involuntário! Felizes os que se desiludem e se
desapegam das amizades e vanglorias da terra antes que chegue a Mestra e
Doutora da Vida — a Morte!
Como se
compadecem todos dos enfermos! Que carinho e solicitude e mil sacrifícios em
torno do leito de um pobre doente que geme! Porém, veio a morte. Pranto,
homenagens sentidas, flores, túmulos, necrológios, e... esquecimento. Hoje
afastam a idéia da morte como se fôssemos todos imortais. É mister esquecer os
defuntos, deixá-los no túmulo, evitar esta preocupação doentia da morte e da
eternidade.
Morreu,
acabou-se! Vamos rir, vamos dançar e cantar. Deixemos que a vida corra alegre e
feliz. Não pensemos mais na morte e muito menos em mortos. Não é assim que
fala e age o mundo louco e materialista de hoje?
Ai! Como
são esquecidos os mortos! O materialismo estúpido não compreende nem a beleza,
nem a consolação, e o culto da memória dos mortos como o tem a Igreja católica.
Para nós, eles não morreram, mudou-se-lhes a condição da vida: Vita mutatur,
non tollitur!
Na
sepultura não se acaba para sempre o homem. Cremos no que dizemos cada dia no
Credo:
— Eu
creio na ressurreição da carne e creio na vida eterna.
A piedade
para com os mortos é um ato de fé na vida eterna, urna doce certeza de que
nossos mortos queridos não estão perdidos para sempre ao nosso amor. Havemos de
os encontrar um dia no seio de Deus! Como é doce, consolador e belo crer na
imortalidade e esperar a vida eterna!
Pois se
cremos na vida eterna, cremos no purgatório. E se cremos no purgatório, oremos
pelos nossos mortos.
Requiem
aeternam dona eis Domine! — Dai-lhes, Senhor, o descanso eterno!
Não sabemos
então que é nosso próprio interesse orar pelos mortos?
Um dia
também iremos para a eternidade e nas chamas do purgatório acharemos tudo
quanto tivermos feito na terra pelos mortos. Vamos, pois, neste mês dos
defuntos: Missas, Rosários, esmolas, penitencia, orações fervorosas pelos
nossos mortos queridos!
Como são
esquecidos os mortos! Exclamava Santo Agostinho! E, no entanto, acrescenta São
Francisco de Sales, em vida eles nos amavam tanto e (quem sabe?) estão no
purgatório por nossa causa...
Nos
funerais, lágrimas, soluços e flores. Depois, um túmulo e o esquecimento...
Como são esquecidos os mortos!
Tende
compaixão de mim!
Tende
compaixão de mim!
Miseremini
mei! Miseremini mei!
Tal é o gemido do purgatório, o gemido das
pobres almas esquecidas.
A Igreja,
Mãe carinhosa, nunca se esquece dos seus filhos, mesmo depois que partiram para
as regiões da morte e da eternidade. Todos os dias, no altar, ela suplica: —
Memento!
Lembrai-vos,
Senhor, dos vossos servos e servas que nos precederam com o sinal da fé e agora
descansam em paz. A estes e a todos os mais que repousam em Cristo, nós vos
pedimos, Senhor, concedei lugar de refrigério, luz e paz.
Que tocante
lembrança da Santa Igreja, nossa Mãe! E em todas as Missas que se celebram em
todo universo!
Porque são esquecidas
Sufraguemos
nossos mortos. Não os deixemos esquecidos sob qualquer pretexto comodista e de
gente sem fé. O purgatório é terrível e para algumas almas é bem longo. Devemos
ter compaixão e carinho por nossos entes queridos que a morte arrebatou.
Ao céu
chegam as almas só depois de longas e dolorosas purificações. Não digamos de
cada um que morre: — Está no céu!
Temos o
costume de logo canonizar nossos mortos, dizendo: — Estão no céu! E nem mais
rezamos por eles, deixando-os esquecidos no purgatório. É uma ingratidão bem
comum. No céu entram as pobres almas só depois de longas e dolorosas
purificações. E quem sai desta vida tão santo e perfeito que não mereça o
purgatório? Nunca deixemos de orar e muito e por longo tempo pelas almas de
nossos mortos queridos.
Há pobres
almas destinadas a um longo sofrimento nas chamas expiadoras. Só Deus sabe o
que elas padecem, enquanto seus parentes nem rezam, nem mandam oferecer por
elas a santa Missa, e repetem tranquilos: — Está no céu!
Disto teve
receio Frederico Ozanam, o piedoso apóstolo das Conferências Vicentinas. Lemos
no seu testamento: — “Não vos deixeis levar por aqueles que disserem: ‘Ele está
no céu!’. Rezai sempre por aquele que muito vos ama, mas que também pecou
muito. Ajudado pelas vossas orações, deixarei a terra com menos receio”.
Não nos
iludamos com o purgatório. Seus sofrimentos são muito grandes e é mister uma
grande compaixão, uma grande misericórdia para com os mortos. Ai! Esquecer os
mortos sem sufrágios é doloroso, é de consequências tristes! Oremos pelas benditas
almas.
Vamos em
socorro dos nossos pobres irmãos da Igreja padecente.
Vamos,
levantai-vos, dizia São Bernardo, voai em socorro das almas dos defuntos,
implorai a clemência divina pelas vossas lágrimas e gemidos, intercedei por
eles com as vossas preces, satisfazei por elas com o santo sacrifício da Missa,
resgatai-as por vossas esmolas aos pobres, por vossas boas obras, abri-lhes as portas
do paraíso.
Combatamos
estas duas causas do esquecimento dos mortos: — a presunção que diz: — Estão no
céu, e comodamente não nos interessamos em sufragá-los mais, e, falta de uma fé
bem viva no que seja o tormento do purgatório.
Deveres sagrados e esquecidos
Sim, bem
sagrados e graves são nossos deveres para com os mortos. Temos obrigação de
justiça e de caridade em sufragar os defuntos. Não bastam lágrimas, flores,
coroas, homenagens póstumas. Tudo isto é mais consolo para os vivos que alívio
para os mortos, dizia Santo Agostinho.
Devemos,
pois socorrer os defuntos:
1° — Em
razão do parentesco e do sangue.
2° — Por
gratidão, aos benfeitores nossos.
3° — Por
justiça.
4° — Por
caridade.
Próximos
mais próximos de nós, dizia São Francisco de Sales, naturalmente são nossos
pais. Não nos esqueçamos da alma de um pai querido, de uma saudosa mãe. Foram
tão carinhosos e se sacrificaram por nós! Não estarão talvez no purgatório? Nosso
amor filial os canonizou logo depois da morte e os colocou no céu! Ah! E talvez
gemam e sofram no purgatório. Estão salvos, é verdade, no seio de Deus, entre
as santas almas, porém... são terríveis os sofrimentos do purgatório
Santa
Monica teve o cuidado de recomendar a Santo Agostinho: — Meu filho, não me
esqueças no santo altar!
A Igreja
tem uma oração especial nas missas de defuntos pelo pai e mãe do sacerdote e
que cada fiel pode repetir:
“Ó Deus,
que nos ordenastes que honrássemos o nosso pai e nossa mãe, tende piedade, pela
vossa clemência, das almas de meu pai e de minha mãe, e perdoai-lhes os seus
pecados. Permiti também que eu possa um dia tornar a encontrá-los”.
Que tocante
oração!
Depois a
gratidão.
Há de ser
penoso e horrendo o esquecimento dos nossos nas chamas do purgatório!
Não sejamos
ingratos. Oremos por todos quantos nos fizeram algum benefício na terra. A
gratidão não pode morrer à beira da sepultura de nosso benfeitor. Vai além,
corre em auxílio das almas do purgatório!
E,
finalmente, deveres de justiça e de caridade. De justiça porque somos obrigados
a orar por aqueles aos quais estamos ligados por laços de parentesco e de
gratidão. E... caridade. “Não há, diz São Francisco de Sales, maior ato de
caridade que orar pelos mortos. É um resumo de todas as obras de caridade”.
Lembremo-nos
das pobres almas sofredoras do purgatório. Não temos criaturas que tanto amamos
na terra e que hoje nos ferem o coração por uma saudade amarga?
Ah! Não
bastam as lágrimas e as flores da sepultura. Isto é mais consolo para os vivos.
O que aproveita aos mortos é o sufrágio. Santifiquemos nossa saudade pela
caridade. Lembremo-nos que talvez gemam no purgatório os que tanto amamos! Por
eles mandemos celebrar o santo sacrifício da Missa, façamos algum ato de
caridade aos pobres, uma Comunhão, um Rosário de Maria!
Exemplo
O Santo Cura D’Ars e o purgatório
O Santo
Cura d’Ars, São João Batista Vianney, era um devoto fervoroso das santas almas
do purgatório... Pedira a Deus a graça de sofrer muito. Os sofrimentos do dia,
oferecia-os pela conversão dos pecadores, e os da noite, pelas almas do
purgatório.
E como
sofreu! Que noites terríveis de agonias e aflições e tentações espantosas do
diabo não passara o Santo durante os longos anos da paróquia de Ars!
A um padre
que lhe perguntara a opinião sobre o poder das almas do purgatório em nosso
favor, respondeu:
— “Si
soubéssemos como é grande o poder das boas almas do purgatório sobre o Coração
de Jesus e si soubéssemos também quantas graças poderíamos obter por
intercessão delas, é certo, não seriam tão esquecidas”.
Nos seus
catecismos célebres o Santo narrava tocantes e belos exemplos sobre a eficácia
e o poder da devoção às santas almas do purgatório. Nosso Senhor lhe concedeu
extraordinárias graças para conhecer muitas vezes os mistérios do purgatório.
No processo
da Canonização atestaram os que o conheceram:
— A devoção
às almas do purgatório foi uma das suas mais fervorosas. Se havia duas Missas a
celebrar, uma pelos doentes, outra pelas almas, preferia a das almas.
Muitas
vezes lhe pediam orações por uma ou outra alma e o santo respondia:
— Sim,
rezarei por ela. Está no purgatório por um tempo indeterminado...
Ou então: —
Ela já foi para o céu! Não tem necessidade mais de sufrágio.
Diz o
ilustrado Mons. Trochu, autor de “Les intuitions du Curé d'Ars, que “o
purgatório é um lugar onde o Cura d’Ars sabia o que se passava. Conhecia ele a
sorte dos defuntos, teve intuições muito grandes do que se passa além-túmulo”.
Uma senhora
foi se confessar ao Santo, em Ars. Depois da confissão, disse-lhe ele: — “Minha
filha, agradeça à prima que a trouxe ao confessionário, porque sem isto a
senhora estaria no inferno”. E depois de lhe indicar as causas do perigo da
condenação, lhe disse muito grave: e depois, minha filha, que ingratidão! Há
dez anos que seu pobre pai está sofrendo no purgatório e não mandaram dizer uma
só Missa para o libertar!”.
Uma senhora
piedosa tinha um esposo indiferente em religião, mas não obstante homem bom e
honesto. Um dia, vítima de um colapso cardíaco, veio a falecer se nenhum sinal
de arrependimento. A pobre esposa, desolada, não tinha consolo. Julgava
perdida a alma do esposo. Assim ficou num horrível martírio e sem consolo
durante meses. Foi até Ars. O Santo, ao vê-la, foi logo dizendo: — “Minha senhora,
já se esqueceu dos ramalhetes de flores que ofereciam à Santíssima Virgem?” A
pobre senhora lembrou-se de que realmente ela o e esposo durante muito tempo
sempre ofereciam a uma imagem da Virgem uns ramalhetes de flores.
— Minha
filha, Deus teve piedade daquele que honrava tanto a sua Mãe. No momento da
morte seu marido teve um grande arrependimento. Sua alma está no purgatório.
Com orações e boas obras poderá libertá-lo.
Foi um
alívio para o coração da pobre viúva, que melhorou de saúde e adquiriu a paz da
alma.
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Fonte:
Tenhamos
Compaixão das Pobres Almas!
30
meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas, por Monsenhor Ascânio
Brandão
Livro de
1948 - 243 pags, Casa da U.P.C. Pouso Alegre
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