DURAÇÃO DO PURGATÓRIO
Quanto tempo?
Quanto
tempo deve ficar uma alma no purgatório? É uma pergunta impossível de
responder. Não temos e não podemos ter nenhum argumento ou definição da Igreja
e da teologia que nos possa garantir uma resposta certa a esta pergunta.
É um
mistério e depende muito do modo de encaramos a questão. Bem sabemos que na
eternidade não há mais tempo. Tempus jam non erit amplius. Como julgar o tempo
em relação ã eternidade? E demais, o sofrimento faz maior e mais difícil de
passar o tempo entre nós. Quantas vezes um minuto nos custa mais a passar que
longas horas? Pois o sofrimento horrível e intenso das pobres almas faz com que
os minutos lhes sejam anos e até séculos. Aqui, havemos de fazer como todos os
autores que tratam do purgatório: recorrer às revelações particulares. Elas nos
esclarecem, e algumas bem provadas e até sujeitas a processos canônicos
rigorosos, como as dos Santos canonizados, nos dão uma garantia de que não se
tratavam de ilusões ou fantasias mórbidas. Quanto à duração do purgatório, de
uma coisa podemos ter certeza, diz-nos Santo Agostinho: é que as penas
expiatórias não irão além do último Juízo no fim do mundo[1].
No século
XVI, um sábio teólogo dominicano, Domingos Soto, afirmou erradamente que a pena
do purgatório não poderia durar mais de dez anos. É uma opinião sem fundamento
e geralmente rejeitada. A Igreja supõe muitas vezes que as penas do purgatório
sejam longas, quando permite fundações de Missas e sufrágios por longos anos, e
celebram aniversários de vinte, trinta, cinquenta e mais anos. Permite
fundações perpétuas de Missas. Ninguém sabe, diz Cesário, quanto tempo, quantos
anos deverá ficar no purgatório uma alma. É para nós, diz São Roberto
Belarmino, coisa muito incerta. Poderíamos considerar duas espécies de duração
do purgatório — uma positiva e que corresponde à medida do tempo tal como o
contamos neste mundo, e outra fictícia ou imaginária, a que pensam as almas
pelo sofrimento que as faz perder toda noção do tempo. Daí o vermos em
revelações particulares pobres almas que estavam apenas algumas horas no
purgatório, queixarem-se de anos e até séculos de abandono naquelas chamas.
Eis alguns
exemplos de duração positiva segundo revelações particulares: Conta-se na vida
de Santo Tomás de Aquino que o mestre seu sucessor na cátedra de teologia de
Paris, depois de morto apareceu e disse que havia ficado quinze dias no
purgatório para expiar a negligência em executar o testamento de um Bispo. São
Vicente Ferrer assegura que há almas que ficaram no purgatório um ano inteiro
por um pecado venial. Segundo o testemunho de Santa Francisca de Pampeluna, a
maioria das almas do purgatório lá sofrem de trinta a quarenta anos. E muitos
outros exemplos poderia citar de autores muito graves. Muitos Santos viram
almas destinadas a sofrer no purgatório até o fim do mundo. Algumas revelações
particulares, observa o Padre Faber, nos levam a crer que a duração do
purgatório vai aumentando sempre mais à medida que a humanidade avança no
tempo. Há tanta falta de penitência hoje, tanto luxo e mundanismo!
Longo e breve purgatório
Segundo as
revelações particulares, há almas destinadas a um longo sofrimento nas chamas
do purgatório e outras passam brevemente pela expiação. Citemos exemplos:
Santa Verônica
Juliani fala de uma Irmã de seu convento que havia se oposto à reforma do
mosteiro e deveria ficar no purgatório tantos anos quantos passou neste mundo.
À Santa Margarida de Cortona, a grande penitente franciscana, disse Nosso
Senhor: “Alegra-te, minha filha, tua mãe
está livre do purgatório, onde ficou ela dez anos”. Como a Santa rezasse por
três defuntos que ela julgava estivessem salvos, revelou Jesus: “Estão salvos
por tuas orações e se livraram do inferno, mas ficarão vinte anos nas chamas do
purgatório”.
Santa
Lutgarda fez penitências por Simão Abade, cisterciense muito austero e duro
demais para com seus súditos. Deveria ficar no purgatório quarenta anos. À
Madre Francisca da Mãe de Deus — (1615- 1671) — Nosso Senhor mostrou um dia
quatro padres que estavam há mais de cinquenta anos no purgatório porque não
administraram bem e com respeito e piedade os Sacramentos.
Santa
Lutgarda viu no purgatório um dos Papas mais piedosos e ilustres da Igreja,
Inocêncio III. Este Papa apareceu à Santa dizendo que por algumas faltas no
governo da Igreja, deveria permanecer no purgatório até o fim do mundo. São
Roberto Belarmino examinou com muito cuidado as circunstâncias e a
autenticidade desta visão, e fala dela nas suas obras. Todavia, si há longas expiações,
outras pela misericórdia divina são muito breves. Talvez tenham sido mais
intensas. Santa Teresa, na sua Vida ou autobiografia, fala-nos numa Carmelita
fervorosa que só passou dois dias no purgatório. Uma outra, muito paciente na
doença, ficou apenas quatro horas na expiação. Um Irmão coadjutor da Companhia
de Jesus morreu à noite e ficou no purgatório apenas até à Missa do dia
seguinte[2].
Santa
Margarida Maria Alacoque, a vidente do Sagrado Coração de Jesus, viu o seu
Diretor espiritual, o Santo Padre La Colombière, passar algumas horas nas
chamas expiatórias por ligeiras faltas. E se trata de um Santo!
O Santo
Cura d’Ars, segundo Mons. Trochu[3] nos diz, teve muitas vezes intuições
admiráveis do tempo que muitas almas deveriam ficar no purgatório. Perguntaram
ao Santo si uma doente se havia de curar. Quem perguntou ignorava que a enferma
tivesse morrido. O Santo, que o sabia por inspiração do céu, respondeu logo:
“Ela já recebeu a recompensa”.
As almas
simples e humildes, e sobretudo as que muito sofreram neste mundo com paciência
e se confortaram perfeitamente com a vontade de Deus, podem ter um purgatório
muitíssimo abreviado, às vezes de horas. É o que nos dizem inúmeras revelações
particulares. Até Santos passaram ligeiramente pelo purgatório. Tal se conta de
São Severino, Arcebispo de Colônia. Era um grande servo de Deus, admirável
pelas suas virtudes e até pelos milagres que fez. Depois da morte, apareceu a
um Cônego da sua catedral para lhe pedir orações. Estava no purgatório por instantes,
por ter rezado com alguma precipitação.
Conclusões
Que havemos
de concluir, quando meditamos na duração do purgatório? Primeiramente,
procurarmos ter mais zelo pela causa das almas sofredoras que tanto padecem
pelo nosso esquecimento. Somos muito fáceis em canonizar logo os mortos e
comodamente já não rezamos mais por eles sob a desculpa de que “já estão no
céu”. Ai! Não sabemos o que é a Justiça de Deus e até os mais santos têm contas
severas a dar ao Senhor depois desta vida.
São
Francisco de Sales tinha muito medo destas canonizações rápidas dos admiradores.
Estas boas almas, dizia ele, com seus elogios, imaginando que depois da minha
morte fui logo direito para o céu me farão sofrer no purgatório. Eis o que me
aproveitará a boa reputação de santo...
Santa
Teresa escreve no Prefácio do Livros das Fundações: “Pelo amor de Deus, eu peço
a cada pessoa que ler este meu livro, uma Ave Maria, a fim de que me ajude a
sair do purgatório e apresse a hora em que hei de gozar a vista de Nosso Senhor
Jesus Cristo”. Assim falaram Santos hoje canonizados e cuja morte por tantos
prodígios nos deixaram a certeza de que foram diretamente para o céu.
Por que
termos e presunção de terem ido diretamente para o céu nossos entes queridos,
embora virtuosos, e deixarmos de orar por eles? O piedoso e admirável fundador
das Conferências de São Vicente de Paulo, Frederico Ozanam, deixou no seu
testamento estas linhas: “Não vos deixeis levar por aqueles que vos disserem:
ele está no céu! Rezai sempre, por aquele que muito vos ama, mas que muito
pecou. Com o auxílio de vossas orações eu deixarei a terra com menos temor”.
Santo
Agostinho pede orações por alma de Mônica, sua mãe, e de Patrício, seu pai, a
todos os leitores das suas Confissões. O ilustrado e piedoso Padre Perreyve
deixa esta recomendação: “Peço aos meus amigos que rezem por mim muito tempo
depois da minha morte. Que eles não digam como se costuma dizer muitas vezes e
com muita pressa: está no céu! Que rezem muito por mim, sim, eu lhes peço
encarecidamente”.
Não
canonizemos tão depressa os nossos mortos e mesmo aqueles que vimos ter a morte
dos justos; rezemos muito por eles. Nunca nos descuidemos do sufrágio dos
mortos, porque já fizemos muito durante algum tempo, já mandamos celebrar umas
poucas Missas e rezamos umas tantas orações e os julgamos já no paraíso com isto.
Ignoramos o rigor da Justiça de Deus. E demais, si nossas Santas Missas mandadas
celebrar, nossas orações e penitências não servirem mais para as almas pelas
quais rezamos, não irão ajudar tantas almas sofredoras?
Outra
conclusão que havemos de tirar de nossas reflexões sobre a duração das penas do
purgatório é a de cuidarmos mais da nossa perfeição e não sermos tão
presunçosos julgando-nos capazes de entrar logo no céu. Cuidado com esta
presunção, que nos pode acarretar um longo e doloroso purgatório!
Exemplo
Minutos que parecem séculos
São tão
dolorosas as penas do purgatório, que lá os minutos parecem séculos. Há nas
revelações paticulares tantos fatos impressionantes que comprovam isto. E
demais, que é a eternidade? Já não existe o tempo. Os minutos além desta vida
são séculos para os que padecem naquelas chamas expiatórias.
Conta Santo
Antonino que um enfermo, vítima de dores atrozes, pedia sempre a morte. Julgava
os seus sofrimentos terríveis e acima de toda força humana. Um Anjo lhe apareceu
e disse: Deus me mandou para te dizer que podes escolher um ano de dores na
terra, ou um só dia no purgatório. O enfermo escolheu um dia no purgatório. Foi
para o purgatório. O Anjo o foi consolar e ouviu este gemido de dor: “Anjo ingrato, dissestes que ficaria no
purgatório um só dia e sinto que estou já aqui há longos vinte anos pelo
menos... Meu Deus, como sofro!”. O Anjo responde: Como te enganas! Teu
corpo está ainda na terra sem ter baixado à sepultura. A misericórdia de Deus
te concede ainda voltar para um ano de doença na terra. Queres?
— Mil
vezes, sofrimentos maiores ainda na minha doença.
Ressuscitou
e durante um ano sofreu horrorosamente, mas com uma paciência heroica até à
morte.
Este fato
foi contado por Santo Antonino de Florença, o prodigioso taumaturgo.
Deu-se
também um impressionante fato com São Paulo da Cruz. O Santo estava em oração
na cela, quando sentiu que lhe batiam com muita força na porta. Não quis
atender, pensando ser o diabo que às vezes lhe perturbava a oração: — Em nome
de Deus retira-te, Satanás! Grita São Paulo, mas o batido continua: — Que
queres de mim? Pergunta.
— Quanto
sofro! Quanto sofro, meu Deus! Sou a alma daquele padre falecido. Há tanto
tempo estou num oceano de fogo, há quanto tempo!... Parecem mil anos!
São Paulo
da Cruz o reconheceu logo e respondeu, admirado: “O que me diz?!... Meu padre,
faz um quarto de hora apenas que faleceu e já me fala em mil anos!
O pobre
sacerdote do purgatório pediu sufrágios e orações, e desapareceu. São Paulo da
Cruz, comovido e banhado em lágrimas, tomou a disciplina e se bateu, até
banhar-se em sangue. No dia seguinte, logo pela manhã, celebrou pelo defunto e
viu-o entrar triunfante no céu, na hora da Comunhão.
[1] De
civitate Dei — Lib. XXI, caps. XIII e XVI.
[2] M.
Jugie — Le Purgatoire.
[3]
Intuitions du Curé d’Ars.
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Fonte:
Tenhamos
Compaixão das Pobres Almas!
30
meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas, por Monsenhor Ascânio
Brandão
Livro de
1948 - 243 pags, Casa da U.P.C. Pouso Alegre
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