O SOFRIMENTO DO PURGATÓRIO
Sofrimento terrível
Exclamava Jó, o profeta, e com ele repetem as
santas almas do purgatório: Miseremini mei! Saltem vos amici mei, quia manus
Domini tetigit me! — Tende compaixão de mim! Tende compaixão de mim! Ao menos
vós que sois meus amigos, porque a mão de Deus me feriu!
Sim, a Justiça de Deus fere as benditas almas
para as purificar e santificar e torná-las dignas do esplendor da glória
celeste e da visão de Deus. E que sofrimentos incríveis padecem elas! Que fogo
devorador! Fogo que acrisola o ouro e prepara os eleitos para a visão divina, a
glória eterna!
Sofrer é a condição das almas do purgatório.
Pertencem elas à Igreja padecente. Desde que o pecado entrou no mundo, só pela
cruz Jesus nos salvou, e só pelo fogo do sofrimento chegamos ao céu. O
purgatório foi chamado o oitavo sacramento do fogo. Sacramento da misericórdia
na outra vida.
As almas do purgatório, diz o Pe. Faber,
estão num estado de sofrimento que a nada se pode comparar e nem se pode fazer
uma idéia.
Segundo Santo Tomás e Santo Agostinho,
quanto ao sofrimento, as penas do purgatório são análogas às do inferno.
Santa
Catarina de Genova, após uma visão do purgatório, exclama: Que
coisa terrível é o purgatório! Confesso que nada posso dizer e nem conceber que
se aproxime sequer da realidade. Vejo que as penas que lá padecem as almas são
tão dolorosas como as penas do inferno[1].
O purgatório tem penas, diz a autoridade de
Santo Tomás de Aquino, penas que ultrapassam a todos os sofrimentos deste
mundo[2].
É o mais
horroroso de todos os martírios.
E como não
hão de clamar as benditas almas das profundezas do abismo das chamas
expiadoras: Miseremini mei! Miseremini mei! — Tende compaixão de mim!
Segundo os teólogos e autores abalizados, as
almas do purgatório sofrem tanto que não há na linguagem humana o que possa
traduzir os tormentos terríveis que padecem. Santa Catarina de Genova, chamada
a teóloga do purgatório, a quem Nosso Senhor revelou o sofrimento da expiação
dos justos, diz ser impossível traduzir na linguagem humana e o nosso
entendimento não pode conceber tal sofrimento. É preciso uma graça e uma
iluminação especial de Deus para compreender estas coisas, dizia a Santa.
“É pior que
todos os martírios”, disse o Padre Faber.
“As penas
do purgatório são passageiras, não são eternas, diz São Gregório Magno, mas
creio que são mais terríveis e insuportáveis que todos os males desta vida”.
Domingos Soto escreveu: “Se o homem tivesse
de suportar os tormentos do purgatório, a dor o mataria num instante. A alma
imortal por sua natureza torna-se mais forte pela separação do corpo orgânico e
por isto tem capacidade para tanto sofrimento”.
Há dois sofrimentos, duas penas principais no
purgatório: a pena do dano ou separação de Deus, e a pena do sentido, tormento
do fogo.
A pena do dano
Que é a
pena do dano que padecem as almas do purgatório?
É a que sofrem por se verem privadas da visão
de Deus no céu. A visão intuitiva que consiste na felicidade de ver a Deus
como é, segundo a palavra de São Paulo: videbimus eum sicuti est. Não ver a
Deus, cuja beleza soberana e cuja bondade elas compreendem agora de modo tão
claro e sentem ser Ele o Soberano Bem, único desejável e a suprema Beleza,
única que pode encantar uma alma!
Pois separada do Soberano Bem, a alma sente
um horrível martírio mais insuportável do que todos os tormentos que possa
padecer e até do fogo do purgatório em que se acha.
Santo Tomás de Aquino tratando da pena do
dano, diz ser mais insuportável, maior e mais terrível que a pena do sentido.
Não ver a Deus, não possuir este Deus, único encanto da pobre alma que já não
tem mais nada que a possa seduzir ou enganar, e deixá-la esquecida da Suprema
Felicidade! Aqui neste mundo a tibieza, o apego à terra e nossa fraqueza, fazem
com que muitas vezes nos esqueçamos de Deus e vivamos sem sentir e nem imaginar
sequer o que seja estar separado de Deus. Há quem não possa sequer imaginar o
que possa haver de sofrimento nesta ausência de Deus que é a pena do dano.
Porém, ai! Quando a alma separada deste corpo mortal sentir a necessidade de
voar para Deus, de possuir a Deus, atraída pelo Bem Infinito, sedenta da posse
de Deus e da Eternidade, então há de sentir, há de perceber quanto é doloroso e
horrível estar um minuto que seja separada do Bem Soberano, separada de Deus! É
a horrível pena do dano.
“Sentir um
ímpeto de ir para Deus sem o poder satisfazer, isto, diz Santa Catarina de
Genova, é o maior sofrimento que se possa imaginar, é propriamente o
purgatório. Este estado é um estado de morte, uma angústia inenarrável”[3].
A Liturgia da Igreja chama-o com razão de
morte: Libera eas a morte...
Sabeis o que é o suplício de quem está
sufocado e não pode respirar? Que horror! A alma está como sufocada, não pode
respirar o que é a vida e razão de ser, Deus, o Infinito, o Eterno, o Paraíso!
A pobre alma no purgatório se precipita no tormento e no fogo, quer se
purificar, suspira pelo Bem Eterno, sofre e sofre, mas deseja mais sofrimento
para que chegue logo a hora de contemplar o seu Deus, a Eterna Beleza que o
atormenta naquelas chamas da expiação!
Tem-se visto neste mundo, escreveu Mons.
Bougaud,[4] afeições tão profundas, almas que se amavam e não puderam suportar
a separação e morreram de dor. Que não será no purgatório? Podemos dizer que si
Deus por um milagre da sua Onipotência não sustentasse as almas do purgatório,
elas ficariam aniquiladas de dor longe daquele Deus que amam apaixonadamente.
Si compreendêssemos melhor como é horrível a separação de Deus! Si como os
Santos experimentássemos as provações da vida mística, o tormento de se sentir
ausente de Deus, saberíamos avaliar o que é e o que faz sofrer esta terrível
pena do dano!
O fogo do purgatório
Além do sofrimento da pena do dano ou da privação
da vista de Deus, da posse da visão beatífica, a Igreja nada definiu sobre a
natureza das outras penas do purgatório. O Concilio de Florença diz que as
almas são privadas temporariamente da visão beatífica e são purificadas de
toda mancha por penas expiadoras e purificadoras. Dentre estas penas está a dos sentidos, e
comumente concordam quase todos os autores, se trata da pena do fogo. Há fogo
no purgatório e um fogo terrível criado pela Justiça Divina para purificação
dos justos, para acrisolar o ouro das almas. Os teólogos em geral e em sentença
comum, afirmam que se trata de um fogo verdadeiro e não metafórico. Fogo que
queima mil vezes mais que o fogo da terra, que comparado a ele não é mais do
que o de uma pintura para a realidade. Os Santos Padres e os Teólogos
escolásticos admitem o fogo real. Como pode um fogo material atormentar a alma
que é espiritual? É um mistério. Todavia, não temos um outro mistério que é o
da alma espiritual agir sobre o corpo material? Por que a Justiça de Deus não
poderia fazer com que o fogo material agisse sobre a alma espiritual? Diz
claramente Santo Tomás de Aquino: “No
purgatório há dois sofrimentos: a pena do dano, que consiste no retardamento da
visão de Deus, e a pena dos sentidos, castigo proveniente de um fogo material”[5].
A questão do fogo do purgatório foi muito discutida
no século IV. Santo Agostinho conclui pela existência do fogo material. No
século XIII Santo Tomás segue a opinião de Santo Agostinho. A pena do fogo!
Como é terrível! Não é menor em intensidade do que o fogo do inferno. Este
fogo, diz São Gregório Magno, instrumento da Divina Justiça, faz sofrer mais
tormentos e muito mais cruéis do que tudo quanto Sofreram os mártires nos
suplícios inimagináveis.
As maiores dores são as que afetam a alma, comenta
Santo Tomás. Toda a sensibilidade do corpo vem da alma. O que não será uma dor
que vem ferir diretamente a alma? Pois o fogo material, fogo misterioso, dotado
de um poder extraordinário, pela Justiça Divina, atinge diretamente a alma e a
fere dolorosamente. Que fogo, meu Deus! Que castigo tremendo! Como sofrem as
pobres almas nesta fornalha abrasadora! Tantas revelações particulares nos
mostram o fogo do purgatório, fogo real, fogo terrível. Verdadeiro fogo.
Porque discutir quando a unanimidade quase
dos Doutores e Santos Padres e tantos teólogos seguros nos falam com uma
eloquência tão impressionante da realidade do fogo do purgatório? São
Boaventura escreve: “O fogo do purgatório é um fogo material que atormenta a
alma dos justos que não fizeram penitência neste mundo. Fogo! Esta palavra faz
tremer. Já exclamava Isaias: quem dentre
vós poderá habitar em meio de um fogo devorador? (Is 33,14) Façamos
penitência agora, aliviemos o fogo de nosso purgatório. É terrível o fogo que
nos espera!
Exemplo
Uma aparição
Não podemos
saber neste mundo com certeza e nem é necessário saber como é e o que é o fogo
do purgatório. O que sabemos é que a Sagrada Escritura muitas vezes nos fala do
fogo para nos dar a entender que seremos castigados e expiaremos nossas faltas
nos rigores da Divina Justiça para nos purificarmos e sermos dignos de entrar
no céu. Se 0 fogo desta vida criado por Deus para nos servir já é terrível, que
não será o fogo da Divina Justiça?
O fato seguinte é narrado pelo piedoso
Monsenhor De Segur.
Em 1870, diz o piedoso prelado, eu vi e
toquei em Foligno, perto de Assis, na Itália, uma destas terríveis provas de
fogo pelas quais as almas do purgatório, por permissão de Deus, às vezes
atestam que o fogo do purgatório é um fogo real. Em 1859 morreu de uma
apoplexia fulminante a boa Irmã Teresa Gesta, que durante longos anos foi
mestra de Noviças. Doze dias depois, em 16 de Novembro, uma Irmã, chamada Ana
Felícia, subia à rouparia quando ouviu um angustioso e triste gemido: — Jesus!
Maria! Que é isto? Exclamou assustada a Irmã. Não havia acabado de falar,
quando ouviu uma queixa: Ai! Meu Deus! Meu Deus! Quanto sofro! Irmã Ana
reconheceu logo a voz da defunta Irmã Teresa. Um cheiro sufocante de fumaça
encheu toda a rouparia e percebeu-se o vulto da Irmã Teresa que se dirigia para
a porta e tocava na mesma com a mão direita, dizendo: Aqui fica a prova da
misericórdia de Deus. E na madeira da porta ficou carbonizada e impressa a mão
da defunta, que desapareceu. Irmã Ana pôs-se a gritar numa grande excitação
nervosa. A comunidade correu para acudi-la e sentia-se um cheiro sufocante de
fumaça. A Irmã conta o que se passa e reconhecem todas, na mão pequenina
gravada no portal, a mão da Irmã Teresa, que se distinguia muito pela sua
pequenez e delicadeza. As Irmãs, comovidas, vão ao coro e oram pela defunta.
Passam a noite em oração e penitências em sufrágio da saudosa mestra de
noviças. No dia seguinte oferecem a Santa Comunhão por aquela alma. Mais um dia
se passa e Irmã Ana Felícia ouve e vê depois Irmã Teresa radiante de glória
toda bela, que lhe diz com doce voz: “Vou para a glória! Sede fortes e
corajosas na luta, fortes em carregar a cruz!” E desapareceu numa luz
brilhantíssima.
Este fato portentoso é narrado por Monsenhor
de Segur, que visitou o Convento das Terceiras Regulares Franciscanas daquela
cidade, foi submetido a um rigoroso processo ordenado pelo Bispo de Foligmno em
23 de Novembro de 1859.
[1]
Purgatório, o. VIII.
[2] Sum. Theol. supp. quaestio, c.
X, art. 3.
[3] Traité du Part., II.
[4] Le Christianisme et lês temps
presents. — Tomo V, c. XIV.
[5] Suppl.
quaest. c, art. 3.
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Fonte:
Tenhamos
Compaixão das Pobres Almas!
30
meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas, por Monsenhor Ascânio
Brandão
Livro de
1948 - 243 pags, Casa da U.P.C. Pouso Alegre
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