O
PURGATÓRIO
A
justiça e a misericórdia
Existe o purgatório, isto é, um lugar de
expiação onde se purificam as almas para a visão beatifica.
Quem é digno de subir à Montanha Santa? Quis
ascendit in montem Domini? Quanta santidade e pureza de vida exige o
Senhor dos que há de admitir à sua presença, à presença daquele Deus três vezes
santo, ante o qual os serafins cobrem as faces com suas asas e os céus
repetem: Sanctus, Sanctus, Sanctus — Santo, Santo é o Senhor
Deus dos Exércitos!
A pobre criatura humana tão miserável nem
sempre, ao deixar a terra, é bastante pura e santa e merece a presença do
Senhor, a visão beatífica. E também como há de ser condenada às chamas eternas
a alma que, embora não tivesse pago a dívida dos seus enormes pecados na
penitência desta vida, não é todavia merecedora do castigo eterno? Há de entrar
no céu? Não. Lá só se encontram os santos e os puros de coração. E que pureza
angélica requer a divina Justiça para o céu!
Há de ser condenada ao inferno? Oh! Não. A
misericórdia divina jamais o permitiria. Faltas veniais, imperfeições, falta
de penitência dos pecados
graves, tudo isto, é bem verdade, exige
castigo e sem a penitência não se há de entrar no céu. Porém, a Justiça e a
Misericórdia divina se uniram — Justitia et pax osculatae sunt. — E
inventaram uma obra-prima desta mesma justiça e desta misericórdia infinitas
do Senhor.
O pecado será castigado, a dívida exigida
pela justiça será paga até o último ceitil, mas a infinita misericórdia há de
salvar a pobre alma culpada, há de lhe abrir um dia as portas do céu.
Existe um purgatório!
Não é consoladora e racional a doutrina da
Igreja neste dogma?
A
Sagrada Escritura
A oração pelos mortos e a existência de um lugar
de expiação, claramente se encontram afirmadas nos livros santos. Recordemos o
texto do livro segundo os Macabeus (12-43-36) e que serve de epístola na
missa do aniversário dos defuntos:
“Naqueles dias, o varão forte chamado Judas,
havendo feito um peditório, recolheu a quantia de doze mil dracmas, que enviou
para Jerusalém, para ser oferecido um sacrifício pelos pecados dos mortos; pois
ele possuía bons e religiosos sentimentos acerca da ressurreição (e, com
efeito, se ele não esperasse que aqueles que haviam sucumbido ressuscitassem um
dia, teria pensado que era vão e supérfluo orar pelos mortos). Assim, ele
acreditava que uma abundante misericórdia estava reservada para aqueles que
morressem piedosamente; pois, na verdade, é um santo e salutar pensamento orar
pelos mortos, para que sejam livres dos seus pecados”.
Que se conclui do texto sagrado? Há um lugar
de expiação e podemos orar pelos mortos, pois é santo e salutar este
pensamento.
E o Evangelho? Algum texto deste livro de todos
o mais sagrado, prova a existência do purgatório? Sim, segundo os mais
autorizados comentadores e Santos Padres, este ponto da nossa fé não deixou de
ser afirmado por Nosso Senhor. (“Aquele que blasfemar contra o Espírito Santo,
diz Jesus, não será perdoado nem neste mundo nem no outro”).
Logo, há pecados que são perdoados no outro
mundo, isto é, são expiados no purgatório.
“Não hesites em fazer as pazes com teu adversário,
diz Jesus, enquanto estiveres em caminho com ele, para que não vá te entregar
ao oficial da Justiça e sejas lançado no cárcere. Em verdade te digo, daí não
sairás enquanto não houveres pago o último ceitil”.
Estas palavras nos indicam a existência na
vida futura de um lugar onde se pagam as dívidas morais, isto é, o purgatório.
O Apóstolo dos gentios diz que aqueles que
misturaram nas obras de Deus as preocupações do amor próprio, serão salvos, mas
passando pelo fogo.
Notai bem: serão salvos. Portanto, não serão
condenados ao inferno, mas passarão pelo fogo, isto é, hão de sofrer e se
purificar. — Eis o purgatório.
Os
Santos Padres e os Concílios
Desde Orígenes e Tertuliano, encontramos nos
Santos Padres a prova de que a crença do purgatório sempre existiu na Igreja,
desde os tempos primitivos. As inscrições das catacumbas demonstram que oravam
os primeiros cristãos pelos mortos. Tertuliano exorta uma viúva cristã a
conservar pelo falecido esposo a mesma ternura, rezando por ele.
Perguntaram a São João Crisóstomo o que era
preciso fazer pelos defuntos. Respondeu ele: “É preciso ajudá-los com ardentes
súplicas e especialmente com a prece litúrgica por excelência, o Santo Sacrifício
da Missa”. Santo Ambrosio diz o mesmo, escrevendo a Faustino: “Chorai menos e
rezai mais. Derramais lágrimas, isto é permitido, mas não deixeis de
recomendar ao Senhor a irmã querida que vos deixou”.
Diversos Padres da Igreja afirmam claramente
o que a Escritura e a tradição demonstram: a existência do purgatório.
Em Cartago, São Cipriano, no século terceiro,
fala do sufrágio dos mortos que ele recebera da tradição dos seus
predecessores.
Santo Agostinho louva a Parchius porque em
vez de rosas, lírios e violetas sobre os túmulos, derrama o perfume da esmola
sobre as cinzas dos mortos queridos. E diz mais claramente, num sermão aos
seus diocesanos de Hipona: “Não há dúvida que as orações da Igreja e o
sacrifício salutar e as esmolas dos fiéis ajudam os defuntos a serem tratados
mais docemente do que mereciam os seus pecados”.
O que aprendemos de nossos pais, diz o Santo
Doutor, e o que a Igreja Universal observa, é fazer memória no sacrifício dos
que morreram na Comunhão do Corpo e do Sangue de Cristo, e rezar e oferecer
por eles o Sacrifício. Pede orações no santo altar pela alma de Monica, sua
mãe.
Recomendemos a Deus, diz São Gregório
Nazianzeno, as almas dos fiéis que chegaram antes de nós ao lugar do repouso.
São Cirilo escreve: “Não é por lágrimas que
se socorre um defunto, mas pelas orações e as esmolas. Não deixeis de assistir
os mortos, rezando por eles”.
E muitos outros Padres da Igreja afirmaram
claramente a existência do purgatório e a eficácia dos nossos sufrágios. Agora,
vejamos a autoridade dos Concílios.
Inúmeras assembléias provinciais e ecumênicas
afirmaram o dogma do purgatório e recomendaram os sufrágios e orações pelas
almas. Assim os Concílios provinciais de Cartago — ano 312 — Canon 29 — o de
Orleans em 533 — Canon 14 — o de Praga em 563 — Canon 34 — Chalons sur Saône cm
580 e os Concílios ecumênicos de Latrão, Florença e sobretudo o Concilio de
Trento não definiu a natureza apenas do purgatório, mas afirmou os pontos
essenciais do dogma da seguinte forma: Como a Igreja católica de conformidade
com a Sagrada Escritura e a antiga tradição dos Padres ensinou nos Concílios
anteriores e no presente sínodo universal que existe um lugar de expiação, e
que as almas ali encerradas podem ser aliviadas pelos sufrágios dos fiéis e
principalmente pelo Sacrifício do Altar, o Santo Concílio ordena aos bispos
que tomem cuidado para que uma pura doutrina no que respeita ao purgatório, conforme
a tradição dos Santos Padres e dos Concílios, seja acreditada e sustentada por
todos os que pertencem à Igreja e seja ensinada e pregada em toda parte. As
questões difíceis e árduas neste ponto que não poderiam servir para a
edificação e nem favorecer a piedade, devem ser evitadas nas exortações ao
povo. É mister também evitar a exposição de opiniões incertas e com aparência
de erro. E definindo, conclui: se alguém disser que a graça da Justificação, a
culpa e a pena eternas são de tal modo perdoadas ao penitente, que não resta
pena temporal a sofrer neste mundo e no outro no purgatório antes de entrar no
reino do céu, seja anátema.
E outro Canon: “Se alguém disser que o Santo
Sacrifício da Missa não deve ser oferecido pelos vivos e os mortos, pelos
pecados e penas, as satisfações e outras necessidade, seja anátema”.
Eis aí toda a doutrina da Igreja sobre o
purgatório. Que se conclui então? Há só dois pontos, perfeita e claramente
definidos, e que somos obrigados a crer: 1) — Existe um lugar de purificação
temporária para as almas justificadas que saem desta vida sem completa
penitência dos seus pecados. 2) — Os sufrágios dos fiéis e especialmente o
Santo Sacrifício da Missa são úteis às almas.
Eis aí, em síntese, a consoladora doutrina da
Igreja sobre o dogma do purgatório.
Exemplo
Santa
Perpétua e o purgatório
Já nos primeiros séculos, segundo o
testemunho de Tertuliano e dos Santos Padres e os monumentos, os cristãos
sufragavam os mortos com orações, e pelo Santo Sacrifício da Missa celebrado
sobre as sepulturas. Nas inscrições e, nos epitáfios se encontram nas
catacumbas belas preces pelos mortos. No século IV em 302, Santa Perpétua nos
conta uma visão do purgatório. Diz ela:
“Estávamos em oração na prisão, depois da sentença
que nos condenava a sermos expostas às feras, e de repente chamei por Denócrato.
Era um meu irmão segundo a carne. Morrera com um câncer na face. A lembrança da
sua triste sorte me afligia. Fiquei admirada de me ter vindo à lembrança este irmão
e me pus a rezar por ele com todo fervor, gemendo diante de Deus. Na noite
seguinte, tive uma visão na qual vi Denócrato sair de um lugar
tenebroso no qual se acham muitas pessoas. Estava abatido e pálido, com a
úlcera que o levou à sepultura. Tinha uma grande sede. Junto de mim estava uma
bacia com água, mas ele em vão tentava beber e não conseguia. Conheci que meu
irmão estava sofrendo e era preciso rezar por ele. Pedi por ele dia e noite com
muitas lágrimas, para que fosse libertado. Alguns dias depois tive outra visão,
na qual Denócrato me apareceu todo brando, brilhante e belo, e se inclinou e
bebeu à vontade a água que antes não pude tirar. Conheci por isto que estava
livre do suplício”.
Eis um belo trecho que vem provar a antiguidade
da crença do purgatório.
Santo Agostinho reconhece a autenticidade das
Atas de Santa Perpétua e nota que o irmãozinho da Santa deveria ter cometido
alguma falta depois do batismo.
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