DEPOIS
DA MORTE...
Com a
morte tudo se acaba?
Sim, é
verdade, com a morte tudo se acaba. Lá se vão as riquezas, as honras, o luxo,
as glórias terrenas e até nosso pobre corpo tão miserável se transforma num
monturo asqueroso e horrível. Vamos ao pó donde viemos. Tu és pó e em
pó te hás de tornar. Seremos quanto ao corpo, nada, pó, um punhado de lodo.
Todavia, temos uma alma imortal, criada à imagem e semelhança de Deus, e esta
não se acaba. É espiritual. Separa-se do corpo que ela vivificou, mas não
morre. A morte não é mais do que a separação da alma do corpo. Então ne
m tudo
se acaba na morte. Fica o principal, a alma.
Fica tudo —
uma alma remida pelo Sangue de um Deus.
Não somos
um bruto que nasce, cresce, morre e desaparece num monturo para sempre.
Um amigo de
Sócrates, o célebre filósofo grego condenado à morte, perguntou-lhe antes que o
veneno da cicuta arrebatasse a preciosa vida:
— Tem algum
deseja para que o cumpramos? Porventura alguma disposição sobre o enterro?
— Que
querem? Meu amigo, pensam então em me sepultar? Podem enterrar meu corpo, mas a
mim não poderão sepultar.
Resposta de
um pagão consciente da sua imortalidade.
E nós,
cristãos, podemos com muito mais razão dizer: — sepultam nosso cadáver, nosso
pobre e miserável corpo. Ficamos nós, porém, vivos e imortais. Não morreremos.
Não morre nossa alma. A imortalidade de nossa alma é uma verdade tão clara, que
nunca houve povo tão bárbaro que nela deixasse de crer. Repugna e revolta ao
nosso ser todo, a idéia estúpida do materialismo apontando-nos a sepultura e um
punhado de pó como a única e última finalidade de nossa existência.
Com a morte
tudo se acaba?
Sim, quanto
ao corpo, até a ressurreição da carne no dia do Juízo.
E quanto à
alma, então sim é que tudo começa. Começa a eternidade...
A vida
passa depressa. Somos crianças neste mundo, sempre iludidos pelas bagatelas e
loucuras do pecado. Andamos à caça de borboletas de ilusões. Depois...
depois... Virá a hora da despedida de tudo quanto é terreno. E havemos de
partir para a casa da nossa eternidade.
Diz a
Escritura: Irá o homem para a casa da sua eternidade.
Ora, morrer
é, pois, ir para a casa. Deus é Pai. Iremos pois então para a casa
de nosso Pai. Haverá coisa mais bela e mais consoladora? Como é bela a
esperança cristã!
E como é
horrível o materialismo a considerar o túmulo um punhado de lodo, o último e
fatal destino de um homem!
E
depois?
Depois,
quando nossa alma se separar do corpo, o que constitui a morte, todos nós
compareceremos ante o Tribunal Divino e seremos julgados. Omnes
stabimus ante tribunal Domini nostri Jesu Christi! Que dia aquele e
que hora tremenda a da sentença! Estaremos em face de duas eternidades: Céu ou
Inferno! Post hoc judicium... Depois da morte o Juízo. Daremos
contas severas a Deus de tudo. Nossa vida inteira se passou na presença do
Senhor que tudo sabe e penetra até os nossos mais secretos pensamentos. “Cada
dia, escreveu Bossuet, cada instante a Justiça de Deus registrou
nossas ações. Cada momento de nossa existência, cada respiração, cada batida
de nosso pulso, si assim posso me exprimir, cada manifestação de nosso
pensamento tem consequências eternas. E toda esta história sem igual nos será
apresentada um dia”.
Sim, toda a
nossa vida, e até as nossas mais secretas intenções irão ao Tribunal de Deus,
no dia e na hora em que nossa alma se separar deste corpo de morte. Quem é o
Juiz? Deus Santo, a Santidade em essência, Deus que tudo sabe e tudo vê, Deus
que num instante nos apresenta toda a nossa vida, com seus pecados e misérias, bem
como as boas obras que fizemos ou deixamos de fazer. Daremos conta também do
abuso da Graça e dos pecados de omissão. Meu Deus! Meu Deus! Que tremendo Juízo
nos está reservado! Que responsabilidade a do cristão em face da morte! Será a
morte apenas um estúpido aniquilamento? Será uma podridão de vermes numa
sepultura, e nada mais além disto? Ó não, mil vezes não!
A morte é a
porta da eternidade, e ela nos lança, despojados de tudo, sozinhos, com o peso
de nossos pecados ou de nossas boas obras, na face do Senhor, do Juiz eterno
dos vivos e dos mortos para sermos julgados. Já meditamos seriamente nisto? Já
pesamos a tremenda responsabilidade da vida? Entretanto, como se procede tão
levianamente em face da morte! Que insensatos são os homens quando nem querem
pensar na morte, e procuram se iludir para melhor viveram no pecado!
Daremos
contas a Deus de nossa vida. Exame rigoroso de tudo... até “de uma palavra
ociosa”, diz Nosso Senhor no Evangelho. E depois? Virá a sentença. Duas
eternidades: céu e inferno! Acreditam? Tanto melhor! Não acreditam? — Pois não
deixará de existir o inferno, nem o céu deixará de ser a mais consoladora das
realidades por que alguns materialistas ou cristãos degenerados não querem
crer. Iremos para a casa da nossa eternidade! Ibit homo ad domum
aeternitatis suae. Iremos, sim, mais cedo ou mais tarde. Estamos
preparados? Preparados para o Juízo? Então seremos salvos pela Divina
Misericórdia si a morte não nos encontrou no pecado e na inimizade de Deus.
Somos porém bem puros para comparecermos diante de Deus e entrarmos na vida
eterna? Ai! Quanta miséria e fragilidade! E fizemos tão pouca penitência,
neste mundo, dos nossos pecados! Resta-nos o purgatório. Para lá iremos quase
todos, iremos nos purificar, antes da recompensa eterna. Poderíamos dizer em
geral: depois do Juízo... o Purgatório!
No
purgatório...
Quando
levamos nossos mortos queridos à sepultura, costumamos dizer: descansaram!...
Sim, descansaram das fadigas e lutas desta vida que é um combate no dizer
expressivo de Jó: militia est vita hominis super terram — a vida do
homem neste mundo é um combate. Porém, descansaram já no seio de Deus?
Estão já no eterno repouso do céu? Ai! É tão grande a fragilidade humana, que
bem poucos, raríssimos, são os que deixam esta vida e entram logo no céu. Os
mortos entraram, sim, na paz do Senhor, mas na paz da Justiça, geralmente na
paz da expiação do purgatório. O purgatório é lugar da paz. Lá habita a doce
paz dos eleitos, dos que resignados e cheios de amor e de dor cumprem a
sentença e se purificam à espera do céu. Já se chamou ao purgatório, e com
razão, o vestíbulo do paraíso. É o pórtico da eternidade
bem-aventurada.
Sim, nossos
mortos descansaram, mas sofrem, e sofrem muito mais do que tudo quanto
padeceram nesta vida. O fogo das provações neste mundo, queima a palha. O fogo
do purgatório acrisola o ouro. É terrível! Em face da morte deveríamos pensar
na expiação das pobres almas que foram prestar contas a Deus e, talvez, sofram
no purgatório. Não digamos comodamente: estão no céu! estão no céu! Com isto
padecem almas no purgatório. Iremos meditar o que é e o que padecem as almas do
purgatório. A Igreja pelas lições impressionantes da sua Liturgia quer que
associemos ao pensamento da morte o da eternidade. E, diz o Prefácio da Missa
dos defuntos, si a condição da nossa morte nos entristece, console-nos
a promessa da imortalidade futura.
E depois,
quantas vezes gemendo sobre nós, clama: Dai-lhes, Senhor, o descanso
eterno! Dai-lhes o descanso eterno! Implora misericórdia para nossa pobre
alma, lembra o Juízo tremendo de Deus, e quer nos aliviar nas chamas expiadoras
do purgatório. Nunca meditemos na morte sem meditarmos no purgatório. É este o
sentido da Liturgia nos funerais.
Estas
preces tocantes e belas, estes ritos impressionantes e cheios de majestade,
lembram-nos a nossa dignidade de cristãos, a dignidade de nosso corpo, sacrário
de urna alma imortal e templo do Espírito Santo, destinado a ressuscitar um dia
e comparecer no Tribunal do Juízo. Lembram-nos a triste condição de urna pobre
alma ao comparecer diante de Deus, e implora misericórdia ao Juiz dos vivos e
dos mortos. Sim, não podemos, como cristãos e filhos da Igreja, separar o
pensamento da morte do da eternidade. E como sabemos qual é a Justiça de Deus,
não deixaremos de considerar que após a morte, aí vem o purgatório para quase
todos nós, e que lá na expiação, há muitas almas queridas pelas quais somos
obrigados a orar por dever de Justiça e de caridade. Eis pois, repito, o
sentido da meditação da morte e da Liturgia dos mortos. Não é um pensamento de
morte, não estão vendo? É ao invés um pensamento de vida. Vita mutatur
non tollitur, diz o Prefácio dos defuntos. A vida não foi tirada,
nem desapareceu, mudou-se apenas. De terrena passou a ser eterna. Eis como
o cristão pensa na morte!
Exemplo
As almas
do purgatório na hora da morte dos que as socorrem
É certo,
diz um autor, a ingratidão não pode existir no Purgatório. Aquelas benditas
almas hão de proteger e socorrer os que as aliviam nesta vida com seus
sufrágios. O célebre Cardeal Baronio conta que uma pessoa
devota das santas almas foi terrivelmente tentada na hora da morte. Estava
desolada e quase em estado de desespero, quando uma multidão de pessoas veio em
seu auxílio. Logo ficou livre de toda tentação e entrou em doce paz. Perguntou
curiosa:
— Que
multidão é esta que entrou aqui e na mesma hora senti tanto alicio e fui
socorrida pelo céu?
— Somos as
almas que tirastes do purgatório, responde uma doce voz, e viemos buscar vossa
alma para juntos entrarmos no céu.
Ao ouvir
estas palavras, a agonizante feliz sorriu e expirou.
São
Felipe Neri era também devotíssimo das almas, e, cheio de caridade,
nunca deixou de socorrê-las em toda sua vida. Muitas vezes lhe apareceram para
lhe testemunhar uma gratidão profunda. Depois da morte do Santo, um dos seus
confrades o viu na glória do céu, cercado de uma multidão de bem-aventurados no
esplendor da glória eterna.
— Que corte
é esta que vos cerca? Pergunta o Padre.
— São as
almas que livrei do purgatório e que salvei. Vieram me acompanhar na glória.
Um
dia Santa Brígida, numa visão que teve do purgatório, ouviu a voz
de um Anjo que descia do céu para consolar as almas e repetia:
—
Bendito seja aquele que ainda na terra enquanto vivo, ajuda as almas do
purgatório com suas orações e boas obras! A justiça de Deus exige que
necessariamente as almas sejam purificadas pelo fogo e as obras boas dos
amigos das almas as podem livrar do sofrimento.
Dos abismos
a Santa ouviu também esta súplica: “Ó Cristo Jesus, nosso Juiz
justíssimo, em nome da vossa misericórdia infinita não olheis as nossas faltas
que são inumeráveis, mas os méritos do vosso Preciosíssimo Sangue na Paixão!
Senhor, fazei que os eclesiásticos, religiosos e prelados, com um sentimento
de caridade que vós lhe dareis, venham nos socorrer em nossa triste situação
por suas orações, esmolas e indulgências, que eles nos tirem de nossa triste
situação”.
Outras
vozes respondiam agradecidas: Graças, mil graças, Senhor, a todos os
que nos aliviam em nossas desgraças. Senhor, que o vosso poder pague o cêntuplo
aos nossos benfeitores que nos levaram a vossa eterna e divina luz.
Era a voz
da gratidão do purgatório.
Na morte e
depois da morte seremos recompensados pelo que tivermos feito em sufrágio das
benditas almas do purgatório.
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Fonte:
Tenhamos Compaixão das Pobres Almas!
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas, por Monsenhor Ascânio Brandão
Livro de 1948 - 243 pags, Casa da U.P.C. Pouso Alegre
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