Vai São José com a
Virgem e seu Filho a Jerusalém;
Fica o Menino
Jesus oculto no templo três dias;
Como religioso
observador da Lei, ia todos os anos o gloriosíssimo São José ao Templo de
Jerusalém celebrar as solenes festividades, que Deus instituíra no povo de
Israel; e, ainda que este preceito não obrigava as mulheres, a piedosíssima
Virgem sempre acompanhava, nestas romarias a seu Santo Esposo.
Contava já o
Menino doze anos de idade; e, levando-o seus santíssimos pais consigo para
assistir à Festa da Páscoa, que era das mais solenes que se faziam, acabados os
sete dias daquela sagrada função, retiraram-se para Nazaré São José e a Virgem
Maria, cada um em grupo diferente, e imaginavam que Jesus, como era costume dos
mais meninos, viria na companhia de um deles; de sorte que à Virgem Maria
parecia-lhe, por uma conjectura provável, que seu amado Filho viria com São
José, e este julgava que teria vindo com a Virgem; o Menino, porém, deixou-se
ficar em Jerusalém.
Tinham andado os Divinos Esposos a distância percorrida em um dia, até que
chegando à pousada, onde se haviam de ajuntar todos, procurando ao Menino, não
o acharam. A aflição e sentimento, que o Santo Patriarca e sua Divina Esposa
tiveram na perda de seu Filho Santíssimo, foi imensa. Esta pena foi uma das
espadas, que Simeão lhe havia profetizado que transpassaria seu coração. Foi
tão cruel este tormento, que, não podendo expressá-lo o Evangelista com
palavras, usara de enfáticas admirações.
Com toda a diligência tratou logo o Santo de procurar o Menino, correndo por
uma e outra parte, cheio de grande pena, lágrimas e fadiga; e houvera chegado
sua vida a manifesto perigo, se a mão do Senhor o não confortara e a
prudentíssima Virgem o não consolasse e persuadisse a descansar algum pouco;
porque o verdadeiro e grande afeto, que São José tinha ao Menino Deus, o
incitava, com veemência, a buscá-lo, sem se lembrar de alimentar a vida, nem
socorrer a natureza debilitada, e isso por espaço de três dias em que o
procurou.
Depois de três dias contínuos de amarga ausência e diligente desvelo, buscando
São José e Maria Santíssima o inocente Cordeiro de Deus, já na sua pátria, já
entre os amigos e parentes, tornaram, enfim, a Jerusalém, e, por indícios,
foram achá-lo no Templo, sentado no ínfimo degrau e sobre as esteiras do
pavimento, entre os Doutores da Lei, como era costume, disputando matérias
concernentes à vinda do prometido Messias, combinando com tanto acerto e
magistério as Profecias e Escrituras referentes às condições dos seus
diferentes Adventos, que causava admiração aos mais sábios e soberbos Rabinos.
Chegaram nesta ocasião os aflitos pai, e, absortos ambos com a amável presença
de seu querido Filho, foi incomparável o gozo e alegria, que receberam aqueles
dois magoados corações; não há palavras que possam explicar bem o contentamento
que tiveram. Esperaram que se acabasse a controvérsia e desfizesse o maior
concurso; então, talvez ouvindo a muitos gabar a habilidade do Menino e vendo a
outros o abraçarem, chegando-se a Virgem a ele, lhe disse: Filho, que é isto,
que nos fizestes? Vosso pai e eu aflitos e lastimados vos andamos buscando até
agora.
A Virgem soberana, que sabia muito bem haver concebido do Espírito Santo, deu a
seu esposo São José o nome de pai de Cristo, não só para o honrar como cabeça
de sua casa, mas, porque, nomeando-o de outra maneira entre os que tinham a Cristo
por Filho natural de São José, não o julgassem por espúrio. Tão grande estima
fazia de São José, seu santo esposo, a Rainha do céu, que nem ainda no nome se
lhe antepunha. Recolhendo-se, finalmente, para Nazaré, alegres e contentes com
o Menino, a Senhora o levava pela mão da parte direita e São José da parte
esquerda, como receando que do Menino se tornassem a perder outra vez.
Sucintamente prossegue o Evangelista São Lucas esta história, pois, diz, nestas
poucas palavras, que a Virgem e seu Esposo voltaram para Nazaré com o Menino, e
que ele vivia sujeito e obediente às determinações de seus pais. São Bernardo,
suspenso na desigualdade infinita desta obediência de Cristo, exclama e diz: “É
possível que Deus, a quem os Anjos e todas as Potestades obedecem, esteja
sujeito a Maria, e não só a Maria, mas também a José?! Admirai destes dois
prodígios qual quiserdes, ou a profundíssima benignidade do Filho de Deus, ou
dos pais venturosos o altíssimo privilégio. De uma e outra parte na há senão pasmar”.
Atônito de tão admirável resignação, exclama também o grande Cancellario de
Paris: “Aquele Deus, a cuja presença se inclinam os mais eminentes Santos da
Igreja triunfante; aquele que é só e único Senhor do Universo, este (oh
maravilha!) se inclina, serve e corteja, de noite e de dia, no dilatado
progresso de trinta anos, a quando e quanto quer?! Mas não é muito de admirar
que Jesus Cristo quisesse fazer-se súdito de São José e de Maria Santíssima,
com ser o mesmo Senhor do céu e da terra, se veio ao mundo para exclamar da
obediência e humildade.
De tal sorte, obedecia o Filho de Deus a São José, e estava sujeito ao seu
mandado, como Filho obediente a seu pai, que, quando o Santo dizia, ou lhe
mandava fazer alguma coisa, logo ele a executava, porque de tal maneira trazia
oculto o poder da sua Divindade, que o não descobria. Confirma este inefável
domínio da parte do pai e obediência do Filho o que se lê na história dos
Católicos Orientais: “Eu (dizia Cristo) conversava e tratava com José em tudo,
como se fora como seu Filho semelhante a ele, e assim lhe obedecia como os
filhos obedecem a seus pais, sem nunca transgredir na mínima palavra, amando-o
tanto como a menina dos meus olhos”.
O mesmo afirma São Bernardino de Sena, dizendo que São José publicamente se
havia e portava com Cristo nas ações, no trato e no domínio, e Jesus na
obediência e sujeição, como se ele fora verdadeiro pai de Cristo, e Cristo seu
Filho verdadeiro. Estava-lhe o Menino tão obediente, pondera outro autor, e
tratava a seu pai com tanta reverência, que, quando o Santo o mandava a algum
recado, ou comprar alguma coisa, ao voltar para casa, se punha de joelhos e lhe
pedia a mão para beijá-la. Recusava-o São José com grande humildade, e instava
o Menino, dizendo que viera ao mundo dar exemplo e ensinar como deviam ser
tratados e servidos os pais. Então, estando o Menino de joelhos, o ditosíssimo
São José com grande respeito e tremendo, lhe dava a mão, e o Divino Infante a
beijava. Oh! Excesso de profunda humildade e obediência de Jesus Cristo!
Tanta era a veneração e respeito, que o Filho de Deus, feito homem, tinha ao
ditoso São José, que a título de sujeição filial, quando lhe falava, era sempre
inclinando a cabeça com grande reverência e acatamento, e lhe falava sempre com
meia inclinação; São José, porém, como verdadeiramente conhecia quanto Jesus
lhe era superior, não deixava também de lhe falar com temor e reverência. Esta
sujeição e obediência, que o Menino tinha a São José, foi, certamente, a suma
das suas grandezas e de suas honras, pois não pode cogitar-se maior
sublimidade, que obedecer a um homem aquele a quem obedecem todas as coisas do
Universo.
Cresce a glória e a honra de São José, dizendo-nos muitos Santos e Varões pios,
não sem profunda admiração, que, no exercício da sua arte, o ajudava também
Cristo para ganhar o sustento cotidiano, serrando, ou preparando madeiras
aquele mesmo artífice que fabricou o Universo com uma só palavra, e que,
depois, segundo a ponderação de Vieira, ajuntava e levava os cavacos à Mãe,
para que dos suores de ambos guisasse o de que se haviam de sustentar todos
três.
E ainda que alguns quiseram negar esta honra ao venturoso São José, o mais
provável foi que o Senhor, unindo a via contemplativa com a ativa, servia de
grande adjutório a seu pai na laboriosa ocupação do seu ofício, já lhe dando o
formão, a encho, a serra e o martelo, ou outros quaisquer instrumentos do seu
ministério, como Filho submisso e natural de São José no conceito dos que
ignoravam o Mistério da Encarnação, e assim fazer outras coisas próprias à sua
pessoa, para que também tivessem parte no trabalho do nosso Santo as mãos
sacrossantas do que fabricou os céus e sustenta com três dedos a maquina do
mundo, sem que isto o pudesse distrair da contemplação celestial em que andava
continuamente.
Os que vos viram, Senhor, na oficina de São José, obedecendo-lhe como seu
Filho, e ajudando-o no seu trabalho a serrar e aplainar madeiras, vos
desprezariam por serdes filho de um carpinteiro e oficial do mesmo ofício; mas
essa ocupação não era nova para vós, porque havia anos que tínheis recomendado
aos vossos Profetas o ofício de aplainar e cortar o áspero e supérfluo dos
homens para se poderem ajustar com lisura de Deus; mas porque vistes o pouco,
que aproveitaram eles, viestes a exercer o mesmo trabalho, e fazer o que víeis
fazer a vosso pai. Agistes como Filho de homem o mesmo que dissestes como Filho
de Deus.
Eu não duvido, diz São Bernardo de Salles, que os Anjos absortos de admiração
viessem, em formosas turmas, a considerar e admirar o Divino Menino na pobre
oficina de São José, onde exercitava seu ofício para sustentar o Filho e a Mãe,
que lhe estavam confiados. Esta companhia e assistência dos Anjos é mui
conforme ao que também escreveu a Venerável Madre de Ágreda, donde é natural,
que, vendo-se o Menino entre aqueles instrumentos e madeiras do seu ofício,
começasse a notar não só progresso da sua Paixão, mas os danos, que havia de
pagar naquele doce Lenho da Cruz, em desconto da desobediência de Adão na
árvore do Paraíso; assim o canta a Igreja.
Não causaria menor admiração aos Anjos, nem deixa menos absortos aos
entendimentos humanos, considerando, segundo o revelou a Senhora a Santa
Brígida, não só a Cristo ajudando nas ocupações fabris a São José, mas também
administrando à sua mesma pessoa; e assim não se desprezaria de lhe dar águas
às mãos, administrar-lhes a toalha para se enxugar, e chegar-lhe o banco para
se assentar à mesa, usando o venturo Santo da política Divina do Pai Eterno, o
qual, dando no céu a seu Unigênito o lugar da destra, como diz Davi no Salmo
109, é crível que São José, sentando-se à mesa, daria o mesmo lugar a Jesus
Cristo, dizendo-lhe: Filho, sentai-vos à minha mão direita.
Quem se não admira, pois, de tal grandeza e dignidade que São José, homem
mortal, tivesse a Cristo verdadeiro Deus por seu súdito, e ele obedecesse aos
seus preceitos como a verdadeiro pai, participando, cada vez mais intensamente,
dos incomparáveis favores, que lhe comunicava tão celestial companhia? Por
isso, se fora São José arrebatado ao céu, e lá estivesse entre os coros dos
Anjos, ouvindo-lhes cantar pelo espaço de trinta anos louvores a Deus, não
aproveitaria mais do que se utilizou, ouvindo a Cristo e a Maria Santíssima em
todo o tempo, que com eles viveu no mundo.
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A vida de São José
pela Associação de Adoração Contínua a Jesus Sacramentado - Livraria Francisco
Alves, 1927
http://almasdevotas.blogspot.com.br/2012_03_24_archive.html
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