A REENCARNAÇAO



A teoria da reencarnação ou da pluralidade das existências, chamada também "palingenesia", é certamente o ponto central de toda a doutrina espírita. AK chega a dizer que é um "dogma" (I, n. 171 e 222; IV, 264). Todo seu pensamento gira em tomo das vidas sucessivas. O progresso contínuo através da metensomatose", como diria Platão, é seu postulado básico. Se riscarmos de suas obras a reencarnação, sobrarão apenas cacos sem valor.
Ele mesmo a tem como "uma das mais importantes leis reveladas pelo espiritismo" (VI, 29).
Depois de sua morte, em 1870, seus amigos fizeram gravar no monumental dólmen do cemitério Pere-Lachaise, em Paris, o apotegma que resume sua doutrina: "Naitre, mourir, renaitre encore et progresser sans cesse: telle est la loi". Eis a síntese de seu pensamento: nascer, morrer, renascer de novo e progredir sem cessar: esta é a lei. 
É o motivo por que lhe dedico um capítulo especial. Mas meu propósito aqui é apenas confrontar as idéias reencarnacionistas com a mensagem cristã, sem entrar nas questões históricas, filosóficas e psicológicas, como fiz em O reencarnacionismo no Brasil (Vozes, Petrópolis, 1961).
A palavra "reencarnação", composta do prefixo re (designativo de repetição) e do verbo encarnar (tomar corpo), significa etmologicamente: tomar a tomar corpo. Designa a ação do ser espiritual (espírito ou alma) que já animou um corpo no passado, foi posteriormente dele separado pela morte e agora toma a informar ou vivificar um corpo novo. AK define assim: "A reencarnação é a volta da alma à vida corpórea, mas em outro corpo especialmente formado para ela e que nada tem de comum com o antigo" (IV, 67). Perguntando a seus "espíritos superiores", com os quais julgava estar em permanente contato, se nossas diversas existências corporais se verificam todas na terra, garante ter recebido esta resposta: "Não; vivemo-las em diferentes mundos. As que aqui passamos não são as primeiras, nem as últimas; são, porém, das
mais materiais e das mais distantes da perfeição" (I, n. 172).
Muito caminho, portanto, nos resta a percorrer. "Transportando-nos pelo pensamento às regiões do espaço além do arquipélago da nossa nebulosa, veremos em tomo de nós milhões de arquipélagos semelhantes e de formas diversas, contendo cada um milhões de sóis e centenas de milhões de mundos habitados" (IV, 124). De acordo com a lei geral do progresso, também os mundos progridem: "O progresso material de um planeta acompanha o progresso moral de seus habitantes. Ora, sendo incessante, como é, a criação dos mundos e dos espíritos e progredindo estes mais ou menos rapidamente, conforme o uso que façam do livre-arbítrio, segue-se que há mundos mais ou menos antigos, em graus diversos de adiantamento físico e moral, onde é mais ou menos material a encarnação e onde, por conseguinte, o trabalho, para os espíritos, é mais ou menos rude. Deste ponto de vista, a Terra é um dos mundos menos adiantados. Povoada de
espíritos relativamente inferiores, a vida corpórea é aí mais penosa do que noutros orbes,
havendo-os também mais atrasados, onde a existência é ainda mais penosa do que na Terra e em confronto com os quais esta seria, relativamente, um mundo ditoso" (VI, 206; cf. também II, 145). Aqui na Terra somos ao mesmo tempo "como escola de espíritos pouco adiantados e cárcere de espíritos criminosos" (II, 153).
Mas AK insiste neste ponto: "A pluralidade das existências, segundo o espiritismo, difere essencialmente da metempsicose, em não admitir aquele a encarnação da alma humana nos corpos dos animais, mesmo como castigo. Os espíritos ensinam que a a1ma não retrograda, mas progride sempre(II, 97; cf. I, n. 612). "Sendo o progresso uma condição da natureza humana, não está no poder do homem opor-se-lhe. É uma força viva, cuja ação pode ser retardada, porém não anulada, por leis humanas más" (I, n. 781).
É necessário assinalar, outrossim, que o espiritismo não nega o eventual castigo depois da morte. "O espiritismo não nega, antes confirma a penalidade futura. O que destrói é o inferno localizado com suas fornalhas e penas irremissíveis" (V, 63). "Seja qual for a duração do castigo, na vida espiritual ou na Terra, onde quer que se verifique, tem sempre um termo, próximo ou remoto. Na realidade não há para o espírito mais do que duas alternativas, a saber: 
punição temporária e proporcional à culpa e recompensa graduada,segundo o mérito. Repele o espiritismo a terceira alternativa, da eterna condenação. O inferno reduz-se à figura simbólica dos maiores sofrimentos cujo termo é desconhecido" (V, 64), mas virá certamente. Pois "a felicidade da criatura deve ser o fito do Criador , ou ele não seria bom. Ela atinge a felicidade pelo próprio mérito, que, adquirido, não mais se perde. O contrário seria uma degeneração" (V, 75).
É preciso insistir neste ponto, já que vai colidir com afirmações repetidas de Jesus, doutrina que a Igreja ensina como dogma de fé. Assim afirma AK: "Por este dogma a sorte das almas, irrevogavelmente fixada depois da morte, é, como tal, um travão definitivo aplicado ao progresso. Ora, a alma progride ou não? Eis a questão. Se progride, a eternidade das penas é impossível" (V, 77). "O dogma da eternidade absoluta das penas é, portanto, incompatível com o progresso das almas, ao qual opõe uma barreira insuperável. Esses dois princípios destroemse, e a condição indeclinável da existência de um é o aniquilamento do outro. Qual dos dois existe de fato? A lei do progresso é evidente: não é uma teoria, é um fato corroborado pela
experiência: é uma lei da natureza, divina, imprescritível. E, pois, se esta lei existe inconciliável
com a outra, é porque a outra não existe" (V, 78).
Pergunta AK aos "espíritos superiores": "O que fica sendo o espírito depois da última encarnação?" Resposta do além: "Espírito bem-aventurado; puro espírito" (I, n. 170). Para entender bem em que consiste este estado do puro espírito, é necessário recordar alguns princípios da antropologia espírita. Segundo a doutrina espírita o homem é composto de três elementos: alma, corpo e perispírito (I, n. 135; II, 108; III, 61). O corpo é essencialmente temporário ou transitório e em cada nova encarnação o espírito "reveste outro invólucro apropriado ao novo gênero de trabalho que lhe cabe executar" (VI, 198). Este corpo é novo, "especialmente formado e que nada tem de comum com o antigo" (IV, 67). Sua finalidade temporária é ajudar a alma na purificação: "O corpo é o alambique em que a alma tem que entrar para se purificar" (I n. 196) . "O espírito só se depura com o tempo, sendo as diversas encarnações o alambique em cujo fundo deixa de cada vez algumas impurezas" (VI, 64). A grande novidade na antropologia espírita é o perispírito: "É um invólucro fluídico, leve, Imponderável, servindo de laço e de intermediário entre o espírito e o corpo" (I, 108; cf. I, n. 135). Na hora da morte, quando a alma se desprende do corpo, ela não abandona o perispírito;
pois, ensina AK, sem o perispírito, o espírito não seria um ser concreto, determinado, real, mas seria um ser abstrato, indefinido, só possível de ser percebido pelo pensamento, seria, em suma, um ser mental, lógico apenas (I, 22; 11, 107, 108, 109, 112). "Não se pode conceber o espírito isolado da matéria" (II, 109). Mas "a constituição íntima do perispírito não é idêntica em todos os espíritos encarnados ou desencarnados" (VI, 264). Quanto mais o espírito se aperfeiçoa, menos grosseiro será o corpo e mais etéreo o perispírito. Por fim o espírito alcança um estado em que já não precisa de corpo e no qual o perispírito se toma tão etéreo "como se não existisse: esse o estado dos espíritos puros" (I, n. 186).
Estes espíritos puros e perfeitos "habitam certos mundos, mas não lhes ficam presos, como os homens na Terra; podem melhor do que os outros estar em toda parte" (I, n. 188). Parece que o habitat normal destes espíritos perfeitos é mesmo o sol. Pois AK nos garante que, segundo os espíritos por ele consultados, "o sol não seria mundo habitado por seres corpóreos, mas simplesmente um lugar de reunião dos espíritos superiores, os quais de lá irradiam pensamentos para os outros mundos, que eles dirigem por intermédio dos espíritos menos elevados, transmitindo-os a estes por meio do fluido universal... Todos os sóis como que estariam em situação análoga" (I, n. 188, nota; nesta nota observa ainda AK que muitos espíritos, que na
Terra animaram personalidades conhecidas, disseram estar reencarnados no planeta Júpiter, um dos mundos mais próximos da perfeição).
O espírito perfeito já não tem corpo. Segundo os reencarnacionistas não há união substancial entre corpo e alma, mas apenas união transitória e por isso acidental. "O espiritismo ensina-nos que a alma é independente do corpo, não passando este de temporário invólucro: a espiritualidade é-lhe a essência, e a sua vida normal é a vida espiritual. O corpo é apenas instrumento da alma para exercício das suas faculdades nas relações com o mundo material; separada deste corpo, goza dessas faculdades mais livre e altamente. A união entre alma e corpo, sem ser necessária aos primeiros progressos, só se opera no período que podemos classificar como da sua infância e adolescência; atingido, porém, que seja, um certo grau de perfeição e desmaterialização, essa união é prescindível, o progresso faz-se na sua vida de espírito" (V, 108). Portanto, o estado de separação do corpo "é o estado normal e definitivo" da alma (V, 30). "Não", escreve AK, referindo-se à união entre alma e corpo, "essa união mais não é na realidade do que um incidente, um estádio da alma, nunca o seu estado essencial" (V, 105), e esta a razão por que os reencarnacionistas rejeitam unanimemente a idéia de uma possível futura ressurreição do corpo ou a ressurreição final de todos os homens (I, n. 1010), como ensinam Jesus, os apóstolos e as Igrejas cristãs.
São estas as teses principais do pensamento reencarnacionista. É evidente que semelhante doutrina nos atinge a cada um de nós pessoalmente e bem de perto. Temos por isso o direito a que se nos diga quais as razões em que se apóia tão estupenda e exorbitante doutrina que nos joga impiedosamente através de um número ilimitado de sempre novas provações e vidas difíceis. Esses argumentos, ademais, não devem ser apenas meras ou vagas conjecturas, mas provas apodíticas, às quais ninguém pode resistir racionalmente. Só assim poderíamos decidirnos a reconhecer uma doutrina com tão graves conseqüências pessoais.
Considerando a reencarnação em si e a priori, por ser de inegável importância para a vida do homem, por ser uma questão fundamental para a reta orientação de todo o ser racional e pensante, dever-se-ia supor que o Criador, que assim teria disposto a carreira de suas criaturas racionais, também tivesse dado aos homens certeza total a esse respeito, fornecendo-lhes argumentos absolutamente decisivos e irrefragáveis, que evidenciassem de modo inegável a pluralidade de nossas vidas terrestres ou planetárias. Mas já o mero fato de existirem numerosos homens que aprenderam a exercitar largamente a arte de pensar e que filosofaram durante toda a vida sobre o destino do homem e o sentido da vida terrestre e, todavia, não chegaram à conclusão das vidas sucessivas, só este fato vem a destruir pela base esta suposição apriorística,
que em si pareceria tão natural.
Sustentam os espíritas que eles receberam sua doutrina dos espíritos superiores, que a revelaram. Já consideramos o valor deste argumento no capítulo anterior. Mas convém recordar  este fato realmente estranho e surpreendente no mundo espírita: não são poucos os espíritas que também afirmam receber instruções confiáveis do além e que rejeitam absolutamente a pluralidade das existências. Vimos até que o próprio AK também recebeu mensagens do além contrárias à palingenesia.
Aqui, no entanto, quero examinar a questão apenas do ponto de vista teológico, já que é comum, entre nós, a afirmação segundo a qual a reencarnação seria uma doutrina cristã, ensinada pelo próprio Senhor Jesus.
Jesus e a reencarnação Garante-nos AK: "O princípio da reencarnação ressalta de muitas passagens das escrituras, achando-se especialmente formulado, de modo explícito, no evangelho" (I, n. 222), e cita Mt 17,
onde Jesus teria declarado que João Batista é a reencarnação de Elias. Particularmente em O evangelho segundo o espiritismo quer Kardec evidenciar que Cristo ensinou a pluralidade das existências corporais. Começa por dizer que "a reencarnação fazia parte dos dogmas dos judeus, sob o nome de ressurreição... Eles designavam pelo termo ressurreição o que o espiritismo, mais judiciosamente, chama reencarnação" (IV, 67); e para prová-lo, outra vez vem a história de João Batista como reencarnação de Elias e o colóquio entre Jesus e Nicodemos, onde encontramos estas palavras de Jesus: "Em verdade, em verdade te digo: se alguém não nascer de novo não pode entrar no reino de Deus" (Jo 3,3). E com mais alguns vagos textos, segue então a triunfante conclusão:
- "Não há, pois, duvidar de que, sob o nome de ressurreição, o princípio da reencarnação era ponto de uma das crenças fundamentais dos judeus, ponto que Jesus e os profetas confirmaram de modo formal; donde se segue que negar a reencarnação é negar as palavras do Cristo" (IV, 71); e mais: "Sem o princípio da preexistência da alma e da pluralidade das existências, são ininteligíveis, em sua maioria, as máximas do evangelho" (IV, 72). 
Sistematizando, temos nas citadas palavras de AK cinco teses: 
1) que a reencarnação fazia parte dos dogmas dos judeus; 
2) que a palavra "ressurreição" é apenas outro termo para "reencarnação";
3) que, em sua maioria, as máximas do evangelho são ininteligíveis sem o princípio da reencarnação; 
4) que João Batista era a reencarnação do profeta Elias; 
5) que em Jo 3,3 Jesus ensinou formalmente a necessidade da reencarnação; e que, por conseguinte, "negar a reencarnação é negar as palavras de Cristo". Admitidas como verdadeiras estas cinco proposições, teríamos provada a reencarnação como parte essencial da doutrina cristã e, logo, sancionada pela autoridade divina. 
Como Cristo e sua mensagem são de fato para mim o ponto central de minha vida, de meus interesses, de minhas ocupações e preocupações; como estou sincera e lealmente resolvido a seguir a Jesus e sua doutrina, para o que, a seu expresso convite, abandonei pai e mãe, irmão e irmã, casa e bens; como, por isso, faço absoluta questão de não contestar um só dos ensinamentos do Divino Mestre; e já que a teoria reencarnacionista está sendo propagada, "por todos os meios que oferece a palavra escrita e falada" (assim leio nos estatutos dos centros espíritas), nos meios católicos do Brasil como doutrina cristã, por todas essas razões é necessário que o presente argumento seja estudado e analisado com particular atenção.
Já expus as linhas gerais da filosofia reencarnacionista. Para podermos saber agora se Cristo ensinou ou não esta doutrina, será necessário verificar nos próprios ensinamentos de Jesus aquelas mesmas linhas gerais e essenciais da doutrina reencarnacionista. Se o resultado deste inquérito for afirmativo, teremos que dizer que Jesus ensinou de fato a pluralidade das existências; se for negativo, diremos que Jesus era contra a filosofia das vidas sucessivas. A doutrina reencarnacionista pode ser resumida nestas quatro proposições:
1) Pluralidade das existências terrestres: nossa vida atual não é a primeira nem será a última existência corporal; já vivemos e ainda teremos que viver inúmeras vezes em sempre novos corpos materiais.
2) Progresso contínuo para a perfeição: a lei do progresso impele a alma para sempre novas vidas e não permite não só nenhum regresso, mas nem mesmo um estacionamento definitivo a meio caminho e muito menos comporta um estado definitivo de condenação sem fim: mais século, menos século, todos chegarão à perfeição final de espírito puro. 
3) Conquista da meta final por méritos próprios: em cada nova existência a alma avança e progride na proporção de seus esforços; todo o mal cometido será reparado com expiações pessoais, sofridas pelo próprio espírito em novas e difíceis encarnações. 
4) Definitiva independência do corpo: na proporção em que avança na incessante conquista para a perfeição final, a alma, em suas novas encarnações, assumirá um corpo sempre menos material, até chegar ao estado definitivo, em que viverá, para sempre, livre do corpo e independente da matéria.
Poderíamos lembrar outros pontos (por exemplo: evolucionismo lento e constante do espírito, passando pelo reino mineral, vegetal e animal; pluralidade dos mundos habitados etc.). 
Mas bastam estes, que são os essenciais. Sem os quatro mencionados princípios não há doutrina
reencarnacionista, ao menos não no sentido em que ela é propagada entre nós. Quem proclama a
reencarnação também afirma a pluralidade das existências terrestres, sustenta o progresso contínuo para a perfeição, garante a conquista da meta final por méritos próprios e defende uma vida definitiva independente da matéria. Mas quem nega estes pontos, quem contesta as vidas sucessivas do homem sobre a terra, a marcha irreprimível e certa para o fim supremo, a necessidade de adquirir a perfeição final só por esforços pessoais e a definitiva independência da matéria, com isso mesmo recusará também a idéia da reencarnação. Por conseguinte, para sabermos se alguém é reencarnacionista ou não, teremos o seguinte infalível critério: basta verificar se aceita ou não aqueles quatro pontos. Quando, pois, queremos saber se Jesus Cristo
era reencarnacionista, deveremos investigar se ele ensinou a pluralidade das existências terrestres, o progresso contínuo para a perfeição, a conquista da meta final por méritos próprios e a vida do espírito definitivamente livre da matéria e independente do corpo. 
Daí as quatro perguntas essenciais:

1. ENSINOU JESUS A PLURALIDADE DAS VIDAS TERRESTRES?
Quem conhece, lê e medita habitualmente as sagradas páginas do evangelho verificará facilmente que Jesus, Nosso Senhor e Deus, quando fala desta nossa atual vida terrestre, costuma atribuir-lhe um valor decisivo para toda a existência posterior à morte; verificará ainda que Jesus insiste, e muito, na importância culminante da hora da morte, advertindo-nos freqüentemente de estarmos sempre prontos e preparados para prestarmos conta da nossa vida ao Juiz Divino, prometendo aos justos recompensa imediata depois do desenlace e contestando abertamente a possibilidade de arrependimento e perdão, passados os umbrais da eternidade; verificará ainda que Jesus desconhece quaisquer vagabundeios pelos espaços ou na erraticidade,
para "progredir continuamente". Vejamos alguns dos mais frisantes exemplos.
a) Em Lc 16,19-31 lemos a parábola do pobre Lázaro e do rico epulão. São palavras de Cristo. Aí se oferece a Nosso Senhor uma excelente oportunidade para dar ensinamentos sobre o que acontecerá aos homens depois da morte. Ambos morrem: primeiro o pobre Lázaro, que "foi levado pelos anjos ao seio de Abraão". A expressão "seio de Abraão" era corrente entre os judeus para significar o céu. E Cristo continua: "Morreu também o rico, e foi sepultado. No inferno, em meio a tormentos, levantou os olhos e viu ao longe Abraão e Lázaro em seu seio.
Então exclamou: 'Pai Abraão, tem piedade de mim e manda que Lázaro molhe a ponta do dedo para me refrescar a língua, pois estou torturado nesta chama'. Abraão respondeu: 'Filho, lembrate de que recebeste teus bens em vida, e Lázaro por sua vez os males; agora, porém, ele encontra aqui consolo e tu és atormentado. E além do mais, entre vós e nós existe um grande abismo, de modo que aqueles que quiserem passar daqui para junto de vós não o podem, nem tampouco atravessaram os de lá até nós'''. Paremos aqui. A parábola ainda continua, rica em ensinamentos sobre as relações entre os falecidos e os que ainda vivem cá na terra. Vemos aí vários pronunciamentos diretamente contrários aos princípios da palingenesia. Se Jesus fosse reencarnacionista, teria agora uma boa ocasião para insistir nesta doutrina: diria que a alma se
desprende lentamente do corpo, permanecendo ainda por algum tempo em estado de perturbação e confusão; explicaria como ela readquire aos poucos um estado de consciência, lembrando as existências passadas; como vai depois perder-se na imensidade dos espaços, na erraticidade; como procura novas oportunidades para reencarnar etc. Mas nesta parábola não encontramos nada disso: ambos morrem, ambos são julgados, um vai para o céu, outro para o inferno. Nada de sempre novas vidas, nada de andar pela erraticidade, nada de ininterruptos progressos depois da morte, nada de esperar novas vidas terrestres, nem mesmo nada de se comunicar com os vivos, como tanto queria o falecido epulão... é que Jesus, ao menos nesta parábola, não era nem reencarnacionista, nem espírita, nem esoterista...
b) Em Lc 23,39-43 contemplamos Jesus pregado e suspenso no alto da cruz, no meio de dois ladrões. Note-se que ambos tinham sido muito maus. Um deles, o do lado direito, confessao abertamente, quando repreende seu colega com estas palavras: "Tu nem sequer temes a Deus, estando na mesma condenação? Quanto a nós, é de justiça; estamos pagando por nossos atos; mas ele não fez nenhum mal" (Lc 23,40s). Pois bem, este mesmo ladrão, depois daquele público reconhecimento de seus crimes, contrito e arrependido, dirige-se a Jesus com estas palavras: 
"Jesus, lembra-te de mim, quando vieres com teu reino". E Jesus responde com a seguinte solene e extraordinária promessa: "Em verdade, eu te digo, hoje estarás comigo no paraíso". 
Naquele dia! "Hoje!" Fosse reencarnacionista, Jesus não poderia ter falado assim. Poderia ter consolado e animado o ladrão arrependido mais ou menos com estas palavras: "Fazes bem em arrepender-te, pois o arrependimento é o primeiro passo para a regeneração. Mas não basta. 
Deves ter paciência contigo mesmo. Cada qual deve resgatar-se a si mesmo. Tu cometeste muitos crimes: toda falta cometida, todo mal realizado é uma dívida contraída e que deverá ser paga. Já não o podes nesta existência: terás que reencarnar mais vezes, deverás voltar a esta terra, em novo corpo, para expiar e resgatar teus crimes". Já vimos esses e semelhantes textos de AK. Mais ou menos assim deveria ter falado Cristo, se fosse reencarnacionista. Mas falou de modo muito diferente. O que Cristo disse não entra na filosofia das vidas sucessivas. É que Jesus não era reencarnacionista...
c) Do mesmo modo poderíamos analisar outras muitas passagens da mensagem cristã. Por exemplo a parábola das dez virgens, das quais cinco eram prudentes e vigilantes e cinco tolas e indolentes e que não estavam preparadas quando "chegou o esposo" Depois bateram à porta e disseram: "Senhor, Senhor, abre-nos!'; Ele porém replicou: "Em verdade vos digo que não vos conheço!" E Cristo tira a conclusão: "Estai, pois, alerta, porque não sabeis nem o dia nem a hora" (Mt 25,13) da morte. E outra vez admoesta: "Estai, pois, alerta! Vigiai e orai! Porque ignorais quando chegue esse momento... se de tarde, se à noite, se ao Canto do galo, se de madrugada. Que não apareça de improviso e vos encontre a dormir! O que digo a vós, digo-o a todos: estai alerta!" (Mc 13,33ss.). E ainda: "Vigiai, portanto, e rezai sem cessar, a fim de que
vos torneis dignos de evitar todos estes males, e de aparecer com confiança diante do Filho do Homem" (Lc 21,36). Pois dirá ele em outra oportunidade: "Se não vos converterdes, perecereis todos" (Lc 13,3).
d) Particularmente claro é são Paulo, fiel discípulo e zeloso apóstolo de Cristo e que nos assegura de ter recebido seu evangelho diretamente de Jesus (Gl 1,12). Eis o que ele escreve aos hebreus: "Está decretado que o homem morra uma só vez, e depois disto é o julgamento" (Hb 9,27). Morra uma só vez! Não mais vezes, não muitas vezes, não um número indefinido de vezes: uma só vez!
É a afirmação explícita da unicidade da vida terrestre, contra o princípio reencarnacionista da pluralidade das existências. É, em outras palavras, a condenação formal, explícita, clara da teoria!- da reencarnação. No Concílio Vaticano II, por ocasião da votação do n. 48 da Constituição Lumen Gentium, 123 bispos pediram a introdução de um texto especial de explícita afirmação da unicidade da vida terrestre, propondo esta emenda, que foi aceita e aprovada pelo Concílio: "Vigiemos constantemente, a fim de que, terminado o único curso de nossa vida terrestre (cf. Hb 9,27), possamos entrar com ele para as bodas e mereçamos ser contados com os benditos".
Por isso diz ainda a Sagrada Escritura: "A cada um, no dia de sua morte, o Senhor retribuirá, conforme as suas obras" (Ec1 11,28). É o que Nosso Senhor repete sem cessar: desde que o homem se arrependa sinceramente dos pecados cometidos, por maiores que tenham sido, e receba o perdão divino, "entra no gozo do Senhor". 
Unicidade da vida terrestre, julgamento imediatamente depois da morte, recompensa ou castigo posterior, sem liberdade de vaguear pela erraticidade, sem promessa de novas vidas terrestres - eis o que Cristo opõe ao princípio reencarnacionista da pluralidade das existências; e eis, também, o que os reencarnacionistas não podem admitir na mensagem de Cristo. E eis, ainda, por que os espíritas não são cristãos.

2. ENSINOU JESUS A LEI DO PROGRESSO IRREPRIMÍVEL E UNIVERSAL PARA
A PERFEIÇÃO?
A lei do progresso, assim como os reencarnacionistas a entendem, é universal, uma força viva da natureza, e não pode ser frustrada. O homem pode, talvez, fazer-lhe oposição por algum tempo, pode estacioná-la temporariamente: mais dia, menos dia, porém, ele terá que continuar em sua marcha à perfeição final. Todos, absolutamente todos, chegarão a ela: não existe, nem mesmo é possível coexistir com a lei do progresso, um estado definitivo de condenação sem fim e sem esperança de conseguir esta meta. É por isso que todos os reencarnacionistas, com uma unanimidade rara, rejeitam decididamente a tradicional doutrina cristã sobre o inferno. É a razão por que AK, num texto expressivo que já vimos, declara que "o dogma da eternidade absoluta das penas é incompatível com o progresso das almas, ao qual opõe uma barreira insuperável. 
Esses dois princípios (a eternidade do inferno e o constante progresso das almas) destroem-se, e
a condição indeclinável de existência de um é o aniquilamento do outro".
O dilema proposto é claro e incisivo: ou admitimos a lei do progresso (e, portanto, a reencarnação), ou admitimos o dogma da eternidade do inferno (e, portanto, rejeitamos a palingenesia); os dois não podem coexistir: quem afirma a eternidade das penas negará a reencarnação, será contra a palingenesia. Assim sendo, que rendo saber se Cristo era ou não reencarnacionista, podemos, agora, formular nossa pergunta da seguinte maneira: qual destes dois princípios (eternidade das penas ou progresso irreprimível e universal das almas) foi ensinado por Cristo? E a resposta absolutamente certa e indiscutível é: Cristo, de fato, ensinou a
eternidade das penas do inferno. Logo, concluíra o próprio AK, se quiser ser conseqüente, a mensagem de Jesus é incompatível com a filosofia da reencarnação.
Seria realmente prolixo citar aqui todos os textos dos quatro evangelhos que os evangelistas colocam na boca do Divino Mestre e que nos falam da possibilidade de uma condenação "eterna". Mais adiante, na página 184, quando falarmos dos condenados ao inferno, veremos os principais. Ressalto apenas que Cristo, de fato, não podia usar de palavras mais evidentes e incisivas para nos ensinar a existência e a eternidade do inferno. Pois, em quase cada sermão que fazia, Jesus apontava para os tremendos castigos depois da morte. Basta lembrar que, no juízo final, a sentença definitiva do Divino Juiz sobre os maus será: "Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno preparado para o diabo e para seus anjos" (Mt 25,46); e Jesus acrescenta que "estes irão para o castigo eterno, enquanto os justos irão para a vida eterna".
Neste texto, Jesus estabelece um perfeito paralelo entre a sorte dos justos (que é de "vida eterna") e a dos maus (que é de "castigo eterno"): uma e outra são simplesmente "eternas". Se, pois, a vida "eterna" dos justos é sem fim, sem fim será também o castigo "eterno". Pois a mesma palavra, na mesma proposição e em igual contexto, deve ser tomada no mesmo sentido. A eternidade no sentido de "duração sem fim" é afirmada também por Jesus em Mt 18,8-9, comparado com o texto paralelo de Mc 9,42-47: o "eterno" de Mt 18,8 é descrito em Mc 9,43 e 48 como "fogo que não se apaga". Já João Batista havia falado de um "fogo que não se apaga" (Mt 3,12; Lc 3,17).
Particularmente pertinente é o que nos relata Lc 13,23-28: alguém lhe perguntou: "Senhor, é pequeno o número dos que se salvam?" Jesus respondeu: "Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, pois eu vos digo que muitos procurarão entrar e não o conseguirão. Uma vez que o dono da casa houver se levantado e tiver fechado a porta e vós, de fora, começardes a bater a porta, dizendo: 'Senhor, abre-nos', ele vos responderá: 'Não sei de onde sois'. Então começareis a dizer: 'Nós comíamos e bebíamos em tua presença, e tu ensinaste em nossas praças'. Ele, porém, vos responderá: 'Não sei de onde sois; afastai-vos de mim, vós todos, que sois malfeitores!' Lá haverá choro e ranger de dentes, quando virdes Abraão, Isaac, Jacó e todos os profetas no Reino de Deus, e vós, porém, lançados fora".
Não adianta negar tão claros ensinamentos divinos. Contra aqueles que negam a reencarnação, AK teceu, do seu ponto de vista, uma mui judiciosa ponderação: "Como quer que opinemos acerca da reencarnação, quer a aceitemos, quer não, isso não constituirá motivo para que deixemos de sofrê-la, desde que ela exista, malgrado todas as crenças em contrário", pois, considera ele no mesmo contexto: "Deus não nos pede permissão, nem consulta os nossos gostos para regular o universo" (I, n. 222). É isso mesmo. Parafraseando, diremos: como quer que se opine acerca do inferno, quer o aceitemos, quer não, isso não constituirá motivo para não sermos condenados a ele, desde que ele exista, mal grado todas as vontades humanas em contrário, pois Deus sabe o que faz e não consulta nosso parecer. As admoestações divinas estão aí, nos evangelhos. Deus, evidentemente, quer a salvação de todos. A todos dá as graças necessárias e a ninguém nega os auxílios suficientes. É certo que só vai para o inferno quem voluntária, consciente e gravemente ofende a Deus e neste estado morrer impenitente. Mas estes irão mesmo. Não adiantará choramingar. Deus lhes dirá, como lemos no sagrado livro dos Provérbios, 1,24ss.: "Mas, visto que eu vos chamei, e vós não quisestes ouvir-me; visto que estendi a mão, e não houve quem olhasse para mim; visto que desprezastes todos os meus conselhos, e não fizestes caso das minhas repreensões, também eu me rirei da vossa ruína, e zombarei de vós, quando vos suceder o que temíeis. Quando vos assaltar a calamidade repentina e colher a morte como um temporal; quando vier sobre vós a tribulação e a angústia, então me
invocarão e eu não os ouvirei; levantar-se-ão de madrugada, e não me encontrarão; porque eles aborreceram as minhas instruções, e não abraçaram o temor do Senhor, nem se submeteram ao meu conselho e desprezaram todas as minhas repreensões. Comerão, pois, os frutos de seu mau proceder e fartar-se-ão dos seus conselhos”.
Não há dúvida, existem aspectos bem difíceis de entender na doutrina de Cristo sobre a tremenda possibilidade de sermos condenados para sempre à exclusão da visão beatifica (inferno significa em primeiro lugar "exclusão do céu"; as penas são secundárias). Mas quem  compreende a vocação natural e sobrenatural de todos os homens; quem conhece a necessidade, o valor e o risco da liberdade; quem procurou penetrar na natureza do pecado grave, consciente e deliberadamente perpetrado; quem se deu conta da necessidade de um limite do tempo de prova; este verificará facilmente que o aspecto mais difícil ou misterioso não é propriamente a existência do inferno, nem sua eternidade, mas o triste fato de existirem seres racionais que, não obstante, abusam da sua liberdade para enfrentar a eventualidade do inferno. O verdadeiro problema, a dificuldade principal, está na existência da culpa grave consciente e livremente
cometida por uma criatura de Deus! Como e por que permite Deus que sua criatura racional, o homem, "única criatura na terra que Deus quis por si mesma" (GS 24c), possa, desgraçadamente, decidir-se para a culpa grave? Eis aí a verdadeira raiz do "mistério do inferno". E exatamente este problema existe também para os reencarnacionistas. Pois ninguém pode racionalmente contestar a realidade do pecado grave e livremente cometido pelo homem, e, por conseguinte, existe para todos o indicado e difícil problema. Também para os reencarnacionistas nem tudo é claro. O próprio AK indaga dos "espíritos superiores": "Por que há Deus permitido que os espíritos possam tomar o caminho do mal?" E a resposta do "além" se resolve, afinal, também, num apelo ao mistério. Eis a resposta que AK garante ter recebido: "Como ousais pedir a Deus contas de seus atos? Supondes poder penetrar-lhe os desígnios?" (I, n. 123). Em outra
oportunidade AK diz ter recebido esta resposta: "Há muitas coisas que não compreendeis, porque tendes limitada a inteligência. Isso, porém, não é razão para que as repilais" (I, n. 83). 
Também lhe dizem que "Deus pode revelar o que à ciência não é dado aprender" (I, n. 20) e falam do "orgulho dos homens, que julgam saber tudo e não admitem haja coisa alguma que lhes esteja acima do entendimento" (I, n. 147).
Muito iludidos estão os que pensam que o cristianismo é a religião da comodidade e do puro entimentalismo: "Não penseis - disse Cristo - que vim trazer a paz à terra; não vim trazer a paz, senão a espada. Vim para fazer separação entre filho e pai, entre filha e mãe, entre nora e sogra... Quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim. Quem não tomar a sua cruz e me seguir não é digno de mim. Quem procurar possuir a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por minha causa, possuí-la-á" (Mt 10,34-39). 

AK ilude-se conscientemente a si mesmo e a todos os seus sequazes, quando escreve que Cristo "se limitou a falar vagamente da vida bem-aventurada, dos castigos reservados aos culpados, sem referir-se jamais nos ensinos a castigos e suplícios corporais" (V, 41) . Iludemse também nossos espíritas, quando anunciam triunfalmente que "o espiritismo forneceu a chave que permite ler o evangelho sem calafrios e provou que Deus é, em verdade, justo e bom". 
Iludem-se ainda tremendamente, quando não apenas sustentam que a Bíblia não se refere ao sofrimento eterno do condenado, mas ainda blasfemam da seguinte maneira: "Se conseguissem convencer-nos de que é isso o que a Bíblia afirma, nós a renegaríamos como falsa; e se nos provassem que ela é autêntica (isto é: que ela vem de Deus), nós renegaríamos o próprio Deus, porque não podemos adorar uma entidade cujos sentimentos de amor, justiça e misericórdia sejam inferiores aos nossos. E se há um Deus capaz de condenar uma de suas criaturas a sofrer eternos horrores por uma falta momentânea, cometida contra quem for, então esse Deus está muito abaixo das solas dos nossos sapatos. Nós nos julgaremos, por isso, muito superiores a um tal Deus!. . ." (Carlos Imbassahy, À margem do espiritismo, p. 162).

3. ENSINOU JESUS A NECESSIDADE DE CONQUISTAR A PERFEIÇÃO FINAL
POR ESFORÇOS E MÉRITOS PESSOAIS?
Segundo os reencarnacionistas, a alma deve reencarnar primariamente por dois motivos:
para expiar seus pecados e para progredir sem cessar. Aí está toda a razão de ser das vidas sucessivas. Tanto a expiação como também o progresso devem ser méritos pessoais, conquistados por esforços próprios e não em virtude de méritos alheios ou vicários. Recordemos o grito de Leão Denis: "Não, a missão de Cristo não era resgatar com o seu sangue os crimes da humanidade. O sangue, mesmo de um Deus, não seria capaz de resgatar ninguém. Cada qual deve resgatar-se a si mesmo, resgatar-se da ignorância e do mal. g o que os espíritos, aos milhares, afirmam em todos os pontos do mundo".
Em resumo, diria AK, "toda a falta cometida, todo mal realizado é uma dívida contraída que deverá ser paga; se não for em uma existência, sê-lo-á na seguinte ou seguintes" (V, 88). 
Cada qual deverá expiar suas próprias culpas: não há salvação vicária ou redenção feita por outrem; todos deverão conquistar a perfeição por esforços e merecimentos pessoais: a graça divina e os méritos de Cristo seriam privilégios e injustiças (IV, 76). Deus não perdoa nem mesmo pode perdoar pecados sem que preceda expiação e reparação feita pelo próprio pecador (V, 90). g esta a essência da soteriologia reencarnacionista. 
Ora, todos esses postulados são, outra vez, totalmente incompatíveis com a grande novidade do evangelho, com a própria medula da "boa nova" (é o sentido da palavra "evangelho", de origem grega), que consiste precisamente nisso: Cristo, por sua vida, paixão, morte e ressurreição, reconciliou a humanidade com Deus, satisfazendo superabundantemente pelos pecados de todos os homens de todos os tempos. g o cerne da mensagem cristã. Nossa redenção por Cristo é a medula do evangelho e da vida neo-testamentária. Está em todas as páginas. É a mensagem que os profetas predisseram e os anjos anunciaram na primeira noite de
Natal; é a mensagem de João às margens do Jordão, na qual o próprio Cristo insistiu; é, sobretudo a mensagem que os apóstolos foram depois levar a todos os povos do mundo; é a mensagem mais cara que a Igreja nos conservou através dos séculos e que se tomou como símbolo do Brasil religioso e cristão: Cristo Redentor no alto do Corcovado. 
a) Já o profeta Isaías predisse, falando do Messias: "Verdadeiramente ele foi o que tomou sobre si as nossas fraquezas, e ele mesmo carregou com as nossas dores... foi ferido por causa de vossos crimes; foi atribulado por causa de nossas maldades. .. Deus pôs nele as iniqüidades de todos nós" (Is 53,4-6; para a aplicação a Jesus: Mt 8,17).
b) Quando nasceu Jesus, os anjos o anunciaram aos pastores: "Eis que venho comunicarvos uma grande alegria: nasceu o Salvador!" (Le 2,10). E João Batista o apresentou com estas palavras: "Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo" Jo 1,29). 
c) Também o próprio Jesus declarou diversas vezes ter vindo para "dar a sua vida como preço de resgate por muitos" (Mc 10,45); que seu sangue "é derramado por muitos para a remissão dos pecados" (Mt 26,28), "é derramado por vós" (Lc 22,20).
d) E são Pedro nos admoesta: "Fostes remidos não pelo ouro e prata corruptíveis, mas pelo sangue de Cristo imaculado"; "o qual levou no seu corpo os nossos pecados sobre o lenho, a fim de que, mortos para o pecado, vivamos para a justiça" (lPd 1,18; 2,24). 
e) As epístolas de são Paulo, então, só se entendem à luz desta idéia, animada, ademais,
pelo conceito do corpo místico de Cristo, pelo qual a paixão, a morte e a ressurreição de Cristo se tomam nossos, como é nosso o pecado de Adão. A epístola aos hebreus é toda uma teologia da redenção. Aos efésios escreve: "É nele que temos a redenção, devido à riqueza da sua graça, que em torrentes derramou sobre nós" (1,7). "Foi do agrado do Pai que residisse nele toda a plenitude, e que por ele fossem reconciliadas consigo todas as coisas, pacificando, pelo sangue da sua cruz, tanto as coisas da terra, como as coisas do céu" (CI 1,20). E a Timóteo, depois de lhe lembrar que Jesus "se entregou como resgate por todos", escreve o grande apóstolo das gentes: "Tal é a mensagem da salvação que em boa hora se anunciou e da qual fui eu constituído arauto e apóstolo - digo a verdade e não minto para ser doutor dos gentios, fiel e verídico" (1Tm 2,5-7). E aos romanos declara que "fomos reconciliados com Deus pela morte de seu filho"
(5,10).
f) Também são João é claro e explícito: "Ele mesmo é a propiciação pelos nossos pecados, não pelos nossos somente, mas também pelos de todo o mundo" (lJo 2,2).
g) Foi assim também que a Igreja o entendeu sem interrupção. Já o discípulo de João, são Policarpo, escrevia aos filipenses: "Cristo Jesus que tomou os nossos pecados sobre o seu corpo no lenho da cruz, ele que não fez pecados, tudo sofreu por nossa causa, para que nele vivamos" (cap. 8). E ainda hoje o ensino oficial da Igreja é que Nosso Senhor Jesus Cristo, "pela nímia caridade com que nos amou" (Ef 2,4), "satisfez por nós ao eterno Pai com sua santíssima paixão no lenho da cruz".
h) Daí a firme doutrina do Concílio Vaticano II: "Ninguém por si só e com as próprias forças se liberta do pecado e se eleva acima de si próprio. Ninguém se desprende em definitivo de sua fraqueza, solidão ou servidão. Mas todos necessitam de Cristo exemplar, mestre, libertador, salvador, vivificador" (AG n. 8).

É a soteriologia cristã
Estamos assim diante de duas soteriologias opostas: a cristã e a reencarnacionista. Uma defende a heterorredenção e outra a auto-redenção. Ambas se excluem por natureza, sendo de todo impossível sua coexistência. Quem afirma uma contestará a outra. É por isso que reencarnacionistas são também unânimes em negar a nossa redenção por Cristo. A filosofia da reencarnação revela-se desta maneira como sistema radicalmente contrário ao próprio cerne da mensagem de Cristo. 

4. ENSINOU JESUS UMA VIDA DEFINITIVAMENTE INDEPENDENTE DO CORPO?
Sustentam os reencarnacionistas que a alma ou, como eles preferem dizer, o espírito, chegado afinal à perfeição, viverá para sempre livre do corpo material. Coerentes com seus princípios, eles rejeitam decididamente a doutrina da ressurreição da carne: que a alma tomará a vivificar o mesmo corpo para, assim, unida ao corpo, viver eternamente. De fato, também estas duas doutrinas (vida definitivamente independente do corpo ou vida definitiva no corpo ressuscitado) excluem-se mutuamente: quem sustenta uma contestará logicamente a outra. 
Ora, ainda nesta questão Jesus falou claro: todos, bons e maus, bem-aventurados e condenados, hão de ressuscitar com seus próprios corpos. "Virá a hora - ensina Jesus - em que todos os que jazem nos sepulcros ouvirão a voz do filho de Deus e ressurgirão para a vida os que praticaram o bem e ressurgirão para a condenação os que praticaram o mal" (Jo 5,28-29). 
Outra vez Cristo defende a ressurreição contra as objeções ridículas dos saduceus (Mt 22,23-33). Também os apóstolos pregaram abertamente e muitas vezes a ressurreição. São Paulo dedica todo o longo capítulo 15 da primeira epístola aos coríntios à defesa e a explicação da ressurreição. "Se não há ressurreição dos mortos - argumenta o apóstolo - também Cristo não ressuscitou. Mas se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, vã é também a vossa fé; e nós aqui estamos como falsas testemunhas de Deus, porque contra Deus depusemos que ressuscitou a Cristo. Pois se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou." E depois o apóstolo passa a explicar a transformação por que há de passar o corpo ressuscitado: “O que se semeia é (um corpo) corruptível, o que ressuscita é um corpo) incorruptível; o que se semeia é humilde, o que ressuscita é glorioso; o que se semeia é fraco, o que ressuscita é forte; o que se
semeia é um corpo material, o que ressuscita é um corpo espiritual".
Convém adiantar aqui rápida explicação sobre uma dificuldade que os reencarnacionistas não se cansam de repetir. Querendo ridicularizar a fé e a esperança cristã na ressurreição, lembram que os corpos se desfazem, se transformam e passam a constituir outros corpos. Este é o motivo porque o próprio AK pensa que "a ciência demonstra a impossibilidade da ressurreição, segundo a idéia vulgar" (I, n. 1010). Há, por certo, uma dificuldade na afirmação da identidade do corpo ressuscitado com o atual. Esta identidade é afirmada por Jesus, pelos apóstolos e pela Igreja. Mas não é necessário afirmar uma identidade material absoluta, como se todos os átomos e moléculas que alguma vez fizeram parte de nosso corpo tivessem que voltar a formar o corpo ressuscitado. As fontes de nossa fé cristã não nos levam a esta conclusão. 1Cor
15,37-38 e 42-44 insinuam o contrário. Hoje conhecemos o fenômeno biológico do metabolismo, segundo o qual o corpo humano, pela constante assimilação e desassimilação das substâncias, de tempo em tempo se renova inteiramente, de tal maneira que os átomos ou as moléculas que anos atrás integraram nosso corpo hoje já estão totalmente substituídos por outros. E não obstante afirmamos com razão que nosso corpo de hoje é idêntico ao de dez ou vinte anos atrás. :a uma identidade material relativa, mas verdadeira. Por conseguinte, para que possamos conservar uma verdadeira identidade corporal não é preciso reter sempre os mesmos elementos materiais. A dispersão da matéria não impossibilita a identidade material do corpo
humano. 
O demais, com relação ao corpo ressuscitado, o deixamos tranqüilamente à onipotência divina. Ao responder às dificuldades dos saduceus contra a ressurreição, Jesus lhes disse acertadamente: "Estais enganados, desconhecendo as escrituras e o poder de Deus" (Mt 22,29). 
O mesmo diria aos reencarnacionistas e a outros modernos negadores da ressurreição.
O Concílio Vaticano II confessa: "nós ignoramos o tempo da consumação da terra e da humanidade e desconhecemos a maneira de transformação do universo" (OS 39a). O que nos foi revelado e na verdade é o mais importante é que haverá ressurreição: o quando e o como são questões secundárias. "Deus nos ensina que nos prepara morada nova e nova terra. Nela habita a justiça e sua felicidade irá satisfazer e superar todos os desejos de paz que sobem nos corações dos homens. Então, vencida a morte, os filhos de Deus ressuscitarão em Cristo, e o que foi semeado na fraqueza e na corrupção revestir-se-á de incorrupção. Permanecerão o amor e sua obra e será libertada da servidão da vaidade toda aquela criação que Deus fez para o homem" (ib.).
Preciso referir-me a mais uma curiosa alegação de AK. Vimos que, segundo Kardec, os judeus "designavam pelo termo ressurreição o que o espiritismo, mais judiciosamente, chama reencarnação". Eis aí uma afirmação simplesmente arbitrária. Não há seriedade nisso. Nem posso imaginar como pôde Kardec chegar a semelhante asserção. Não conheço um só elemento que nos permita estabelecer esta identidade. :a evidentíssimo que as ressurreições narradas na Bíblia, a de Elias ressuscitando o filho da viúva de Sarepta, as de Jesus ressuscitando o jovem de Naim, a filha de Jairo ou a Lázaro, tudo isso nada tem a ver com o que hoje os espíritas entendem por reencarnação. Nem os judeus pensavam em reencarnação, quando Jesus lhes anunciava que depois de três dias haveria de ressuscitar, visto que mandaram pôr guardas no
sepulcro. Basta ler o capítulo 15 da primeira carta aos coríntios, para saber o que os judeus entendiam quando falavam em ressurreição. Basta ler atentamente as palavras de Jesus em Jo 5,28-29 e que acabamos de citar. Enfim, seria suficiente recordar que a reencarnação se faz, como ensina Kardec, em sempre novos corpos "que nada têm de comum com o antigo", enquanto a ressurreição, assim como era entendida pelos judeus, consistia na revivificação deste mesmo corpo abandonado pela alma na hora da morte.
A respeito da outra alegação de AK, de que a reencarnação fazia parte dos dogmas dos judeus, lembro as seguintes observações de P. Siwek (A reencarnação dos espíritos, São Paulo, 1946, p. 14): "Os livros sagrados dos judeus mencionam várias vezes a prática da evocação dos espíritos (Lv 20,6.27; 19,31; Dt 18,9.10.11.12; lRs 28,3; 4Rs 21,6). Mas esta não tem relação nenhuma com a reencarnação. Só se excetua a Cabala: os livros desta, Zohar (ou livro dos esplendores), Zohar-Haddach, Tiqqunim expõem a doutrina da reencarnação, que assim faz parte integrante do esoterismo místico da Cabala. Mas é preciso notar que o Zohar só foi acrescentado à Cabala no fim do século XIII e que nela a reencarnação se apresenta como um episódio fragmentário, sem conexão íntima com o resto do sistema filosófico da Cabala; mais ainda, acha-se em contradição flagrante com os dogmas fundamentais da religião judaica, admitidos pela Cabala". - A este respeito pode-se consultar também R. Hedde, Metempsycose, Dict. Théol. Cath., X, 1585. Sobre a Cabala, veja-se também a col. 1586. Em outra ocasião AK concede que Jesus não falou muito claro a respeito da reencarnação, pois, diz ele, Cristo "não pôde desenvolver o seu ensino de maneira completa", porque "faltavam aos homens (daquele tempo) conhecimentos que eles só podiam adquirir com o tempo, sem os quais não o compreenderiam" (A gênese, ed. de 1949, p. 26) e por esse motivo Jesus não insistiu muito na pluralidade das existências: "A grande e importante lei da reencarnação foi um dos pontos
capitais que Jesus não pôde desenvolver, porque os homens do seu tempo não se achavam suficientemente preparados para idéias dessa ordem e para as suas conseqüências" (ib. p. 368).
Ora, se é verdade, como quer Kardec, que a doutrina das vidas sucessivas era comumente ensinada pelos antigos e era até "ponto de uma das crenças fundamentais dos judeus" (veja o texto acima), não se compreende absolutamente tanta prudência da parte de Cristo no ensino de uma verdade tão difundida... 



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Fonte:

Espiritismo – orientação para católicos
Frei Boaventura Kloppenburg


Os Novíssimos

1. A Morte e sua origem
2. O Céu (Paraíso)
3. O Inferno
4. O Purgatório
5. O Fim do mundo e a Segunda Vinda de Cristo
6. A Ressurreição dos Mortos no Último Dia
7. O Juízo Universal

A MORTE E SUA ORIGEM


A morte, na atual ordem de salvação, é conseqüência primitiva do pecado. O Concílio de Trento (1545-1563), sob Paulo III (1534-1549), ensina:

· "Se alguém não confessa que o primeiro homem, Adão, ao transgredir o mandamento de Deus no paraíso, perdeu imediatamente a Santidade e Justiça em que havia sido constituído e incorreu por ofensa... na morte com que Deus antes havia amenizado... que toda pessoa de Adão foi mudada para pior, seja excomungado."

Ainda que o homem seja mortal por natureza, já que seu ser é composto de partes distintas, por revelação sabemos que Deus dotou o homem, no paraíso, do Dom pré-natural da imortalidade do corpo. Mas por castigo, ao quebrar a ordem Divina, ficou condenado a morrer.

Sagradas Escrituras:

· Gn 2,17: "Adão havia sido ameaçado: 'O dia que comeres daquele fruto, morrerás...'".

· Rm 5,12: "Por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte..."


O CÉU (PARAÍSO)

As almas dos justos que no instante da morte se acham livres de toda culpa e pena de pecado entram no céu. Benedito XII (1334-1342), pela Constituição "Benedictus Deus", de 29 de Janeiro de 1336, proclama:

· "Por esta constituição que há de valer para sempre e por autoridade apostólica definimos... que segundo a ordenação de Deus, as almas completamente purificadas entram no céu e contemplam imediatamente a essência divina, vendo-a face a face, pois a referida Divina essência lhes é manifestada imediata e abertamente, de maneira clara e sem véus, e as almas em virtude dessa visão e esse gozo, são verdadeiramente ditosas e terão vida eterna e eterno descanso" (Dz. 530).

Também o Símbolo apostólico declara: "Creio na vida eterna" (Dz. 6 e 9).

Sagradas Escrituras:

· Jesus representa a felicidade do céu sob a imagem de um banquete de bodas: "...enquanto iam comprá-lo, chegou o noivo, e as que estavam preparadas entraram com o noivo ao banquete de boda, e a porta foi fechada" (Mt. 25,10).

· A condição para alcançar a vida eterna é conhecer a Deus e a Cristo: "Esta é a vida eterna, que te conheçam a Ti, único Deus verdadeiro e a Teu enviado Jesus Cristo." (Jo 17,3).

· "Bem-aventurados os limpos de coração porque eles verão a Deus." (Mt 5,8).

· "Nem o olho viu e nem o ouvido ouviu segundo a inteligência humana, o que Deus preparou para os que Lhe amam." (1Cor 2,9).

· A vida eterna consiste na visão de Deus: "Seremos semelhantes a Ele porque O veremos tal qual é..." (Jo 5,13).

Os atos que integram a felicidade celestial são de entendimento, e este por um Dom sobrenatural "lumen gloriae" é capacitado para o ato da visão de Deus (Sl 35,10; Ap 22,5) de amor e gozo.


O INFERNO


As almas dos que morrem em estado de pecado mortal vão ao inferno. Benedito XII (1334-1342), na Constituição "Benedictus Deus", de 29.01.1336, declara:

· "Segundo a comum ordenação de Deus, as almas dos que morrem em pecado mortal, imediatamente depois da morte, baixam ao inferno, onde são atormentadas com suplícios infernais." (Dz. 531).

O inferno é um lugar de eterno sofrimento onde se acham as almas dos réprobos. Negam a existência do inferno aqueles que não acreditam na imortalidade pessoal (materialismo).

Sagradas Escrituras:

· Jesus ameaça com o castigo do inferno: "Se teu olho direito é causa de pecado, retira-o e afasta-o de ti; muito mais te convém que percas um de teus membros do que tenhas todo o corpo jogado na geena..." (Mt 5,29).

· "E não temais aos que matam o corpo e não podem atingir a alma; temais bem mais àquele que pode levar a alma e o corpo à perdição, destinando-os à geena..." (Mt 10,28).

· "Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que percorreis mar e terra para fazer um prosélito, e quando chegais a fazê-lo, o fazeis filho da condenação ao dobro de vós mesmos!" (Mt 23,15).

· Trata-se de fogo eterno: "Então dirá também aos de sua esquerda: 'Afastai-vos de mim, malditos, ao fogo eterno preparado para o diabo e seus anjos...'" (Mt 25,41).

· E de suplicio eterno: "E irão estes a um castigo eterno, e os justos a uma vida eterna." (Mt 25,46).

· São Paulo, em 2Ts 1,9, afirma: "Serão castigados à eterna ruína, longe da face do Senhor e da glória de Seu poder..."

São Justino, funda o castigo do inferno na idéia da Justiça Divina, a qual não pode deixar impune aos transgressores da Lei.


O PURGATÓRIO


As almas dos justos que no instante da morte estão agravadas por pecados veniais ou por penas temporais devidas pelo pecado vão ao purgatório. O purgatório é estado de purificação. O II Concílio de Leão (1274), sob Gregório X (1271-1276), afirma:

· "As almas que partiram deste mundo em caridade com Deus, com verdadeiro arrependimento de seus pecados, antes de ter satisfeito com verdadeiros frutos de penitência por seus pecados de atos e omissão, são purificadas depois da morte com as penas do purgatório..." (Dz. 464).

Sagradas Escrituras:

Ensinam indiretamente a existência do purgatório concedendo a possibilidade da purificação na vida futura.

· Os judeus oraram pelos caídos, aos quais se haviam encontrado objetos consagrados aos ídolos, afim de que o Senhor perdoasse seus pecados: "Por isso mandou fazer este sacrifício expiatório em favor dos mortos para que ficassem liberados do pecado..." (2Mc 12,46).

· "Quem falar contra o Espirito Santo não será perdoado nem neste tempo nem no vindouro...".

Para São Gregório Magno, esta última frase indica que as culpas podem ser perdoadas neste mundo e também no futuro. A existência do Purgatório se prova especulativamente pela Santidade e Justiça de Deus. Esta exige que apenas as almas completamente purificada sejam exibidas no céu; Sua Justiça reclama que sejam pagos os restos de penas pendentes, e por outro lado, proíbe que as almas unidas em caridade com Deus, sejam atiradas ao inferno. Por isso se admite um estado intermediário que purifique e de duração limitada.


O FIM DO MUNDO E A SEGUNDA VINDA DE CRISTO


No fim do mundo, Cristo, rodeado de majestade, virá de novo para julgar os homens. O Símbolo Niceno-Constantinopolitano, aprovado pelo I Concílio de Constantinopla (381), sob São Dâmaso (366-384), declara:

· "...e outra vez deverá vir com glória para julgar aos vivos e aos mortos... " (Dz. 86).

Sagradas Escrituras:

· Jesus predisse muitas vezes sua segunda vinda: "porque o Filho do homem há de vir na glória de Seu Pai, com seus anjos, e então cada um pagará segundo sua conduta..." (Mt 16,27).

· "Porque quem se envergonhar de Mim e de Minhas palavras nesta geração adúltera e pecadora, também o Filho do Homem dele se envergonhará quando vier na glória de Seu Pai com os Santos Anjos..." (Mc 8,38; Lc. 9,26).

· "O Filho do homem há de vir na glória de Seu Pai com Seus anjos, e então julgará a cada um segundo suas obras..." (Mt 24,30; cf. Dn 7,13).

· "A finalidade da Segunda vinda será ressuscitar os mortos e dar a cada um o que merece..." (2Ts 1,8).

· "Por isso devemos ser encontrados 'irrepreensíveis'..." (1Cor 1,8; 1Ts 3,13).

Sinais precursores da segunda vinda:

1. Pregação do Evangelho por todo o mundo: "Esta Boa Nova do Reino deverá ser proclamada no mundo inteiro, para dar testemunho a todas as nações. E então, virá o fim..." (Mt 21,14). "E é preciso que antes seja proclamada a Boa Nova a todas as nações..." (Mc 13,10).

2. A conversão dos judeus: "Então não quero que ignoreis, irmãos, este mistério, que não ocorra que vos presumais de sábios, o amadurecimento parcial que sobreveio a Israel, perdurará até entre a totalidade dos gentios, e assim todo Israel será salvo, como diz a Escritura: Virá de Sion o Libertador, afastará de Jacó as impiedades. E esta será Minha Aliança com eles quando tenham apagado seus pecados... " (Rm 11,25-27; totalidade moral).

3. A apostasia da fé: "Jesus lhes respondeu: Olhai para que ninguém vos engane, porque virão muitos usurpando Meu nome e dizendo 'Eu sou o Cristo', e enganarão a muitos..." (Mt 24,4; falsos profetas). "Que ninguém os engane de nenhuma maneira. Primeiro deverá vir a apostasia e manifestar-se o homem ímpio, o filho de perdição, o adversário que se eleva sobre tudo o que leva o nome de Deus, ou é objeto de culto, até o extremo de sentar-se ele mesmo no Santuário de Deus e proclamar que ele mesmo é Deus..." (2Ts 2,3; apostasia da fé Cristã).

4. Antes da apostasia, manifestar-se-á o Anticristo: "Antes da apostasia, se manifestará o homem com iniquidade..." (2Ts 2,3; pessoa determinada a ser o instrumento de Satã).

5. Grandes calamidades: enchentes, calamidades ou catástrofes naturais serão o prelúdio da vinda do Senhor: "Imediatamente depois da tribulação daqueles dias, o sol se escurecerá, a lua não dará seu resplendor, as estrelas cairão do céu e as forças dos céus serão sacudidas..." (Mt 24,29, cf. Is 13,10: "Quando as estrelas do céu e a constelação de Orion já não iluminarem, e o sol estiver obscurecido, e não brilhe a luz da lua...").

A RESSURREIÇÃO DOS MORTOS NO ÚLTIMO DIA

É declarado pelo Símbolo "Quicumque" (chamado também "Atanasiano"). De fato, este símbolo alcançou tanta autoridade na Igreja, ocidental como oriental, que entrou no uso litúrgico e deve ser tida por verdadeira a definição de fé:

· "...É pois, a fé certa que cremos e confessamos que ... e à Sua vinda, todos os homens deverão ressuscitar com seus corpos..." (Dz. 40).

Também o Símbolo Apostólico confessa: "creio ... na ressurreição da carne..."

Sagradas Escrituras:

· Jesus contesta aos saduceus: "na ressurreição nem se casarão nem se darão em casamento, pois serão como anjos..." (Mt 22,29).

· "E sairão, os que tiveram bons trabalhos, para a ressurreição da vida, e os que trabalharam mal, para a ressurreição do juízo..." (Mt 22,29).

· "Aos que crêem em Jesus e comem de Seu corpo e bebem de Seu sangue, Ele lhes promete a ressurreição..." (Jo 6,39).

· "Eu sou a ressurreição e a vida..." (Jo 11,25).

A razão iluminada pela fé prova a conveniência da ressurreição:

1. Pela perfeição da Redenção obrada por Cristo.

2. Pela semelhança que tem com Cristo os membros de seu Corpo místico.

3. O Corpo humano Santificado pela Graça, especialmente pela Eucaristia.

O JUÍZO UNIVERSAL

Cristo, depois de seu retorno, julgará a todos os homens. É o que expressa o Símbolo "Quicumque":

· É, pois a fé certa que cremos e confessamos que ... dali haverá de vir a julgar os vivos e os mortos..."

Sagradas Escrituras:

· Jesus toma a miúdo como motivo de sua pregação o dia do juízo: "por isso vos digo que no dia do Juízo haverá menos rigor para Tiro e Sidon que para vós..." (Mt 11, 22).

· "O Filho do homem há de vir em toda glória de seu Pai, com seus anjos, e então julgará a cada uno segundo sus obras." (Mt 16,27).

· "Jesus Cristo foi instituído por Deus como juiz dos vivos e dos mortos." (At 10,42).

Os Novíssimos: Morte, Juízo, Céu e Inferno



A Morte: o primeiro novíssimo

O Livro do Eclesiástico contém um conselho fundamental para nossa salvação: “Em todas as tuas obras, lembra-te dos teus novíssimos, e jamais pecarás (Ecl. 7, 40). Assim se recordamos sempre da morte, do juízo, do céu e do inferno jamais pecaremos. Se o mundo anda tão mal, é porque pouco se medita ou mesmo não se cogita seriamente sobre os Novíssimos. Os Santos, no entanto, não só os tinham sempre presentes, mas também pregavam sobre eles aos outros. Um deles foi o grande Santo Afonso Maria de Ligório, Doutor da Igreja e grande moralista.
Aos 22 anos, formado em Direito Civil e Canônico e um dos mais promissores advogados de Nápoles, tudo abandonou, após um lapso involuntário na defesa de uma causa judicial, para entregar-se às pregações populares.Fundou a Congregação do Santíssimo Redentor e escreveu inúmeras obras. É de sua famosa Preparação para a Morte que extraímos trechos que versam sobre os Novíssimos, começando hoje com a morte.
“Considerai que sois pó, e que em pó vos haveis de tornar. Virá um dia em que morrereis e sereis lançado à podridão num fosso, onde o vosso único vestido serão os vermes. Tal é a sorte reservada a todos os homens, aos nobres e aos plebeus, aos príncipes e aos vassalos. Logo que a alma saia do corpo com o último suspiro, dirigir-se-á à eternidade e o corpo deverá reduzir-se a pó.
“Imaginai que estais vendo uma pessoa que acaba de exalar o último suspiro; considerai esse cadáver deitado ainda no leito, com a cabeça pendida sobre o peito, os cabelos em desalinho banhados ainda nos suores da morte, os olhos encovados, as faces descarnadas, o rosto acizentado, a língua e os lábios cor de ferro… o corpo frio e pesado. Empalidece e treme quem quer que o vê. Quantas pessoas, à vista de um parente ou de um amigo morto, não mudaram de vida e não deixaram o mundo!
“Mais horrível ainda é o cadáver quando principia a corromper-se. Há apenas 24 horas que esse moço morreu, e já o mau cheiro se começa a sentir. É preciso abrir as janelas e queimar incenso; é preciso quanto antes enviar esse corpo à igreja e entregá-lo à terra, com receio de que venha a infeccionar toda a casa. ….
“No que se tornou esse orgulhoso, esse dissoluto! Ainda há pouco acolhido e desejado nas sociedades, agora objeto de horror e de desgosto para quem o vê! …. Há bem poucos instantes ainda, não se falava senão do seu espírito, da sua polidez, das suas belas maneiras, dos seus bons ditos; mas apenas está morto, já se perdeu a lembrança de tudo isto. ….
“Pensai bem que, assim como vós fizestes na morte dos vossos amigos, assim os outros agirão convosco. Os vivos entram para aparecer por sua vez na cena, ocupando os bens e os lugares dos mortos, e destes já não se faz ou quase não se faz caso ou menção. …
“Na morte é preciso deixar tudo. O irmão de Tomás de Kempis, esse grande servo de Deus, felicitava-se por ter construído uma casa magnífica. Houve porém um amigo que lhe notou um defeito. ‘Onde está?’ – perguntou ele. Respondeu-lhe o amigo: ‘O defeito que lhe acho é terdes vós mandado construir nela uma porta’. ‘O quê! Uma porta? Pois isso é defeito?’. ‘Sim – acrescentou o amigo – porque um dia, por essa porta, devereis sair sem vida, e assim deixar a casa e tudo o mais’.

Juízo: o segundo novíssimo

Tendo considerado em nossa última edição o primeiro dos novíssimos _ a Morte _, abordaremos hoje o segundo: o Juízo. Para isto reproduzimos o texto abaixo, de Santo Afonso Maria de Ligório, sobre o juízo da alma culpada, na sua admirável obra Preparação para a morte.

Do Juízo Particular
A alma culpada diante do Juiz

É sentimento comum entre os teólogos que o Juízo particular se faz logo que o homem expira, e que no próprio lugar onde a alma se separa do corpo, aí é julgada por Jesus Cristo, que não manda ninguém em seu lugar, mas vem Ele mesmo para este fim.
A sua vinda, diz Santo Agostinho, é motivo de alegria para o fiel e de terror para o ímpio. Qual não será o espanto daquele que, vendo pela primeira vez o seu Redentor, o vir indignado! Esta idéia causava tal estremecimento ao Padre Luís Dupont, que fazia tremer consigo a cela. O venerável Padre Juvenal Aucina, ouvindo cantar o Dies Irae (Dia da Ira), pensou no terror que se lhe havia de apoderar da alma quando se apresentasse no dia do Juízo, e resolveu deixar o mundo, o que efetivamente fez. O aspecto do Juiz indignado será o anúncio da condenação. Segundo São Bernardo, será então mais duro sofrimento para a alma ver Jesus Cristo indignado do que estar no inferno.
Têm-se visto criminosos banhados em copioso suor frio na presença de um juiz terrestre. Pison, comparecendo no senado com as insígnias da sua culpa, sentiu tamanha confusão, que a si próprio deu a morte. Que pena não é para um filho ou um vassalo ver seu pai ou o seu príncipe indignados! Que maior mágoa não deve sofrer uma alma à vista de Jesus Cristo, a quem desprezou durante toda a vida! Esse Cordeiro, que a alma via tão manso enquanto estava no mundo, vê-Lo-á agora irritado, sem esperança de jamais O apaziguar. Então pedirá às montanhas que a esmaguem e a furtem das iras do Cordeiro indignado. ….
Considerai a Acusação e o Exame. Haverá dois livros: o Evangelho e a Consciência. No Evangelho ler-se-á o que o culpado devia fazer; na Consciência, o que tiver feito. Na balança da divina justiça não se pesarão as riquezas, nem a dignidade, nem a nobreza das pessoas, mas sim, somente as obras. Diz Daniel: “Fostes pesado e achado demasiadamente leve”. Vejamos o comentário do Padre Alvarez: “Não é ouro nem o poder do rei que está na balança, mas unicamente sua pessoa”.
Virão então os acusadores, e em primeiro lugar o demônio, diz Santo Agostinho. Representará as obrigações em que não nos empenhamos e que deixamos de cumprir, denunciar-nos-á todas as faltas, marcando o dia e o lugar em que as cometemos.
Cornélio a Lapide acrescenta que Deus porá novamente diante dos olhos do pecador os exemplos dos santos, todas as luzes e inspirações com que o favoreceu durante a vida e, além disso, todos os anos que lhe foram concedidos para que os empregasse na prática do bem. Tereis, pois, de dar conta até de cada olhar, diz Santo Anselmo. Assim como se funde o ouro para o separar das escórias, assim são examinadas as boas obras, as confissões, as comunhões etc.

Do Juízo Particular II
 O justo experimenta, ao morrer, um prelibar da alegria celestial

 “Com que alegria não recebe a morte o que se acha na graça de Deus e cedo espera ver Jesus Cristo e ouvir-lhe dizer: ‘Bom e fiel servo, recebe hoje a tua recompensa; entra por toda a eternidade na alegria do teu Senhor!’ Que consolação não darão então as penitências, as orações, o desprendimento dos bens terrestres e tudo o que se tiver feito em nome de Deus! Gozará então, o que tiver amado a Deus, o fruto de todas as suas obras.
            Persuadido desta verdade, o padre Hipólito Durazzo, da Companhia de Jesus, longe de chorar, mostrava-se alegre todas as vezes que morria algum religioso seu amigo com sinais de salvação. Que absurdo – diz São João Crisóstomo – seria não acreditar na existência do paraíso eterno e chorar o que para ele se dirige.
Que consolação então nos dá especialmente a lembrança das homenagens prestadas à Mãe de Deus! – tais como rosários, visitas, jejuns do sábado e congregações freqüentadas em honra sua. Virgo Fidelis se chama a Maria, e como Ela é fiel em consolar nos últimos momentos os seus servos fiéis!
Conta o Pe. Binet que um piedoso servo da Santa Virgem dizia ao morrer: ‘Se soubésseis o contentamento que, próximo da morte, sentimos na alma por termos procurado servir bem à Santíssima Mãe de Deus durante a nossa vida, ficaríeis admirados e consolados. Eu não posso significar a alegria do coração no momento em que me estais vendo’.
Que alegria também para o que amou a Jesus Cristo, e muitas vezes O visitou no Santíssimo Sacramento e O recebeu na Santa Comunhão, ver entrar no quarto seu Senhor que vem em Viático, para o acompanhar na passagem para a outra vida! Feliz então o que lhe puder dizer como São Felipe Nery: ‘Eis aqui o amor do meu coração, eis aqui o meu amor; dai-me o meu amor!’.
Dirá todavia alguém com receio: ‘Quem sabe a sorte que me está reservada? Quem sabe se por fim terei má morte?’ – A quem fala desta maneira, faço apenas uma simples pergunta: O que é que torna a morte má? O pecado, só o pecado. Logo, é preciso receá-lo unicamente, e não a morte, diz Santo Ambrósio. Quereis não recear a morte? Vivei bem.
O Pe. de  la Colombière (Serm. 50) tinha por moralmente impossível que pudesse padecer morte má o que foi fiel a Deus durante a vida. É o que já tinha dito Santo Agostinho. O que está preparado para morrer não receia a morte, qualquer que seja, ainda que venha de improviso.
E como só podemos gozar a Deus por meio da morte, aconselha São Crisóstomo que de bom coração ofereçamos a Deus este sacrifício necessário. Compreenda-se bem que aquele que oferece a Deus a sua morte pratica para com Ele o ato de amor mais perfeito possível, pois que, abraçando de bom coração esta morte que agrada a Deus, no tempo e do modo que Deus quer, torna-se semelhante aos Santos Mártires”.
 O Paraíso Celeste
 Em seu livro Preparação para a Morte, Santo Afonso trata também do último dos Novíssimos, isto é, do Paraíso Celeste,  para onde vão as almas dos justos após sua purificação no Purgatório, ou então diretamente, pelo martírio ou por uma grandíssima santidade. A existência do Céu é igualmente dogma de Fé. Dentre os vários aspectos com que o Santo analisa o Paraíso, escolhemos para a leitura de hoje o capítulo Felicidade do Céu, que, julgamos, será de proveito espiritual para nossos leitores.

Felicidade do Céu

Depois de entrar na felicidade de Deus, a alma não terá mais nada a sofrer. No paraíso não há doenças, nem pobreza, nem incômodos. Deixam de existir as vicissitudes dos dias e das noites, do frio e do calor; é um dia perpétuo, sempre sereno, primavera perpétua, sempre deliciosa. Não há perseguições nem ciúmes; neste reino de amor, todos os seus habitantes se amam mútua e ternamente, e cada qual é tão feliz da ventura dos outros como da própria. Não há receios, porque a alma, confirmada na graça, já não pode pecar nem perder a Deus. Tudo é novo, tudo consola, tudo satisfaz.
Os olhos deslumbrar-se-ão com a vista desta cidade cuja beleza é perfeita. Que maravilha não nos causaria a vista de uma cidade cujas ruas fossem calçadas de cristal, e cujas casas fossem palácios de prata ornados de cortinados de ouro e de grinaldas de flores de toda espécie. Oh, quanto mais bela ainda é a cidade celeste!
Que delicioso não será ver todos os seus habitantes vestidos com pompa real, porque todos efetivamente são reis, como lhes chama Santo Agostinho: Quot cives, tot reges.
Que delicioso não será ver Maria, que parecerá mais bela que todo o paraíso! Que delicioso não será ver o Cordeiro divino, Jesus, o Esposo das almas!
Um dia Santa Teresa viu apenas uma das mãos de Cristo e ficou cheia de admiração à vista de semelhante beleza.
Cheiros suavíssimos, perfumes incomparáveis regalarão o olfato. O ouvido ouvirá arrebatado as harmonias celestes. Um Anjo deixou um dia São Francisco ouvir um único som da música celeste, e o Santo julgou morrer de felicidade. O que não será ouvir todos os Santos e todos os Anjos cantarem em coro os louvores de Deus! O que não será ouvir Maria celebrar as glórias do Altíssimo! A voz de Maria é no Céu, diz São Francisco de Sales, o que é num bosque a do rouxinol, que vence a de todas as outras aves.
Numa palavra, o paraíso é a reunião de todos os gozos que se podem desejar.
Mas essas inefáveis delícias até aqui consideradas são apenas os menores bens do paraíso. O bem, que faz o paraíso, é o Bem supremo, que é Deus, diz Santo Agostinho. A recompensa que o Senhor nos promete não consiste unicamente nas belezas, nas harmonias, nos outros encantos da bem-aventurada cidade; a recompensa principal é Deus, isto é, consiste em ver Deus face a face a amá-Lo.
Assegura Santo Agostinho que, para os condenados, seria como estar no paraíso se chegassem a ver Deus. E acrescenta que se fosse dado a uma alma, ao sair desta vida, a escolha de ver a Deus ficando nas penas do inferno, ou ser livre das penas do inferno e ao mesmo tempo privada da vista de Deus, ela preferiria a primeira condição.
A felicidade de contemplar com amor a face de Deus, não a podemos conceber neste mundo, mas procuremos avaliá-la, ainda que não seja senão pela rama, segundo os efeitos que conhecemos.
 O Inferno
 Já abordamos os temas da Morte, do Juízo e do Paraíso Celeste. Trataremos hoje do  terceiro dos Novíssimos, isto é, o Inferno. Há vários ângulos sob os quais se pode analisar o Inferno. Escolhemos uma penetrante análise desse lugar de tormento,  para onde vão as almas daqueles que morreram na inimizade de Deus, extraída da renomada obra Preparação para a morte, de Santo Afonso Maria de Ligório.
Consideremos a pena dos sentidos. É de fé que existe o inferno. E no centro da Terra se acha esta horrível prisão destinada a punir os que se revoltaram contra Deus.
“O que é o inferno? Um lugar de tormentos (Lc 16, 28), como lhe chama o mau rico que a ele foi condenado: lugar de tormentos, onde todos os sentidos e todas as faculdades do condenado devem ter o seu tormento próprio, e quanto mais se tiver ofendido a Deus com algum dos sentidos, tanto mais terá a sofrer este mesmo sentido.
“A vista será atormentada pelas trevas. De quanta compaixão nos possuiríamos se soubéssemos que existia um infeliz encerrado em escuro cárcere por toda a vida, ou por quarenta ou cinqüenta anos! O inferno é um abismo fechado de toda a parte, onde nunca penetrará raio de sol ou de qualquer outra luz. Neste mundo o fogo ilumina; no inferno, deixará de ser luminoso.
“Segundo São Basílio, o Senhor separará do fogo a luz, de tal sorte que este fogo arderá sem iluminar, o que Alberto o Grande exprime mais brevemente nestes termos: “Dividet a calore splendorem” [separou do calor a luz]. O fumo que sair dessa fornalha formará o dilúvio de trevas de que fala São Judas [Tadeu], e que afligirá os olhos dos condenados. São Tomás diz que os condenados só terão a luz suficiente para serem mais atormentados; a esta sinistra claridade, verão o estado horrendo dos outros réprobos e dos demônios, que tomarão diversas formas para lhes causarem mais horror.
“O olfato terá também o seu suplício. Quanto não sofreríamos se nos metêssemos num quarto onde jazesse um cadáver em putrefação! O condenado deve ficar no meio de milhões e milhões de condenados, cheios de vida com relação às penas que sofrem, mas verdadeiros cadáveres enquanto ao mau cheiro que exalam.
“Diz São Boaventura que o corpo de um condenado, se acaso fosse atirado à Terra, bastaria com sua infecção para fazer morrer todos os homens. E ainda há insensatos que se atrevem a dizer: ‘Se for para o inferno, não me hei de achar só!’ Infelizes! Quantos mais lá encontrarem, tanto mais sofrerão, como assegura São Tomás. Tanto mais se sofrerá, digo eu, por causa da infecção, dos gritos e do aperto, porque os réprobos estarão no inferno tão juntos uns dos outros, como rebanho de ovelhas encerradas no curral durante a tempestade; ou, para melhor dizer, serão como uvas esmagadas no lagar da cólera de Deus.
“Daí nasce o suplício da imobilidade: Fiant immobiles quasi a lapis (Exod. 15, 16). Pela maneira como o condenado cair no inferno no último dia, dessa maneira viverá ali constrangidamente, sem nunca mudar de situação, e sem nunca poder mexer pés nem mãos enquanto Deus for Deus.
“O ouvido será continuamente atormentado pelos rugidos e queixas desses infelizes desesperados. A este barulho contínuo acrescentarão sem cessar os demônios ruídos pavorosos. Quando desejamos dormir, é com o maior desespero que ouvimos o lastimar contínuo de um doente, o ladrar de um cão ou o choro de uma criança. Qual não será o tormento dos condenados obrigados a ouvir incessantemente, durante toda a eternidade, esses ruídos e clamores insuportáveis!
“Pelo que diz respeito ao gosto, sofrer-se-á fome e sede. O condenado sentirá uma fome devoradora, mas nunca terá nem uma só migalha de pão. Além disso, será atormentado de tal sede que nem todas as águas do mundo bastariam para lha apagar. Apesar desta terrível sede, não terá uma só gota. O mau rico pediu-a, mas nunca a obteve e não a obterá nunca, nunca!”

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Fonte:
(Preparação para a Morte, Santo Afonso Maria de Ligório, fundador da Congregação do Santíssimo Redentor.

AS FONTES HUMANAS DA DOUTRINA ESPÍRITA


Mas não posso deixar de lembrar outro ponto fundamental que influiu certamente na formação da doutrina proposta por AK como "doutrina espírita": são as idéias dele mesmo, de Kardec e de seus colaboradores "encarnados". Farei apenas as seguintes anotações e observações:
1) Sabe-se hoje que as idéias reencarnacionistas surgiram pela primeira vez na França pelos anos 1830-1848, em certos ambientes socialistas, e intimamente vinculadas com os princípios do evolucionismo então em moda. Seus primeiros fautores foram Charles Fourier e Pierre Leroux, ambos socialistas, que recorreram à idéia da pluralidade das existências precisamente para explicar assim o problema das desigualdades sociais. Este argumento será depois, nas obras de Kardec, o mais forte e é ainda hoje, entre nossos espíritas, o mais freqüentemente invocado para "demonstrar" a realidade das reencarnações. Ora, foi deste
ambiente socialista que saíram os primeiros adeptos do movimento espírita francês. René Guénon mostra isso nas pp. 31-39 de seu livro L' erreur spirite (Paris, 1952) e nas pp. 116ss. do Le théosophisme. No ano de 1854, quando Kardec tomava os primeiros contatos com as mesas girantes, foram publicados mais dois livros reencarnacionistas: Terre et dei, de Jean Reynaud, e Pluralité des existences de l'dme, de Pezzani. Assim, dois anos depois da publicação de O livro dos espíritos, em 1859, observava o Dr. Dechambre na "Gazette Hebdomadaire de Médicine et de Chirurgie", num artigo sobre "La Doctrine Spirite", que os instrutores invisíveis do Sr. Kardec não tinham necessidade de conversar nos ares com o espírito de Porfírio: bastava-lhes conversar por alguns instantes com o Sr. Pierre Leroux, mais fácil de encontrar, ou ainda com
Fourier, que com muito prazer lhes teria ensinado que nossa alma revestirá um corpo cada vez
mais etéreo à medida que irá passando pelas oitocentas existências. . .
2) Também os dois dramaturgos Victorien Sardou e Eugene Nus pertenciam ao círculo de Kardec. Em Le merveilleux spirite nos conta Lucien Roure: "Era no momento das primeiras experiências do espiritismo em Paris. Sardou (futuro grande colaborador de AK) devorava os livros de filosofia e de metafísica, ocupava-se de astronomia, estudava e perfilhava as teorias de Jean Reynaud. Foi no salão da Sra. Japhet que ele encontrou AK. O próprio Sardou confessou: 'Quando, de comum acordo com AK, pedimos ao espírito presente que determinasse a base do dogma espírita, fui eu que, guiado por minhas leituras, restabeleci o sentido das respPostas malinterpretadas ou obscuras do espírito; e assim, em três sessões, pude ditar o sumário da doutrina que AK, depois, devia desenvolver'. E: 'Eu lia, então, muito os livros ocultistas. E quando havia uma lacuna, eu é que redigia as mensagens"'.
3) Outro colaborador foi o astrônomo Camille Flammarion, que foi mesmo um dos médiuns de Kardec. Mais tarde será espírita menos convicto e entusiasmado. Como médium escreveu as famosas mensagens sobre os astros e a cosmogonia, que estão em A gênese de AK. 
Muitos anos depois escreverá: "Eu próprio era médium e AK publicou em seu livro A gênese, as issertações que eu escrevi. Era o reflexo do que eu sabia, daquilo que nós pensávamos nessa  época sobre os planetas, sobre cosmogonia etc. E os espíritos nada me ensinaram" (cf. "Annales Politiques et Parlamentaires", 9 de julho de 1899).
4) Alexander Aksakof, no artigo intitulado "Researches on the Historical Origin of the Reincarnation Speculations of French Spiritualists" (Investigações sobre a origem histórica da filosofia reencarnacionista no espiritismo francês), publicado na revista The Spiritualist, 13-8- 1875, pp. 74-75, afirma que em 1873 entrevistou a sonâmbula Celina Japhet (nome verdadeiro: Bequet), que muito contribuiu na confecção de O livro dos espíritos de AK. Ela revelou então que já era sonâmbula natural desde pequena e que em 1845 foi a Paris, onde conhecera o magnetizador Roustan, ficando ela então sonâmbula profissional sob o controle de Roustan, dando "receitas médicas sob a direção espiritual de seu avô, que fora médico"; e que "desta maneira, em 1846, lhe foi comunicada a doutrina da reencarnação pelos espíritos de seu avô, de Sta. Teresa e de outros". Aksakof anota então que "pode ser interessante observar que, quando o poder sonambúlico de madame Japhet foi desenvolvido sob a influência mesmérica do Sr. Roustan, este já acreditava na pluralidade das existências terrestres". Madame Japhet lhe revelou também que foi membro do círculo espírita de Paris de 1849 até 1870; e que o círculo fazia reunião duas vezes por semana, participando também Victorien Sardou; e que pouco depois ela se tornara médium escrevente e que a maior parte de suas comunicações foram obtidas desta maneira; e que "em 1856 ela se encontrara com o Sr. Denizard Rivail, que lhe fora apresentada por Victorien Sardou. Ele (Rivail) correlatou a matéria com numerosas questões, coordenando tudo em ordem sistemática e então publicou O livro dos espíritos, sem mesmo
mencionar o nome de madame C. Japhet, muito embora três quartas partes do livro tenham sido dadas através da mediunidade dela. O resto foi obtido de comunicações pela madame Bodin, que pertencia a um outro círculo espírita. Depois da publicação de O livro dos espíritos...ele abandonou o círculo (de madame Japhet) e organizou outro em sua própria casa, sendo médium M. Roze".
Nas Obras póstumas, p. 242, AK fala desse encontro: "Em 1856, freqüentei ao mesmo tempo as reuniões espíritas que se celebravam à rua Tiquetone, em casa do Sr. Roustan e senhorita Japhet, sonâmbula. Eram sérias essas reuniões e se realizavam com ordem. ... Estava concluído, em grande parte, o meu trabalho e tinha as proporções de um livro. Eu, porém, fazia questão de submetê-lo ao exame de outros espíritos, com o auxtíio de diferentes médiuns.
Lembrei-me de fazer dele objeto de estudo nas reuniões do Sr. Roustan. Ao cabo de algumas sessões, disseram os espíritos que preferiam revê-lo na intimidade e marcaram para tal efeito certos dias nos quais eu trabalharia em particular com a Srta. Japhet, a fim de fazê-Io com mais calma..."
5) Não esqueçamos também que AK, filho de pais católicos, foi educado sob a tutela de Pestalozzi, que acreditava na possibilidade de encerrar o fato religioso nos limites da razão.
Certos princípios do protestantismo e do racionalismo o acompanharam desde a escola de Pestalozzi. Mais tarde tornou-se maçom. E é sabido que a filosofia maçônica é essencialmente liberal e naturalista. E de todos estes princípios encontramos um eco fiel na doutrina "codificada" por AK.
A doutrina espírita na verdade é pouco "espírita": é humana, excessivamente humana; é apenas kardecista... 


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Fonte:
Espiritismo – orientação para católicos
Frei Boaventura Kloppenburg