O ATO HERÓICO
Que é o “ato heróico”?
“É o ato que consiste em oferecer à Divina
Majestade, em proveito das almas do purgatório, todas as obras satisfatórias
que fizermos durante a vida e todos os sufrágios que forem aplicados pela nossa
alma depois da nossa morte”.
Tal é a definição autêntica deste ato aprovado
oficialmente pela Igreja e indulgenciado. Chama-se heróico, porque realmente
exige uma abnegação de todos os tesouros que possamos lucrar com nossas boas
obras e contém uma renúncia de todos os sufrágios que oferecerem por nossa
alma depois da nossa morte, em favor das almas do purgatório. Este ato há de
ser feito, para ser válido, em perpétuo. É irrevogável na intenção de quem o
faz. Não obriga sob pena de pecado. Se alguém, a quem faltou generosidade ou
teve receio de se privar de sufrágios depois da morte, quis de novo adquirir
para si as suas obras satisfatórias, renunciou ao voto heróico, não comete
pecado nem mortal nem venial.
Pelo ato heróico não renunciamos o mérito de nossas
boas obras, isto é, o que nos dá nesta vida um acréscimo da graça e a glória no
paraíso. Este merecimento é nosso e não
o podemos perder nem dá-lo aos outros. O ato heróico é uma obra muito
meritória, e este mérito de uma obra tão bela e heroica não o podemos perder.
Só o mérito do ato heróico quanto não vale para nossa alma! Este mérito não o
perdemos. Depois desta obra satisfatória, tudo o mais que fizermos será das
almas do purgatório. Desde que fazemos o ato heróico, todas as indulgências que
lucramos são das almas. Tudo que de bom possamos fazer e ter mérito e lucrar
alguma coisa será do purgatório, direito e propriedade das almas. É uma
renúncia total. Só a indulgência plenária da hora da morte não pode ser
oferecida para as almas e será nossa, porque não é aplicável aos defuntos.
O ato heróico não impede de rezar nas próprias
intenções e pelos mortos. Quando fazemos um ato de penitência e de oração, por
exemplo, recitando um terço de joelhos, há neste ato, para falar uma linguagem
teológica, três frutos diferentes: um fruto meritório que não o podemos perder
é o mérito pessoal de quem o pratica — o valor satisfatório do ato que é a
penitência, o sacrifício feito, e este é para as almas é do ato heróico — e
finalmente, uma força impetratória que é da oração como oração. A oração é uma
força e Deus prometeu ouvi-la. O ato heróico não nos impede utilizar a força
impetratória da oração.
Quem faz o ato heróico é como um religioso que fez
o voto de pobreza: tudo o que ganha não lhe pertence. A diferença é que o voto
de pobreza obriga em consciência e o ato não. O abandono que a alma generosa
faz em favor das almas do purgatório é feito, em geral, por todas e nunca em
favor de uma ou outra alma. O ato heróico não impede que se ore por esta ou
aquela alma em particular e se ofereça a Nosso Senhor muito sufrágio pelos
nossos mortos queridos.
Não pode tudo isto ser feito na oferenda geral que
fizermos a Deus?
Origem do ato heróico
O ato heróico em si, não é uma devoção nova na
Igreja, como pretendem alguns. Em séculos passados, muitos homens de grande
santidade e grandes almas generosas ofereceram a Deus seus tesouros de obras
satisfatórias em favor das pobres almas do purgatório. Santa Gertrudes, Santa
Catarina de Sena, Santa Liduina e muitos outros santos tiveram esta
generosidade. Santa Teresa fez este ato em favor de um mestre espiritual, o
Provincial dos Carmelitas, falecido, e ela libertou-o do purgatório com suas
orações. Todavia, consideramos como fundador e apóstolo do ato heróico o Pe.
Gaspar Olinden, clérigo regular dos Teatinos. Este sacerdote piedoso tinha uma
devoção muito grande pelo Purgatório e sua grande preocupação e todo seu zelo
ardente o empregava em favor das pobres almas. Lembrou-se deste ato heróico,
desta oferenda generosa a Deus em favor do purgatório e apresentou-o ao Santo
Padre Bento XIII, que não só o aprovou, mas o enriqueceu de indulgências e
privilégios. Depois, todos os Pontífices confirmaram a aprovação e estimularam
e abençoaram tão belo ato.
Bento XIII, não contente de aprovar o ato heróico,
ainda fez publicamente, e do púlpito, a entrega de todos os seus bens
espirituais pelos mortos, como se pode ver nos sessenta sermões que pregou
sobre este assunto.
Naquela época viram-se Ordens inteiras
recomendarem o ato heróico. O Superior Geral da Companhia de Jesus mandou
recomendá-lo a todos os seus súditos. O Pe. Ribadanera piedoso hagiógrafo
propagou muito o ato heróico e o Pe. Nierenberg. O Pe. de Montroy, no leito de
morte, não só deu às almas o mérito de todas as obras satisfatórias feitas em vida,
mas a sua caridade se estendeu além. Fez um testamento sublime, diz o Pe.
Faber “que não sei de outro igual”: cedeu sem exceção para as almas do
purgatório todos os méritos, orações, Missas, indulgências que a Companhia de
Jesus costuma aplicar aos seus membros defuntos, todos os sufrágios que seus
amigos pudessem oferecer por ele e tudo enfim, pelas almas.
Há muitos exemplos admiráveis de atos heróicos pelo
purgatório.
Finalmente, nos últimos tempos Nosso Senhor
suscitou uma grande alma devotíssima do purgatório e fundadora de uma
Congregação religiosa especialmente destinada a sufragar as santas almas e
entregue toda a serviço do purgatório num ato heróico de caridade. Foi a Madre
Maria da Providência. Desde pequenina, esta serva de Deus sentia grande
compaixão pelas almas sofredoras. Um dia a encontraram muito pensativa e
grave em meio dos brinquedos da criançada. — Que esta pensando? — Sabem no que
penso? Disse Eugênia (tal era o seu nome no século), eu penso numa prisão de
fogo de onde não se pode sair e da qual com uma palavra se podem tirar os
prisioneiros.
As companheiras a olharam surpreendidas. “Esta
prisão de fogo é o purgatório e com uma palavra, com a oração, podemos libertar
as almas”.
Mais tarde foi a fundadora de uma Congregação,
única na Igreja, cujos membros se oferecem a Deus pelas almas e vivem o voto
heróico.
Eis como se desenvolveu, nos últimos tempos, a bela
prática do ato heróico.
Vantagens do ato heróico
Um ato tão generoso e que nos despoja de tantas
riquezas e nos deixa até sem sufrágios depois da morte, poderá ter vantagens,
lucra muito, porventura, quem o fez? Sim, mil vezes sim! É um engano pensar
que se perde muito com o ato heróico. Ao invés, lucra-se mil vezes mais. Deus
se deixa vencer em generosidade? Não há gratidão nas almas salvas por tão
grande socorro?
O ato heróico é um ato cheio de mérito, é um ato
perfeito que nos faz esquecer de nós mesmos para cuidar de nossos irmãos e da
glória de Deus. Quem faz o ato heróico aumenta por este ato seu grau de graça
neste mundo e o grau de gloria no outro. E o ato de caridade que pratica, não
há de atrair a misericórdia daquele Senhor que prometeu cem por um e o reino
do céu ao menor bem que se faz neste mundo por amor de Deus? “A caridade cobre
a multidão dos pecados”, diz a Escritura, e este gesto de caridade heroica não
há de obter perdão e descontar muitos pecados de quem o faz? E a indulgência
plenária que se ganha com o ato heróico? E a indulgência plenária da hora da
morte que nos pertence e não podemos aplicá-la para ninguém? E Nosso Senhor se
deixará vencer em generosidade? Não tenha receio de sair prejudicado quem faz
o ato heróico em favor das almas do purgatório. Este heroísmo de caridade será
recompensado com superabundância de graças neste mundo e de glória no outro.
Não nos preocupemos porque não podemos dispor de nossos tesouros em favor de
nossos mortos queridos como bem entendemos. Nosso Senhor cuidará deles muito
mais, e nossa caridade lhes há de ser um refrigério tão grande no purgatório e
talvez concorra para libertá-los do purgatório muito mais depressa do que se
estivessem dependendo de nossos pobres sufrágios muita vez até esquecidos.
E para terminar, vejamos as condições e as
indulgências do ato heróico:
Para fazer o ato heróico é mister consultar o
diretor espiritual ou um prudente confessor, procurar conhecer bem o que vai
fazer e saber a responsabilidade que assume. Não se deve fazê-lo levianamente
e num momento de fervor irrefletido. É muito sério e é preciso lembrar que é
heróico! Não é prescrita nenhuma fórmula especial. Poder-se-ia usar uma como
esta: “Para vossa glória, ó meu Deus, e para imitar o melhor possível o Coração
generoso de Jesus, meu Redentor, a fim de mostrar também minha dedicação para
com a Santíssima Virgem Maria, minha Mãe e Mãe das almas do purgatório,
entrego em suas mãos todas as minhas obras satisfatórias assim como o fruto
de todas as que, porventura, se venham a fazer por minha intenção depois de
minha morte, a fim de que Ela faça a aplicação às almas do purgatório segundo a
sua sabedoria e como melhor lhe aprouver”. Quem faz o ato heróico pode lucrar
as seguintes indulgências, aplicáveis aos defuntos: uma indulgência plenária
cada vez que se aproxima da Comunhão nas condições do costume; visita à igreja
e oração pelo Papa. Outra indulgência plenária cada segunda-feira, ao ouvir
Missa pelos mortos. Os sacerdotes que fizerem o ato heróico gozam do altar
privilegiado pessoal em todos os dias do ano (P. P. O. 547.).
Exemplo
Um voto heróico
Uma donzela chamada Gertrudes, acostumara-se desde
os mais tenros anos, a oferecer por intenção das almas do purgatório todas as
suas boas obras. Era tão bem aceita esta devota prática no purgatório e no
céu, que muitas vezes, o Salvador se comprazia em designar-lhe as almas mais
necessitadas. Estas, libertadas pela sua piedosa caridade, se lhe mostravam
gloriosas, para lhe agradecerem e prometiam-lhe não esquecê-la no paraíso.
Passava a vida neste santo exercício e, cheia de confiança, via em paz
aproximar-se a morte, quando o infernal inimigo, que de tudo sabe fazer
ocasião para tentar os homens, começou a representar-lhe que ela se havia
despojado de tudo e de todo mérito satisfatório de cada boa obra e ia cair no
purgatório para nele expiar em longas penas todas as suas culpas.
Este tormento de espírito a lançara em tal
desolação, que seu Esposo celeste dignou-se de vir consolá-la. “Por que,
disse ele, ó Gertrudes, estás tão triste e pensativa? Tu que outrora gozavas da
mais perfeita serenidade?”. Ah! Senhor, respondeu ela, em que deplorável
situação me encontro! Vede, a morte se aproxima, achando-me eu privada da
satisfação das minhas boas obras, que apliquei pelos defuntos; com que poderei
pagar a dívida que contraí para com a divina Justiça? Replicou-lhe com ternura
o Senhor: “Não temas, ó querida minha, porque ao contrário, aumentastes pela
tua caridade a soma de teus merecimentos, e não só tens bastantes para expiares
as tuas leves culpas, mas adquiristes altíssimo grau de glória na
bem-aventurança eterna. É assim que minha clemência reconhecerá com uma
generosa recompensa, que cedo virás receber no paraíso a tua dedicação pelos
defuntos”.
Desapareceu a estas palavras, e a alma de Gertrudes
foi incendiada de um novo fervor e de um ardente desejo de socorrer as almas
dos defuntos.
Enchamo-nos também de zelo e caridade para com
essas almas, que rico galardão está prometido nos céus aos nossos esforços
(Dyon, Cart. de nonviss. apud P. Mart. de Rox de statu animarum, cap. 20.).
Tenhamos Compaixão das Pobres Almas! 30 meditações
e exemplos sobre o Purgatório e as Almas, por Monsenhor Ascânio Brandão
Livro de 1948 - 243 pags, Casa da U.P.C. Pouso
Alegre
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