Um meio de socorrer as almas
Somos obrigados a fazer
penitência se quisermos salvar nossa alma. Só há dois caminhos para entrar no
céu: o da inocência e o da penitência. Nosso Senhor dos adverte: “Se não
fizerdes penitência, todos vós igualmente perecereis”. Ora, a penitência, além
de nos ser necessária, é muito meritória, e a podemos aplicar em sufrágio das
pobres almas do purgatório. Tiraremos duplo proveito: nossa santificação e o
alívio das almas sofredoras.
O sofrimento junto com a prece
tem uma eficácia extraordinária para alcançar de Deus todas as graças.
Outrora, vemos na Escritura, quando os Profetas e o povo de Deus desejavam
obter do céu misericórdia ou graças, entregavam-se aos jejuns, cilícios e
austeridades. Nossa penitência aqui é muito meritória. Soframos pelos mortos!
“Aliviemos as almas do
purgatório, diz São João Crisóstomo, aliviemo-las por tudo o que nos penaliza,
porque Deus tem cuidado em aplicar aos mortos os méritos dos vivos”. Escreve
Berlioux: “O sofrimento é a grande satisfação que o Senhor pede aos devedores
da Justiça. Logo, soframos pelos nossos mortos, a fim de que eles sofram menos.
Oh! Se tivéssemos uma fé mais viva, uma caridade mais ardente, que
mortificações nos imporíamos a nós mesmos para libertar nossos parentes e
amigos do purgatório, eles que tanto nos amaram, que sofreram talvez por nós e
estão agora sofrendo de uma maneira tão horrível! Já que não somos capazes de
tamanhas penitências como os santos, tenhamos generosidade para alguns
pequenos sacrifícios. O sacrifício de um prazer, de uma afeição perigosa, de
uma leitura má, de uma vaidade, etc”. “Escolhei a melhor vítima, aconselha o
Pe. Felix, S.J., escolhei-a, sobretudo, no fundo de vosso coração”. “Por
aqueles que amais, sacrificai o que tendes de mais caro. Sacrificai-vos a vós
mesmos, e que o preço do sacrifício pessoal se torne o resgate do sofrimento”.
“Ah! vejo, acrescenta o Padre Berlioux, vejo essas almas felizes elevarem-se
para o céu, nas asas de nossos sacrifícios, de nossas austeridades e
sofrimentos!”.
Que objeto de consolação e de
esperança! Ó, meu Deus! Ó, Jesus Crucificado, fazei-nos compreender o valor do
sofrimento!
Aceitação da cruz pelas almas
A idéia da penitência dos
Santos e das grandes austeridades nos assustam, mas não podemos oferecer a
Nosso Senhor a cruz de cada dia pelos nossos mortos? Quem não tem a sua cruz?
O sofrimento é fecundo e vai
frutificar além das fronteiras da vida, vai aliviar as chamas do purgatório.
Nesta vida faz tanto bem e repercute tanto nas almas! Pois devemos crer que
também na outra vida o sofrimento salva e resgata a dívida das pobres almas da
Igreja padecente. Ouvi esta página de uma grande alma: “O sofrimento, escreve a
admirável Elizabeth Leseur, o sofrimento atua de um modo impetuoso em nós,
primeiro, por uma espécie de renovamento íntimo, em outros também, talvez muito
longe e sem que saibamos neste mundo o trabalho que fazemos por eles. O
sofrimento é um ato. Cristo fez mais na cruz pela humanidade do que falando e
trabalhando na Galiléia ou em Jerusalém. O sofrimento faz a vida: ele
transforma tudo o que toca e tudo o que atinge”.
“O sofrimento é um ato”. Que
fórmula impressionante! Convém guardá-la. Trabalha quem sofre bem. Pode salvar
almas como o apóstolo da palavra, como o sacerdote missionário mais ativo e
ardente. A grande missionária dos últimos tempos, o Anjo do Carmelo de Lisieux,
pôde dizer e experimentou o valor do sofrimento pela salvação das almas. “Pelo
sofrimento e a perseguição, disse ela, muito mais que por brilhantes
pregações, Deus quer firmar o Seu Reino nas almas. Nossos sacrifícios, nossos
esforços e os mais obscuros de nossos atos não estão perdidos, é minha opinião
absoluta: todos têm repercussão longínqua e profunda”.
Sim, o sofrimento tem uma
repercussão tão longínqua e profunda que vai até o purgatório, vai aliviar os
tormentos das pobres almas, vai ajudá-las a pagar a dívida que contraíram com a
Justiça Divina, vai abrir-lhes as portas do céu! Há em família tantas cruzes
cotidianas, doenças, aborrecimentos, revezes, tanta coisa que nos vai
crucificando todo dia! Por que não aproveitar tudo isto pelas almas? Ó, meu
Deus, digamos na hora da dor, seja tudo por vosso amor e para o alívio das
pobres almas! Se não temos coragem para grandes penitências, pelo menos
aceitemos a de cada dia pelo purgatório.
Vítimas pelas almas
Há muitas almas generosas que
chegam ao heroísmo de se oferecerem como vítimas pelas almas do purgatório. É
um ato heroico e um meio extraordinário que não podemos aconselhar a todos,
mas que só algumas almas generosas com aprovação do confessor e em
circunstâncias especiais o poderiam fazer.
Pertencemos a família cristã,
somos membros de Cristo, somos um com Cristo e em Cristo. Ele é a cabeça e
somos os membros. Ora, em uma família um irmão não pode se oferecer para pagar
a dívida de outro irmão? É o que faz a alma vítima que se oferece para sofrer
pelas almas do purgatório.
Temos tocantes exemplos desta
oferta generosa entre os Santos. Quando Santa Catarina de Sena perdeu o pai,
que era um homem de uma piedade edificante, pediu a Nosso Senhor que o levasse
logo, sem demora, para o céu e que ela se oferecia para sofrer tudo quanto
tivesse ele de padecer no purgatório. “Enviai-me, Senhor, os sofrimentos que
deveria padecer meu pai; eu os suportarei por ele!” Este ato generoso e
heroico obteve o céu para Giacomo — conta Joergensen[1]. Todos soluçavam na
morte do velho e uma alegria imensa invadia a alma da Santa. Ela mesma colocou
no caixão o corpo do pai e, inclinada sobre aquela face pálida, murmurava: “Ó,
se eu pudesse estar agora onde estás!”.
Um sofrimento horrível invadiu
a alma de Santa Catarina de Sena. Era uma dor terrível, acompanhada de uma
doce paz. Compreendeu ela que seria a dor das almas do purgatório.
Outro exemplo de vítima pelas
almas nos deu esta Santinha ainda há pouco canonizada, Santa Gema Galgani.
Ofereceu-se pela conversão dos pecadores e pelas almas do purgatório. Um dia,
diz ela, sofri durante duas horas em favor de uma alma do purgatório. Tinha a
cabeça dolorida, que o menor movimento me era insuportável. Era terrível! Gema
soube que uma religiosa Passionista do Mosteiro de Corneto estava para morrer.
Ela pediu a Nosso Senhor que desejaria pagar a dívida da Divina Justiça por
aquela alma, a fim de que entrasse logo no céu. O Senhor ouviu-a. A Irmã
faleceu e pouco depois apareceu a Gema, dizendo estar sofrendo muito no
purgatório. A Santa não teve sossego. Fez toda sorte de penitência e clamava:
Jesus, salvai-a! Jesus, mandai logo para o céu nossa Irmã!
Durante dezesseis dias
consecutivos os sofrimentos de Gema foram incríveis. Finalmente, chegou a
hora da libertação. A Irmãzinha aparece a Gema, livre do purgatório: Sou
feliz, vou para meu Jesus para sempre! Agradeceu e partiu para o céu[2].
Contam-se inúmeros fatos de
penitências extraordinárias dos Santos pela libertação das almas do purgatório.
São Nicolau de Tolentino, o Anjo do purgatório, jejuava e tomava sangrentas
disciplinas pelo purgatório. Santa Margarida Maria fazia o mesmo com uma grande
generosidade e heroísmo. Que disciplinas sangrentas e que sofrimentos pelas
almas!
Se não podemos imitar o
heroísmo dos Santos, saibamos pelo menos oferecer algum sacrifício pelas pobres
almas, pelos nossos defuntos queridos.
Exemplo
O Padre Mateus Leconte, O.P., e o purgatório
Em 1887 morreu, em Jerusalém, o
célebre Padre Dominicano, Frei Mateus Leconte, homem de grande talento e de uma
virtude admirável. Foi um missionário que converteu muita gente em pregações
pelas principais cidades da Europa. Quis, depois de uma vida apostólica cheia
de méritos, recolher-se na Cidade Santa e fundar lá um convento da sua Ordem
rio lugar onde foi martirizado o protomártir Santo Estevão. Caiu gravemente
enfermo e foi transportado para um hospital, onde esteve sob os cuidados de uma
santa religiosa que fora sua dirigida espiritual longos anos, outrora. O
piedoso Frei Mateus se assustava com as contas que havia de dar a Deus no
tribunal do Juízo.
– Meu padre, consolava-o a
enfermeira, fizestes tanto bem com vossa pregações e salvastes tantas almas!
Que podeis temer?
— Ó, minha filha, respondia o
bom padre, não basta fazer boas obras, é mister fazê-las bem feitas e com muita
pureza de intenção! Quando eu morrer, reze muito e muito por mim...
— Rezarei, sim, meu padre, e se
um dia não precisar mais, venha me avisar.
— Minha filha, responde
sorrindo o Padre Mateus da simplicidade da Irmã, não é assim tão fácil voltar
a este mundo. Em todo caso, prometo ajudá-la quando estiver no céu pela
misericórdia de Deus. Ajude-me muito a entrar no céu, socorrendo-me no
purgatório.
Poucos dias depois falecia
santamente o bom padre. Durante uma semana mais ou menos a religiosa orou
muito pela alma do Padre Mateus. Depois, ou por ocupações, ou porque pensasse
que o padre tão santo não precisasse mais de orações e sufrágios, deixou de
orar por ele.
Um dia a boa religiosa estava
na cela, em trabalho, quando sentiu de repente um forte cheiro de fumaça e
alguma coisa que se queimava e muita fumaça insuportável. Em meio do fumo ouviu
um gemido angustioso e terrível, que a gelou toda de horror.
— Minha filha! Minha filha!
Reze muito por mim, reze muito por mim!
E tudo desapareceu num
instante. Quinze dias depois, o mesmo fenômeno se repete, mas já não com tanta
intensidade. A religiosa, neste espaço de tempo, rezou e sofreu muito pela
alma que lhe pedira orações. Desta vez, a voz misteriosa lhe disse: muito
agradecido, minha filha, as tuas orações me aliviaram muito, foram um
refrigerante orvalho nas chamas do purgatório que estou padecendo. Eu te peço
uma caridade: a de dizer ao Prior do Convento que fundei, mande celebrar uma
novena de Missas pela minha alma.
A religiosa, sem hesitar, foi
transmitir o recado ao Superior. Este recebeu-a com certa desconfiança,
julgando se tratasse de uma visionária. Em todo caso, pensou ele, uma novena de
Missas por alma do Padre Mateus não lhe fará mal. E sem demora mandou celebrar
as Santas Missas.
No último dia da novena, depois
de celebrada a última Santa Missa, o Padre Guardião e os religiosos, após as
últimas orações da noite, se retiraram para suas celas. Um Irmão Leigo, homem
muito equilibrado e de um temperamento positivo, nada sujeito a ilusões, sentiu
que lhe batiam à porta da cela.
— Entre! Gritou logo.
Qual não foi o seu espanto ao
ver entrar o Padre Mateus, todo resplandecente e belo, cheio de alegria. O
defunto se adiantou para o Irmão e tal como o fazia em vida, sorriu e perguntou
com iam as coisas pelo convento.
— Tudo vai bem, Padre Mateus,
só as saudades de V. Revma. e a falta que nos faz...
— Coragem, diz o defunto, eu
agora parto para o céu e lá vos serei mais útil do que neste mundo.
E estendeu a mão, apertando a
mão do leigo com tanta força, que este sentiu por muitos dias este aperto. E
Frei Mateus desapareceu num halo de luz.
O Irmão, comovido, quis acordar
o Superior e a Comunidade àquela hora. O Superior ouviu-o e conferindo as
datas e as circunstâncias, e atendendo ao espírito equilibrado do Irmão leigo,
viu que se tratava de uma verdadeira aparição. Louvou a misericórdia de Deus
por ter mandado sufragar a alma do santo sacerdote, segundo o pedido da Irmã.
— (Il purgatorio — I nostri morti — Luigi Falletti, S.M.).
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