AS ALMAS MAIS ABANDONADAS
Os esquecidos...
Como já
dissemos, os mortos são muito esquecidos. Os vivos os choram pouco tempo e
depois os abandonam para sempre ao esquecimento das sepulturas, e o que é mais
doloroso, ao abandono e esquecimento no purgatório. Há no purgatório as almas
que chamamos as mais abandonadas. Devem ser inumeráveis. Por elas nem uma
Santa Missa, nem uma oração, nem um sufrágio sequer dos que elas amaram tanto
neste mundo, e, quem sabe, encheram de benefícios e talvez estejam
aproveitando o que deixaram aqui em herança e patrimônios. Que dura
ingratidão! Como sofrem estas pobres almas! O esquecimento dói muito neste
mundo. Que diremos no outro, no purgatório! Então, aquelas pobres almas
parecem gemer, como o profeta Jó: Miseremini mei saltem vos amici mei, quia
manus Domini tetigit me! Tende compaixão de mim, tende compaixão de mim, pelo
menos vós, meus amigos, porque a mão de Deus me feriu!
Que gemido
angustioso! Sim, a mão da Justiça de Deus fere as pobres almas para santificá-las
e purificá-las, e elas só dependem de nós. E quando se veem abandonadas dos
seus, clamam: pelo menos vós, meus filhos, meus parentes, meus amigos, meus
beneficiados, vós que me amastes na terra!...
Em vão
clamam tantas vezes! Não são ouvidas, porque seus amigos e parentes,
preocupados com os prazeres, as honras, o dinheiro, as vaidades, nem querem
pensar nos mortos, e nem se lembram num ato de fé, que podem seus parentes e
seres muito caros estarem nas chamas expiatórias, a sofrer!
Daí o
abandono das pobres almas. Há outras pobrezinhas que neste mundo nem deixaram
amigos ou parentes. Não têm mesmo quem reze por elas. Pobres criaturas que
deixaram esta vida ignoradas. Quem se lembrará delas?
É verdade
que nos desígnios misericordiosos de Deus, muitos sufrágios dos ricos Nosso
Senhor aplica aos pobrezinhos, segundo dizia a Beata Ana Taigi, que numa
revelação viu a alma de um cardeal sem receber no purgatório sufrágios de
muitas Missas, porque Nosso Senhor as aplicava pelas almas dos pobrezinhos que
morreram e ficaram abandonados. Todavia, não deixa de haver no purgatório
almas abandonadas.
Em Fátima,
Nossa Senhora pedia orações pelas almas abandonadas. Os pastorinhos rezavam:
Meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, livrai as almas do
purgatório, especialmente as mais abandonadas.
É, sem
dúvida, uma grande obra de caridade. Quantas graças não podemos alcançar por
este ato de caridade tão agradável a Nosso Senhor!
Vamos,
pois, tenhamos caridade, tenhamos piedade das pobres almas sofredoras. Deus
não permitirá que sofra muito no purgatório quem neste mundo socorreu os
mortos. Portanto, é de nosso interesse sufragar os mortos. A devoção às almas
é muito necessária! Milhões de fiéis devem sofrer no purgatório! Se ao invés de
flores e túmulos pomposos e gastos inúteis, orassem e fizessem boas obras e
oferecessem muitos a santa Missa pelos seus mortos, não haveria tantas pobres
almas abandonadas!
Se ao invés
de andarem à procura de centros de espiritismo para uma absurda comunicação com
os mortos, tantos se lembrassem de que se iludem ou falam com o demônio
iludidos e deixam seus parentes e amigos em maiores penas, ai, as pobres almas
do purgatório não seriam almas abandonadas...
Por que ficam abandonadas?
Já o
dissemos: por indiferença dos vivos e falta de uma fé mais viva no dogma do
purgatório. Depois, temos o costume de canonizar muito depressa os nossos
defuntos. Morreu? Só nos lembramos das virtudes e do bem feito pelo falecido. É
uma caridade, não há dúvida. Parce sepultis! Perdoemos aos mortos e veneremos
a sua memória. Dos mortos, ou falar bem ou calar-se. Não recordemos suas
misérias e pecados. Pobrezinhos, já deram contas a Nosso Senhor e estão
entregues à Divina Justiça. Repito, é muito edificante nunca censurar os
mortos e ter deles boa memória. Todavia, saibamos que a Justiça, a Santidade
de Deus, costuma ver defeitos até nos Anjos, e, para entrar no céu, é mister
uma grande santidade. Dizemos: era um santo, era uma santa, e... os vamos
deixando sofrer no purgatório! Disto é que tinha medo São Francisco de Sales,
quando recomendava muito que orassem por sua alma depois da morte.
Frederico
Ozanam recomendava, também, que não o deixassem no purgatório, esquecido, sob o
pretexto de que era um santo e tinha ido direito para o céu! Eis um dos motivos
também do abandono de algumas almas. Cuidado, pois; não canonizemos tão
depressa nossos mortos, ainda que nesta vida tenham dado provas de grande
virtude. Desconhecemos os rigores da Divina Justiça!
Depois, há
o contrário: o julgarmos que a pobre alma, tendo deixado este mundo sem sinais
de arrependimento e talvez em lamentáveis condições de pecado e de escândalo,
e talvez tenha se condenado e esteja no inferno. A Igreja nunca permitiu que se
dissesse que alguém está certamente no inferno. É verdade que muitos se
condenam, mas não podemos afirmar sem temeridade que alguém esteja condenado.
Ignoramos os segredos da divina Misericórdia e o que se passa com uma alma na hora
derradeira entre o último suspiro e a eternidade.
Não
abandonemos uma só alma, por mais que pareça ter sido condenada. A Igreja
proíbe, é verdade, os sufrágios públicos pelos suicidas, pelos hereges, pelos
pecadores públicos escandalosos, mas permite os sufrágios em particular e não
reprova que se reze por estes infelizes, em particular. Ninguém conhece os
segredos da Justiça e da Misericórdia Divinas! Eis porque ficam muitas almas
abandonadas. Rezemos por elas. Talvez estejam no purgatório, e que purgatório
horroroso não há de ser o dos que escaparam da eterna condenação por um
milagre da Divina Misericórdia!
Oremos
pelas almas dos infelizes que deixaram esta vida talvez em péssimas condições,
sem Sacramentos, em mortes repentinas. Só Deus sabe o destino destes
infelizes! Pelo menos em particular, em segredo, entre nós e Deus, podemos
sufragar estas pobres almas. Daí a necessidade da devoção às almas mais
abandonadas. Ó, que para a nossa caridade, para a nossa fé, não haja almas
abandonadas!
Lembremo-nos
de todas, socorramos esta classe das pobrezinhas que padecem no purgatório!
Os Santos e as almas abandonadas
Muitos
Santos tiveram esta devoção. Santa Catarina de Genova, Santa Catarina de Sena,
Santo Afonso de Ligório, São Francisco de Sales e principalmente o grande
apóstolo da caridade, São Vicente de Paulo. Este grande coração, cuja vida se
passou a ajudar os abandonados e infelizes da terra, por este mesmo instinto
divino de caridade se voltava para as almas abandonadas e sofredoras do
purgatório. Era a sua grande devoção socorrer as almas mais abandonadas.
Uma piedosa
serva de Deus, Irmã Maria Denise da Visitação, e que no século se chamava Mme.
Martignat, pertencente a família da nobreza, ao invés de encomendar a Nosso
Senhor a alma dos pobrezinhos, recomendava a alma dos ricos e dos grandes da
terra. Estranharam isto e ela dava as razões: “São às vezes as almas mais
abandonadas e as que tem mais necessidade de sufrágios. Passaram uma vida
folgada, não fizeram muita penitência e sabe Deus que terrível purgatório não
lhes está reservado, se conseguiram se salvar pela Divina Misericórdia”. E
tinha razão. Além do mais, depois das pompas fúnebres nas quais entra muita
vaidade da família, às vezes segue-se um esquecimento e abandono completo do
pobre morto. Oremos muito pelas almas abandonadas, porque elas não deixarão de
pedir por nós quando libertadas por nossos sufrágios. Para a Igreja nunca
seremos almas abandonadas, é verdade.
A Igreja,
nossa Mãe, só ela nunca esquece e cada dia sem cessar, em milhares de altares
em toda terra, lembra, ante a Hóstia divina, os mortos. — Memento! Memento!
Lembrai-vos, Senhor, daqueles que nos precederam com o sinal da fé e agora
descansam no sono da paz. Nós Vos suplicamos, Senhor, dignai- vos concedê-la a
estes e a todos que descansam em Jesus Cristo Nosso Senhor.
Que tocante
oração! Só para a Igreja os mortos não são esquecidos.
Tanta
lágrima, tantas flores, tantos suspiros em alguns dias e meses. Depois... o
frio e duro esquecimento. Dura lei! É verdade, não havemos de chorar a vida
toda os nossos mortos, e a esperança cristã nos diz, no Prefácio da Missa, dos
defuntos que a vida para eles não se acaba, muda-se — Vita mutatur, non
tollitur. Eles, os nossos mortos, vivem no seio de Deus. E a maioria deles
expia nas chamas do purgatório. É uma verdade terrível e consoladora. E por
isto nosso esquecimento é grave e cruel.
Que para
nós não haja almas abandonadas! Estejam todas em nossa lembrança e em nossos
sufrágios. Depois da morte veremos quanto nos foi proveitosa esta bela
devoção e este ato generoso de caridade.
Imitemos os
Santos, que acudiam generosamente as almas mais abandonadas.
Exemplo
Uma alma abandonada e salva por Maria
Conta Santo
Afonso nas suas “Glórias de Maria”, este exemplo que é a um tempo uma
glorificação da misericórdia da Mãe de Deus e uma prova do abandono em que
pode ficar uma alma no purgatório.
Lê-se na
vida de soror Catarina de Santo Agostinho, que havia no lugar em que morava
esta serva de Deus uma mulher chamada Maria. A infeliz levara urna vida de
pecados durante a mocidade. E já envelhecida, de tal forma se obstinara na sua
perversidade, que fora expulsa pelos habitantes da cidade e obrigada a viver
numa gruta abandonada. Ai morreu, finalmente, sem os sacramentos e sem a
assistência de ninguém. Sepultaram-na no campo, como um bruto qualquer. Soror
Catarina costumava recomendar a Deus com grande devoção as almas de todos os
falecidos. Mas, ao saber da terrível morte da pobre velha, não cuidou de rezar
por ela, pensando, como todos os outros, que já estivesse condenada. Eis que,
passados quatro anos, em certo dia se lhe apresentou diante uma alma do
purgatório, que lhe dizia:
— Soror
Catarina, que triste sorte é a minha! Tu encomendas a Deus as almas de todos os
que morrem e só da minha alma não tens tido compaixão?
— Mas, quem
és tu? Disse a serva de Deus.
— Eu sou,
respondeu ela, aquela pobre Maria, que morreu na gruta.
— E como te
salvaste? Replicou soror Catarina.
— Sim, eu
me salvei por misericórdia da Virgem Maria.
— E como?
— Quando eu
me vi próxima à morte, vendo-me juntamente tão cheia de pecados e desamparada
de todos, me voltei para a Mãe de Deus e lhe disse: Senhora, vós sois o refúgio
dos desamparados. Aqui estou neste estado, abandonada por todos. Vós sois a
minha única esperança, só vós me podeis valer; tende piedade de mim. Então a
SS. Virgem obteve-me a graça de eu poder fazer um ato de contrição; depois
morri e fui salva. Além disso, esta minha Rainha alcançou-me a graça de ser
abreviada minha pena por sofrimentos mais intensos, porém menos demorados. Só
necessito de algumas Missas para me livrar mais depressa do purgatório.
Rogo-te que as faças celebrar. Em troca, prometo-te pedir sempre a Deus e à
SS. Virgem por ti.
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Fonte:
Tenhamos
Compaixão das Pobres Almas!
30
meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas, por Monsenhor Ascânio
Brandão
Livro de
1948 - 243 pags, Casa da U.P.C. Pouso Alegre
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