20 de Novembro: As almas mais abandonadas


AS ALMAS MAIS ABANDONADAS
Os esquecidos...

Como já dissemos, os mortos são muito esque­cidos. Os vivos os choram pouco tempo e depois os abandonam para sempre ao esquecimento das sepul­turas, e o que é mais doloroso, ao abandono e esqueci­mento no purgatório. Há no purgatório as almas que chamamos as mais abandonadas. Devem ser inume­ráveis. Por elas nem uma Santa Missa, nem uma ora­ção, nem um sufrágio sequer dos que elas amaram tanto neste mundo, e, quem sabe, encheram de be­nefícios e talvez estejam aproveitando o que deixa­ram aqui em herança e patrimônios. Que dura in­gratidão! Como sofrem estas pobres almas! O es­quecimento dói muito neste mundo. Que diremos no outro, no purgatório! Então, aquelas pobres al­mas parecem gemer, como o profeta Jó: Miseremini mei saltem vos amici mei, quia manus Domini teti­git me! Tende compaixão de mim, tende compaixão de mim, pelo menos vós, meus amigos, porque a mão de Deus me feriu!
Que gemido angustioso! Sim, a mão da Justiça de Deus fere as pobres almas para santificá-las e pu­rificá-las, e elas só dependem de nós. E quando se veem abandonadas dos seus, clamam: pelo menos vós, meus filhos, meus parentes, meus amigos, meus be­neficiados, vós que me amastes na terra!...
Em vão clamam tantas vezes! Não são ouvidas, porque seus amigos e parentes, preocupados com os prazeres, as honras, o dinheiro, as vaidades, nem querem pensar nos mortos, e nem se lembram num ato de fé, que podem seus parentes e seres muito caros estarem nas chamas expiatórias, a sofrer!
Daí o abandono das pobres almas. Há outras po­brezinhas que neste mundo nem deixaram amigos ou parentes. Não têm mesmo quem reze por elas. Po­bres criaturas que deixaram esta vida ignoradas. Quem se lembrará delas?
É verdade que nos desígnios misericordiosos de Deus, muitos sufrágios dos ricos Nosso Senhor apli­ca aos pobrezinhos, segundo dizia a Beata Ana Taigi, que numa revelação viu a alma de um cardeal sem receber no purgatório sufrágios de muitas Missas, porque Nosso Senhor as aplicava pelas almas dos po­brezinhos que morreram e ficaram abandonados. To­davia, não deixa de haver no purgatório almas abandonadas.
Em Fátima, Nossa Senhora pedia orações pelas almas abandonadas. Os pastorinhos rezavam: Meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, li­vrai as almas do purgatório, especialmente as mais abandonadas.
É, sem dúvida, uma grande obra de caridade. Quantas graças não podemos alcançar por este ato de caridade tão agradável a Nosso Senhor!
Vamos, pois, tenhamos caridade, tenhamos pie­dade das pobres almas sofredoras. Deus não permi­tirá que sofra muito no purgatório quem neste mun­do socorreu os mortos. Portanto, é de nosso inte­resse sufragar os mortos. A devoção às almas é muito necessária! Milhões de fiéis devem sofrer no purgatório! Se ao invés de flores e túmulos pomposos e gastos inúteis, orassem e fizessem boas obras e oferecessem muitos a santa Missa pelos seus mortos, não haveria tantas pobres almas abandonadas!
Se ao invés de andarem à procura de centros de espiritismo para uma absurda comunicação com os mortos, tantos se lembrassem de que se iludem ou falam com o demônio iludidos e deixam seus parentes e amigos em maiores penas, ai, as pobres almas do purgatório não seriam almas abandonadas...
  
Por que ficam abandonadas?
Já o dissemos: por indiferença dos vivos e fal­ta de uma fé mais viva no dogma do purgatório. De­pois, temos o costume de canonizar muito depressa os nossos defuntos. Morreu? Só nos lembramos das virtudes e do bem feito pelo falecido. É uma carida­de, não há dúvida. Parce sepultis! Perdoemos aos mortos e veneremos a sua memória. Dos mortos, ou falar bem ou calar-se. Não recordemos suas misé­rias e pecados. Pobrezinhos, já deram contas a Nos­so Senhor e estão entregues à Divina Justiça. Repi­to, é muito edificante nunca censurar os mortos e ter deles boa memória. Todavia, saibamos que a Jus­tiça, a Santidade de Deus, costuma ver defeitos até nos Anjos, e, para entrar no céu, é mister uma gran­de santidade. Dizemos: era um santo, era uma san­ta, e... os vamos deixando sofrer no purgatório! Disto é que tinha medo São Francisco de Sales, quan­do recomendava muito que orassem por sua alma depois da morte.
Frederico Ozanam recomendava, também, que não o deixassem no purgatório, esquecido, sob o pretexto de que era um santo e tinha ido direito para o céu! Eis um dos motivos também do abandono de algumas almas. Cuidado, pois; não canonizemos tão depressa nossos mortos, ainda que nesta vida tenham dado provas de grande virtude. Desconhecemos os rigores da Divina Justiça!
Depois, há o contrário: o julgarmos que a pobre alma, tendo deixado este mundo sem sinais de arre­pendimento e talvez em lamentáveis condições de pecado e de escândalo, e talvez tenha se condenado e esteja no inferno. A Igreja nunca permitiu que se dissesse que alguém está certamente no inferno. É verdade que muitos se condenam, mas não podemos afirmar sem temeridade que alguém esteja conde­nado. Ignoramos os segredos da divina Misericórdia e o que se passa com uma alma na hora derradeira entre o último suspiro e a eternidade.
Não abandonemos uma só alma, por mais que pareça ter sido condenada. A Igreja proíbe, é verda­de, os sufrágios públicos pelos suicidas, pelos hereges, pelos pecadores públicos escandalosos, mas per­mite os sufrágios em particular e não reprova que se reze por estes infelizes, em particular. Ninguém conhece os segredos da Justiça e da Misericórdia Di­vinas! Eis porque ficam muitas almas abandonadas. Rezemos por elas. Talvez estejam no purgatório, e que purgatório horroroso não há de ser o dos que es­caparam da eterna condenação por um milagre da Divina Misericórdia!
Oremos pelas almas dos infelizes que deixaram esta vida talvez em péssimas condições, sem Sacra­mentos, em mortes repentinas. Só Deus sabe o des­tino destes infelizes! Pelo menos em particular, em segredo, entre nós e Deus, podemos sufragar estas pobres almas. Daí a necessidade da devoção às al­mas mais abandonadas. Ó, que para a nossa carida­de, para a nossa fé, não haja almas abandonadas!
Lembremo-nos de todas, socorramos esta classe das pobrezinhas que padecem no purgatório!

Os Santos e as almas abandonadas
Muitos Santos tiveram esta devoção. Santa Ca­tarina de Genova, Santa Catarina de Sena, Santo Afonso de Ligório, São Francisco de Sales e princi­palmente o grande apóstolo da caridade, São Vicente de Paulo. Este grande coração, cuja vida se passou a ajudar os abandonados e infelizes da terra, por este mesmo instinto divino de caridade se voltava para as almas abandonadas e sofredoras do purgatório. Era a sua grande devoção socorrer as almas mais abandonadas.
Uma piedosa serva de Deus, Irmã Maria Denise da Visitação, e que no século se chamava Mme. Martignat, pertencente a família da nobreza, ao invés de encomendar a Nosso Senhor a alma dos pobrezi­nhos, recomendava a alma dos ricos e dos grandes da terra. Estranharam isto e ela dava as razões: “São às vezes as almas mais abandonadas e as que tem mais necessidade de sufrágios. Passaram uma vida folgada, não fizeram muita penitência e sabe Deus que terrível purgatório não lhes está reserva­do, se conseguiram se salvar pela Divina Misericór­dia”. E tinha razão. Além do mais, depois das pom­pas fúnebres nas quais entra muita vaidade da fa­mília, às vezes segue-se um esquecimento e abando­no completo do pobre morto. Oremos muito pelas almas abandonadas, porque elas não deixarão de pe­dir por nós quando libertadas por nossos sufrágios. Para a Igreja nunca seremos almas abandonadas, é verdade.
A Igreja, nossa Mãe, só ela nunca esquece e cada dia sem cessar, em milhares de altares em toda ter­ra, lembra, ante a Hóstia divina, os mortos. — Me­mento! Memento! Lembrai-vos, Senhor, daqueles que nos precederam com o sinal da fé e agora descansam no sono da paz. Nós Vos suplicamos, Senhor, dignai- vos concedê-la a estes e a todos que descansam em Jesus Cristo Nosso Senhor.
Que tocante oração! Só para a Igreja os mortos não são esquecidos.
Tanta lágrima, tantas flores, tantos suspiros em alguns dias e meses. Depois... o frio e duro esqueci­mento. Dura lei! É verdade, não havemos de chorar a vida toda os nossos mortos, e a esperança cristã nos diz, no Prefácio da Missa, dos defuntos que a vida para eles não se acaba, muda-se — Vita mutatur, non tollitur. Eles, os nossos mortos, vivem no seio de Deus. E a maioria deles expia nas chamas do purgatório. É uma verdade terrível e consoladora. E por isto nosso esquecimento é grave e cruel.
Que para nós não haja almas abandonadas! Es­tejam todas em nossa lembrança e em nossos sufrá­gios. Depois da morte veremos quanto nos foi pro­veitosa esta bela devoção e este ato generoso de caridade.
Imitemos os Santos, que acudiam generosamente as almas mais abandonadas.
  
Exemplo
Uma alma abandonada e salva por Maria
Conta Santo Afonso nas suas “Glórias de Ma­ria”, este exemplo que é a um tempo uma glorifica­ção da misericórdia da Mãe de Deus e uma prova do abandono em que pode ficar uma alma no purgatório.
Lê-se na vida de soror Catarina de Santo Agos­tinho, que havia no lugar em que morava esta serva de Deus uma mulher chamada Maria. A infeliz le­vara urna vida de pecados durante a mocidade. E já envelhecida, de tal forma se obstinara na sua perversidade, que fora expulsa pelos habitantes da cida­de e obrigada a viver numa gruta abandonada. Ai morreu, finalmente, sem os sacramentos e sem a as­sistência de ninguém. Sepultaram-na no campo, como um bruto qualquer. Soror Catarina costumava reco­mendar a Deus com grande devoção as almas de to­dos os falecidos. Mas, ao saber da terrível morte da pobre velha, não cuidou de rezar por ela, pensando, como todos os outros, que já estivesse condenada. Eis que, passados quatro anos, em certo dia se lhe apresentou diante uma alma do purgatório, que lhe dizia:
— Soror Catarina, que triste sorte é a minha! Tu encomendas a Deus as almas de todos os que mor­rem e só da minha alma não tens tido compaixão?
— Mas, quem és tu? Disse a serva de Deus.
— Eu sou, respondeu ela, aquela pobre Maria, que morreu na gruta.
— E como te salvaste? Replicou soror Ca­tarina.
— Sim, eu me salvei por misericórdia da Vir­gem Maria.
— E como?
— Quando eu me vi próxima à morte, vendo-me juntamente tão cheia de pecados e desamparada de todos, me voltei para a Mãe de Deus e lhe disse: Senhora, vós sois o refúgio dos de­samparados. Aqui estou neste estado, abandonada por todos. Vós sois a minha única esperança, só vós me podeis valer; tende piedade de mim. Então a SS. Virgem obteve-me a graça de eu poder fazer um ato de contrição; depois morri e fui salva. Além disso, esta minha Rainha alcançou-me a graça de ser abre­viada minha pena por sofrimentos mais intensos, po­rém menos demorados. Só necessito de algumas Mis­sas para me livrar mais depressa do purgatório. Ro­go-te que as faças celebrar. Em troca, prometo-te pedir sempre a Deus e à SS. Virgem por ti.
 Soror Catarina logo fez celebrar as missas. De­pois de poucos dias, lhe tornou a aparecer aquela al­ma mais resplandecente do que o sol e lhe disse: Ago­ra vou para o paraíso, cantar as misericórdias do Se­nhor e rogar por ti.
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Fonte:
Tenhamos Compaixão das Pobres Almas!
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas, por Monsenhor Ascânio Brandão

Livro de 1948 - 243 pags, Casa da U.P.C. Pouso Alegre

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