26 de Novembro: O cemitério





O CEMITÉRIO
Que é um cemitério?

O cemitério é simplesmente o lugar do repouso dos mortos. A palavra cemitério vem do latim: caemeterium, que literalmente significa dormitório, co­mo a palavra grega donde se origina. Dormitório! Lugar de descanso. Lá estão aqueles sobre os quais reza a Igreja, dizendo: Requiem aeternam dona eis, Domine! — Dai-lhes, Senhor, o descanso eterno. Os corpos dos fiéis cristãos dormem, à espera da res­surreição. A Igreja chama o cemitério o lugar onde dormem os fiéis. O Ritual Romano fala na bênção “do lugar onde dormem os fiéis”... Que expressões!
Na linguagem cristã, o cemitério chama-se tam­bém campo santo. E há lugares onde o denominam também campo de Deus. Os povos pagãos tinham do cemitério uma idéia ou supersticiosa ou muito gros­seira e materialista. Os romanos o denominavam putreolli — lugar onde se apodrece. Os pagãos moder­nos têm horror do cemitério e pensam mesmo em aboli-lo, substituindo-o pelos macabros fornos cre­matórios. Entretanto, é um lugar sagrado, uma lição perene para os vivos, é a recordação do nosso nada, da nossa miséria, mas também da nossa imortalida­de e da ressurreição da carne. É um lugar sagrado.
Tem este caráter sagrado, por mais que o laicismo tente reduzi-lo a um simples depósito de cadáveres destinados ao apodrecimento. Nosso corpo e sagrado, é o templo do Espírito Santo. Ainda depois de sepa­rado da alma, há de merecer todo respeito, porque um dia ressuscitará.
A Liturgia tem uma bênção solene para os cemitérios, reservada aos Bispos. Nele se planta uma cruz bem grande. É a lembrança de nossa Redenção. O cemitério é a terra da cruz. Tudo ali nos fala da cruz de Jesus Cristo. Em cada sepultura, o símbolo da Redenção. Como é triste verem-se, ainda hoje, tú­mulos pagãos donde baniram a cruz, substituída por uma coluna partida ou qualquer outro símbolo de dor e desespero. O cristianismo santificou a sepultura. Os primeiros cristãos eram sepultados nas catacum­bas, com honras e piedosas preces. Como são belas as inscrições que nos deixaram! Todas falam da imortalidade e do céu. Às vezes uma só palavra dizia tudo: Vixit! Viveu!
A Igreja, que consagra os cemitérios, abençoa as sepulturas cristãs e pede ao Senhor mande um An­jo guardar cada uma delas. Eis a bela oração da bên­ção do túmulo: “Ó Deus, cuja misericórdia dá o re­pouso às almas dos fiéis, dignai-vos abençoar esta sepultura e enviar o vosso Anjo para a guardar. Dig­nai-vos também livrar dos laços dos seus pecados as almas daqueles cujos corpos estão aqui sepultados, a fim de que gozem continuamente e eternamente a felicidade junto com os vossos Santos”...
Que laços são estes dos pecados? Naturalmente os laços que prendem as pobres almas na expiação, nas chamas do purgatório. Eis como a Igreja san­tifica o cemitério e nossa sepultura, e deseja que aprendamos ali o que somos: pó! E... uma alma imortal destinada à felicidade eterna no seio de Deus.

Lições do cemitério
O cemitério é uma escola, não há dúvida. Fala-nos da morte. Lembra nossos Novíssimos. Dizia San­to Agostinho: “Sit mors pro Doctore, que seja vos­sa mestra a morte! Palavras profundas e tão singe­las! Sim, a morte é uma grande mestra. E onde en­sina melhor? Onde está sua escola? No cemitério. Quantas lições ela não nos dá! Ó, se os vivos soubes­sem aproveitar as lições da Doutora Morte!
Vamos a cemitério com sentimentos cristãos e muito aprenderemos lá.
Um cemitério cristão, escreve o erudito Mons. Gaume, prega quatro dogmas:
— A nobreza e a santidade do corpo do homem,
— a grande lei da fraternidade universal e eterna,
— a imortalidade da alma,
— a ressurreição da carne.
Prega a nobreza do corpo humano, cercando-o de respeito e veneração, mesmo quando ele se transfor­ma num montão de ruínas, numa podridão, num pu­nhado de cinzas. Respeita estas cinzas e as quer de­positadas num lugar sagrado.
Uma voz parece se ouvir no cemitério como a do Senhor a Moisés: “locus enim in quo stas, terra sancta est”. É sagrado o lugar onde estás, esta terra que pisas.
Lá dormem os cristãos. Como é doloroso ver-se desrespeitado e profanado o lugar dos mortos com tantas leviandades e até com o escândalo e o pecado. No cemitério conservemo-nos respeitosos como num templo. Oremos e meditemos ali. É lugar sagrado. O cemitério fala-nos que somos todos irmãos. Todos ni­velados numa tumba! A diferença dos mausoléus e das sepulturas rasas não tira ao cemitério a idéia do nivelamento, do nada que somos, e da podridão de uma sepultura. Que lição para os orgulhosos! E como devemos nos amar em Cristo, nós que seremos nive­lados após a morte até a ressurreição da carne! De­baixo de uma sepultura, todos iguais! Ali não há po­bres nem ricos, nem grandes ou pequenos. Já o dis­semos, o cemitério cristão prega-nos a imortalidade de nossa alma. Ali não se acaba tudo. Ali começa tudo. É a porta da eternidade, o pórtico da outra vida. Então, pensamos na imortalidade de nossa al­ma. Olhar para um cemitério com a indiferença des­te grosseiro materialismo que hoje aí impera, é mui­to triste e horrível porque desespera. Cada sepultura é uma porta do céu para o verdadeiro cristão. Uma se­menteira onde descansa um corpo que depois de apo­drecido como a semente na terra, surgirá ressuscita­do para unir-se à alma na eternidade, quando vier a ressurreição da carne. Ressuscitarei um dia! Que doce esperança do cristão!
Escreveu D. Cabról: “A alma voltará um dia pa­ra animar este corpo que foi seu companheiro na ter­ra e que ela o fez trabalhar no serviço de Deus. To­mará de novo sua forma mortal, mas uma forma em­belezada, enobrecida, elevada até o apogeu da glória. A alma santificada elevará este corpo a um grau de glória e o fará entrar no céu e lhe comunicará os dons da imortalidade e da glória”.
Tudo isto aprende e medita o cristão num cemi­tério quando o visita com fé e vive o espírito da Igre­ja que santifica e abençoa o Campo Santo.

Visitas ao cemitério
Quanto mais os cristãos tíbios e os pagãos mo­dernos têm horror e fogem dos cemitérios, tanto mais nós, os que cremos na imortalidade de nossa alma e esperamos a ressurreição da carne, devemos visitar e amar o campo santo. Visitemos os cemitérios. Serão nossos mestres, e neles nos lembraremos das pobres almas do purgatório.
São Camilo de Lellis e muitos outros santos ti­nham o piedoso costume de visitar os mortos e me­ditar sobre as sepulturas. Quantas vezes o Santo dos enfermos não se aprofundava numa meditação ante as sepulturas, dizendo a si mesmo: medita na sorte destes que já estão na eternidade.  Ó, se muitos des­tes mortos pudessem voltar à terra, como fariam pe­nitência e haviam de trabalhar para sua salvação! Agora sabem eles o que é um Deus e uma eternida­de, e o que valem as vaidades deste mundo!”.
Aconselha-se a visita aos cemitérios para medi­tação nossa e para o proveito dos fiéis defuntos. Con­vém recolher-se um pouco ao passar diante de um campo santo. Rezar, refletir um instante! Não seja­mos indiferentes e frios como os que não têm fé e não esperam a ressurreição da carne.
A Santa Igreja, para nos estimular, concede-nos várias e ricas indulgências pela visita ao cemitério. Durante o oitavário dos mortos, isto é, de 2 a 9 de Novembro, os fiéis que visitarem o cemitério e reza­rem pelos defuntos, podem lucrar as seguintes indul­gências: “Uma indulgência plenária cada dia aplicada só aos defuntos. E a todos que visitam o cemitério e oram pelas almas, uma indulgência de sete anos aplicável só aos defuntos — P. P. P. — 446).
Por que estas indulgências? Naturalmente para nos estimular a orar pelos mortos no lugar dos mor­tos, e assim embalsamarmos com a oração a sepul­tura sagrada dos que dormem à espera do acordar do Juízo no último dia.
Nas visitas pastorais o Bispo reserva um dia pa­ra os mortos. São também dignos merecedores da visita do Pastor. É o exame do Pastor vigilante não só por motivos canônicos e litúrgicos; tem o fim estimular os fiéis a rezarem pelos fiéis defuntos, incentivar a devoção do sufrágio, recordar as gran­des verdades de nossos novíssimos.
Por tudo isto, que havemos de concluir?
A Igreja quer que visitemos os cemitérios, que não nos esqueçamos desta obra de caridade. Não basta aquela visita, quanta vez por vaidade e osten­tação, no dia de Finados, umas coroas depositadas nos túmulos, umas lágrimas que logo se enxugam e as flores que logo se murcham. Não é disto que pre­cisam os mortos. As flores provam amizade, não as reprovamos. São elas uma manifestação delica­da de amor. As lágrimas não as condenamos. Jesus não chorou ante o sepulcro de Lázaro? Ficaremos to­davia só em lágrimas de sentimentalismo? É preci­so sufragar as almas de nossos defuntos queridos. Vamos aos cemitérios para os socorrer e não apenas para nos consolar e cumprir uma formalidade social. Enfim, visitemos os cemitérios como cristãos, como os que acreditam na ressurreição da carne.

Exemplo
O príncipe polonês convertido

O grande pregador Pe. Lacordaire numa das suas conferências aos alunos do Colégio de Sorreze, conta o seguinte fato ao tratar da imortalidade da alma:
Um príncipe polonês, incrédulo e muito conhe­cido pelo seu materialismo, havia escrito um livro contra a imortalidade da alma. Estava já pronto o livro e prestes a entrar no prelo, quando ao passear pelo jardim veio-lhe ao encontro uma pobre mulher e banhada em lágrimas lançou-se aos seus pés, dizen­do:
— “Meu caro senhor, meu marido morreu. A sua alma deve estar no purgatório e há de sofrer muito. Eu sou muito pobre, não tenho dinheiro para a es­pórtula de uma Missa por sua alma. Tenha a carida­de de me dar uma esmola para mandar celebrar uma Santa Missa pela alma de meu marido”.
O incrédulo príncipe teve pena da pobre mulher, e embora não acreditasse na imortalidade da alma e combatesse toda crença, levou a mão ao bolso e en­controu uma moeda de ouro. Deu-a logo à mulher. A pobrezinha, radiante de alegria, foi logo à primeira igreja e encomendou diversas Missas pela alma do sau­doso esposo. Cinco dias depois, o príncipe relia os manuscritos do seu livro já em vésperas de ser pu­blicado — o terrível livro contra a imortalidade da alma. — De repente, levantando a cabeça, deu com os olhos num homem misterioso que lhe parou em frente à mesa de trabalho do escritório. Era um camponês.
— Príncipe, diz o desconhecido, venho agra­decer-lhe. Sou o marido daquela pobre senhora que há poucos dias pediu a Vossa Alteza uma esmola para mandar celebrar Missas pela alma do esposo falecido, pela minha alma. A caridade de Vossa Alteza foi tão bem aceita de Deus, que me foi permitido vir agra­decer tão grande benefício.
Diante disto o príncipe, comovido, se converteu, rasgou os originais do livro ímpio que havia escrito, lançou-os ao fogo e tornou-se bom cristão até a morte.

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Fonte:
Tenhamos Compaixão das Pobres Almas!
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas, por Monsenhor Ascânio Brandão

Livro de 1948 - 243 pags, Casa da U.P.C. Pouso Alegre

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