O CEMITÉRIO
Que é um cemitério?
O cemitério
é simplesmente o lugar do repouso dos mortos. A palavra cemitério vem do latim:
caemeterium, que literalmente significa dormitório, como a palavra grega donde
se origina. Dormitório! Lugar de descanso. Lá estão aqueles sobre os quais reza
a Igreja, dizendo: Requiem aeternam dona eis, Domine! — Dai-lhes, Senhor, o
descanso eterno. Os corpos dos fiéis cristãos dormem, à espera da
ressurreição. A Igreja chama o cemitério o lugar onde dormem os fiéis. O
Ritual Romano fala na bênção “do lugar onde dormem os fiéis”... Que expressões!
Na
linguagem cristã, o cemitério chama-se também campo santo. E há lugares onde o
denominam também campo de Deus. Os povos pagãos tinham do cemitério uma idéia
ou supersticiosa ou muito grosseira e materialista. Os romanos o denominavam
putreolli — lugar onde se apodrece. Os pagãos modernos têm horror do cemitério
e pensam mesmo em aboli-lo, substituindo-o pelos macabros fornos crematórios.
Entretanto, é um lugar sagrado, uma lição perene para os vivos, é a recordação
do nosso nada, da nossa miséria, mas também da nossa imortalidade e da
ressurreição da carne. É um lugar sagrado.
Tem este
caráter sagrado, por mais que o laicismo tente reduzi-lo a um simples depósito
de cadáveres destinados ao apodrecimento. Nosso corpo e sagrado, é o templo do
Espírito Santo. Ainda depois de separado da alma, há de merecer todo respeito,
porque um dia ressuscitará.
A Liturgia
tem uma bênção solene para os cemitérios, reservada aos Bispos. Nele se planta
uma cruz bem grande. É a lembrança de nossa Redenção. O cemitério é a terra da
cruz. Tudo ali nos fala da cruz de Jesus Cristo. Em cada sepultura, o símbolo
da Redenção. Como é triste verem-se, ainda hoje, túmulos pagãos donde baniram
a cruz, substituída por uma coluna partida ou qualquer outro símbolo de dor e
desespero. O cristianismo santificou a sepultura. Os primeiros cristãos eram
sepultados nas catacumbas, com honras e piedosas preces. Como são belas as
inscrições que nos deixaram! Todas falam da imortalidade e do céu. Às vezes uma
só palavra dizia tudo: Vixit! Viveu!
A Igreja,
que consagra os cemitérios, abençoa as sepulturas cristãs e pede ao Senhor
mande um Anjo guardar cada uma delas. Eis a bela oração da bênção do túmulo:
“Ó Deus, cuja misericórdia dá o repouso às almas dos fiéis, dignai-vos
abençoar esta sepultura e enviar o vosso Anjo para a guardar. Dignai-vos
também livrar dos laços dos seus pecados as almas daqueles cujos corpos estão
aqui sepultados, a fim de que gozem continuamente e eternamente a felicidade
junto com os vossos Santos”...
Que laços
são estes dos pecados? Naturalmente os laços que prendem as pobres almas na
expiação, nas chamas do purgatório. Eis como a Igreja santifica o cemitério e
nossa sepultura, e deseja que aprendamos ali o que somos: pó! E... uma alma
imortal destinada à felicidade eterna no seio de Deus.
Lições do cemitério
O cemitério
é uma escola, não há dúvida. Fala-nos da morte. Lembra nossos Novíssimos. Dizia
Santo Agostinho: “Sit mors pro Doctore, que seja vossa mestra a morte!
Palavras profundas e tão singelas! Sim, a morte é uma grande mestra. E onde
ensina melhor? Onde está sua escola? No cemitério. Quantas lições ela não nos
dá! Ó, se os vivos soubessem aproveitar as lições da Doutora Morte!
Vamos a
cemitério com sentimentos cristãos e muito aprenderemos lá.
Um
cemitério cristão, escreve o erudito Mons. Gaume, prega quatro dogmas:
— A nobreza
e a santidade do corpo do homem,
— a grande
lei da fraternidade universal e eterna,
— a
imortalidade da alma,
— a
ressurreição da carne.
Prega a
nobreza do corpo humano, cercando-o de respeito e veneração, mesmo quando ele
se transforma num montão de ruínas, numa podridão, num punhado de cinzas.
Respeita estas cinzas e as quer depositadas num lugar sagrado.
Uma voz
parece se ouvir no cemitério como a do Senhor a Moisés: “locus enim in quo
stas, terra sancta est”. É sagrado o lugar onde estás, esta terra que pisas.
Lá dormem
os cristãos. Como é doloroso ver-se desrespeitado e profanado o lugar dos
mortos com tantas leviandades e até com o escândalo e o pecado. No cemitério
conservemo-nos respeitosos como num templo. Oremos e meditemos ali. É lugar
sagrado. O cemitério fala-nos que somos todos irmãos. Todos nivelados numa
tumba! A diferença dos mausoléus e das sepulturas rasas não tira ao cemitério a
idéia do nivelamento, do nada que somos, e da podridão de uma sepultura. Que
lição para os orgulhosos! E como devemos nos amar em Cristo, nós que seremos
nivelados após a morte até a ressurreição da carne! Debaixo de uma sepultura,
todos iguais! Ali não há pobres nem ricos, nem grandes ou pequenos. Já o
dissemos, o cemitério cristão prega-nos a imortalidade de nossa alma. Ali não
se acaba tudo. Ali começa tudo. É a porta da eternidade, o pórtico da outra
vida. Então, pensamos na imortalidade de nossa alma. Olhar para um cemitério
com a indiferença deste grosseiro materialismo que hoje aí impera, é muito
triste e horrível porque desespera. Cada sepultura é uma porta do céu para o
verdadeiro cristão. Uma sementeira onde descansa um corpo que depois de
apodrecido como a semente na terra, surgirá ressuscitado para unir-se à alma
na eternidade, quando vier a ressurreição da carne. Ressuscitarei um dia! Que
doce esperança do cristão!
Escreveu D.
Cabról: “A alma voltará um dia para animar este corpo que foi seu companheiro
na terra e que ela o fez trabalhar no serviço de Deus. Tomará de novo sua
forma mortal, mas uma forma embelezada, enobrecida, elevada até o apogeu da
glória. A alma santificada elevará este corpo a um grau de glória e o fará
entrar no céu e lhe comunicará os dons da imortalidade e da glória”.
Tudo isto
aprende e medita o cristão num cemitério quando o visita com fé e vive o
espírito da Igreja que santifica e abençoa o Campo Santo.
Visitas ao cemitério
Quanto mais
os cristãos tíbios e os pagãos modernos têm horror e fogem dos cemitérios,
tanto mais nós, os que cremos na imortalidade de nossa alma e esperamos a
ressurreição da carne, devemos visitar e amar o campo santo. Visitemos os
cemitérios. Serão nossos mestres, e neles nos lembraremos das pobres almas do
purgatório.
São Camilo
de Lellis e muitos outros santos tinham o piedoso costume de visitar os mortos
e meditar sobre as sepulturas. Quantas vezes o Santo dos enfermos não se
aprofundava numa meditação ante as sepulturas, dizendo a si mesmo: medita na
sorte destes que já estão na eternidade.
Ó, se muitos destes mortos pudessem voltar à terra, como fariam
penitência e haviam de trabalhar para sua salvação! Agora sabem eles o que é
um Deus e uma eternidade, e o que valem as vaidades deste mundo!”.
Aconselha-se
a visita aos cemitérios para meditação nossa e para o proveito dos fiéis
defuntos. Convém recolher-se um pouco ao passar diante de um campo santo.
Rezar, refletir um instante! Não sejamos indiferentes e frios como os que não
têm fé e não esperam a ressurreição da carne.
A Santa
Igreja, para nos estimular, concede-nos várias e ricas indulgências pela visita
ao cemitério. Durante o oitavário dos mortos, isto é, de 2 a 9 de Novembro, os
fiéis que visitarem o cemitério e rezarem pelos defuntos, podem lucrar as
seguintes indulgências: “Uma indulgência plenária cada dia aplicada só aos
defuntos. E a todos que visitam o cemitério e oram pelas almas, uma indulgência
de sete anos aplicável só aos defuntos — P. P. P. — 446).
Por que
estas indulgências? Naturalmente para nos estimular a orar pelos mortos no
lugar dos mortos, e assim embalsamarmos com a oração a sepultura sagrada dos
que dormem à espera do acordar do Juízo no último dia.
Nas visitas
pastorais o Bispo reserva um dia para os mortos. São também dignos merecedores
da visita do Pastor. É o exame do Pastor vigilante não só por motivos canônicos
e litúrgicos; tem o fim estimular os fiéis a rezarem pelos fiéis defuntos,
incentivar a devoção do sufrágio, recordar as grandes verdades de nossos
novíssimos.
Por tudo
isto, que havemos de concluir?
A Igreja
quer que visitemos os cemitérios, que não nos esqueçamos desta obra de
caridade. Não basta aquela visita, quanta vez por vaidade e ostentação, no dia
de Finados, umas coroas depositadas nos túmulos, umas lágrimas que logo se
enxugam e as flores que logo se murcham. Não é disto que precisam os mortos.
As flores provam amizade, não as reprovamos. São elas uma manifestação
delicada de amor. As lágrimas não as condenamos. Jesus não chorou ante o
sepulcro de Lázaro? Ficaremos todavia só em lágrimas de sentimentalismo? É
preciso sufragar as almas de nossos defuntos queridos. Vamos aos cemitérios
para os socorrer e não apenas para nos consolar e cumprir uma formalidade
social. Enfim, visitemos os cemitérios como cristãos, como os que acreditam na
ressurreição da carne.
Exemplo
O príncipe polonês convertido
O grande
pregador Pe. Lacordaire numa das suas conferências aos alunos do Colégio de
Sorreze, conta o seguinte fato ao tratar da imortalidade da alma:
Um príncipe
polonês, incrédulo e muito conhecido pelo seu materialismo, havia escrito um
livro contra a imortalidade da alma. Estava já pronto o livro e prestes a
entrar no prelo, quando ao passear pelo jardim veio-lhe ao encontro uma pobre
mulher e banhada em lágrimas lançou-se aos seus pés, dizendo:
— “Meu caro
senhor, meu marido morreu. A sua alma deve estar no purgatório e há de sofrer
muito. Eu sou muito pobre, não tenho dinheiro para a espórtula de uma Missa
por sua alma. Tenha a caridade de me dar uma esmola para mandar celebrar uma
Santa Missa pela alma de meu marido”.
O incrédulo
príncipe teve pena da pobre mulher, e embora não acreditasse na imortalidade da
alma e combatesse toda crença, levou a mão ao bolso e encontrou uma moeda de
ouro. Deu-a logo à mulher. A pobrezinha, radiante de alegria, foi logo à
primeira igreja e encomendou diversas Missas pela alma do saudoso esposo.
Cinco dias depois, o príncipe relia os manuscritos do seu livro já em vésperas
de ser publicado — o terrível livro contra a imortalidade da alma. — De
repente, levantando a cabeça, deu com os olhos num homem misterioso que lhe
parou em frente à mesa de trabalho do escritório. Era um camponês.
— Príncipe,
diz o desconhecido, venho agradecer-lhe. Sou o marido daquela pobre senhora
que há poucos dias pediu a Vossa Alteza uma esmola para mandar celebrar Missas
pela alma do esposo falecido, pela minha alma. A caridade de Vossa Alteza foi
tão bem aceita de Deus, que me foi permitido vir agradecer tão grande
benefício.
Diante
disto o príncipe, comovido, se converteu, rasgou os originais do livro ímpio
que havia escrito, lançou-os ao fogo e tornou-se bom cristão até a morte.
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Fonte:
Tenhamos
Compaixão das Pobres Almas!
30
meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas, por Monsenhor Ascânio
Brandão
Livro de
1948 - 243 pags, Casa da U.P.C. Pouso Alegre
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