AS APARIÇÕES DE ALMAS DO PURGATÓRIO
Que são as aparições?
Contam-se
fatos prodigiosos e muitas aparições de almas do purgatório. Isto poderia
talvez impressionar a alguns e julgarem que podemos desejar ou procurar, com
certa curiosidade, indagar a sorte dos mortos ou facilmente ter comunicação com
as almas do purgatório. Quanta ilusão perigosa e quanta superstição e crendice
em torno disto! É mister discernirmos bem as verdadeiras das falsas aparições,
e mostrarmos o pensamento da Igreja e dos Santos Doutores para que se evitem
confusões e ilusões numa matéria tão grave e delicada, porque tão sujeita a
enganos e erros.
Que é uma
aparição? É uma manifestação do outro mundo, de alguém que nos vem dizer o que
lá se passa. Podemos acreditar nas aparições?
Há dois extremos igualmente prejudiciais.
Um dos que facilmente aceitam toda sorte de aparições sem exame e não têm a
prudência de estudar e esperar a opinião de pessoas criteriosas, teólogos ou
autoridades eclesiásticas e superiores, que possam discernir com segurança a
verdade de tais aparições. É uma
leviandade. Assim o diz a Escritura: “Qui cito credit, levis est corde”[1],
quem facilmente em tudo crê, é leviano de coração, é um espírito leviano.
Todavia, rejeitar sistematicamente e obstinadamente toda aparição, todos os
fatos sobrenaturais, mesmo que tenham os sinais de verdadeiros, é prova de
muito ceticismo, de orgulho, e pode levar à infidelidade a graça, como insinua
a Escritura: “Qui incredulus est infideliter agit”[2], quem é duro em
acreditar, procede contra a piedade.
É mister um
equilíbrio neste caso entre os dois extremos. Uma alma verdadeiramente humilde
e obediente nunca poderá se enganar. Outra questão é se as almas do outro
mundo podem se comunicar com os vivos. Podem voltar à terra quando queiram ou
quando desejem os vivos? Respondemos sem hesitar, com a boa doutrina da Igreja
e dos teólogos: — não e não! Isto só se dá por uma especialíssima permissão de
Deus, raras vezes, e por milagre, para ensinamento e confirmação da
imortalidade da alma, para lição dos vivos ou para pedir socorro e sufrágios.
Desde que
nossa alma se separou do corpo pela morte, não tem mais órgãos para se
comunicar com os homens, é puro espírito, e só por milagre se pode tornar
sensível. E demais, quando a alma deixou o corpo, já foi entregue à Divina
Justiça, e está no lugar que mereceu: o céu, o inferno ou o purgatório. Não
pode, sem milagre, entrar em comunicação com os homens. Este milagre das
aparições nós os encontramos na Sagrada Escritura. Samuel apareceu à Pitonisa
de Endor e repreendeu a Saul porque havia perturbado o repouso dos mortos.
Mostrou o castigo que lhe estava reservado por esta curiosidade vã. Na morte de
Nosso Senhor, conta São Mateus que os túmulos se abriram e muitos mortos
apareceram e foram vistos em Jerusalém. Nas vidas dos Santos encontramos
inúmeras aparições, e a Santa Igreja, ao elevar à honra dos altares os servos
de Deus, submete a um rigoroso processo todos os fatos e prodígios que deles
narraram, embora não se pronuncie sobre eles. Portanto, há verdadeiras
aparições.
Verdadeiras e falsas aparições
Há
verdadeiras e falsas aparições. Estas muito mais frequentes do que aquelas.
Como distingui-las? Há sinais pelos quais facilmente podemos nos livrar de
enganos e afastarmos o perigo da ilusão diabólica. Devemos imitar sempre a
reserva prudente da Santa Igreja nesta matéria. A Igreja não admite revelação
alguma se não for devidamente comprovada, e ainda assim, não obriga os fiéis a
nela acreditar. Ninguém é obrigado a acreditar numa revelação particular por
mais provada que tenha sido. Não obstante, depois de bem provadas, seria
temerário abusar com uma sistemática atitude de ceticismo, diante do que
Santos e homens doutos e equilibrados aceitaram e provaram não haver ilusões.
Diz Bento
XIV que podem os fiéis acreditar e podem ser publicadas as revelações
particulares para edificação dos fiéis, contanto que sejam aprovadas pela
autoridade eclesiástica. O Papa Urbano VIII manda que ao serem publicadas,
declare o autor em nada querer se adiantar aos juízos da Igreja, e que tais
fatos merecem apenas uma fé humana e não importam em definição da Santa Madre
Igreja.
Eis as cautelas com que a Igreja cerca as
aparições.
Há também
regras seguras para discernimento das revelações segundo os bons autores de
espiritualidade e os melhores teólogos. Umas se referem às pessoas que recebem
as revelações, e outras à matéria das revelações e aos efeitos das mesmas.
Quanto às pessoas é mister indagar dos dotes naturais. É um temperamento
equilibrado? Não se trata de uma psico neurose ou de histerismo? Nestes casos,
quantas alucinações perigosas e difíceis de serem discernidas logo de começo!
Quanto ao estado mental, é pessoa discreta, de juízo reto, ou de imaginação
exaltada e de sensibilidade excessiva? É instruída ou ignorante? Onde
aprendeu o que sabe? Não estaria com o espírito debilitado por jejuns ou por
alguma enfermidade? Quanto a moral, é mister saber se trata-se de pessoa
sincera ou acostumada a exagerar e a mentir. É um temperamento calmo, ou
apaixonado e sem equilíbrio? A resposta a estas perguntas não dará, certamente,
uma solução para a prova da existência ou não de uma revelação verdadeira, mas
ajudará muito a julgar do valor do testemunho dos videntes.
Quanto à
matéria das aparições é mister muita atenção para julgá-las. Segundo a doutrina
unânime dos Doutores, nenhuma revelação pode contradizer o dogma e o que foi
ensinado pelo Evangelho. Diz São Paulo: “Ainda que um Anjo do céu vos pregue um
evangelho diferente do que anunciamos, seja anátema”[3]. Deus não se contradiz.
Nas falsas aparições há mentiras, erros teológicos graves, contradições, e
muitas vezes coisas contrárias às leis da moral e da decência.
Muitas
pessoas de imaginação muito viva tomam seus próprios pensamentos por visões e
locuções interiores. Dizia Santa Teresa: “Acontece com certas pessoas de tão
fraca imaginação que se embebem de tal maneira na imaginação, que tudo o que
pensam claramente lhes parece que estão vendo”[4].
Aparições das almas do purgatório
Depois de
termos mostrado a verdadeira doutrina da Igreja sobre as revelações ou
aparições, tratemos das aparições das santas almas. Podem elas aparecer aos
homens? Sim, raramente e por permissão de Deus. É uma graça para quem recebeu
a aparição e uma graça para a pobre alma, sobretudo quando Deus permite que
ela obtenha socorros para se livrar das chamas expiadoras. Deus o permite para
excitar a nossa fé na imortalidade da alma e para que compreendamos melhor a
sorte das pobres almas e procuraremos sufragá-las com mais zelo e caridade.
Como distinguir as verdadeiras das falsas aparições de almas do purgatório? Já
demos as principais regras deste discernimento segundo a doutrina da Igreja e a
teologia. Acrescentemos mais algumas. No século XVII o sábio Cardeal Bona
criticou severamente a facilidade e leviandade com que acreditavam muitos em
revelações sobrenaturais e deu algumas regras que podem nos esclarecer muitos
na matéria. Vamos comentá-las:
“1.º —
‘Toda aparição desejada ou provocada é suspeita’. Ninguém deve desejar ver nem
conversar com os mortos, indagar a sorte dos defuntos, mesmo que o faça por
motivo de caridade e para rezar por eles. Não se deve desejar aparição alguma
de alma do purgatório. Seria temeridade
e presunção.
2.º — Se a
aparição revela coisas ocultas que seria melhor silenciar sobre elas, faltas
alheias, ensina coisas contrárias ao dogma e ao Evangelho, tem horror à água
benta, ao crucifixo etc., está provado que se trata do Demônio.
3.º — As
almas do purgatório aparecem geralmente para solicitar orações, recomendar
restituições, etc. E feito isto, não voltam mais, a não ser para agradecerem.
Se uma aparição se torna importuna dia e noite, ameaça, perturba a paz de um
homem ou de uma família ou comunidade, é sinal certo de demônio.
4.º —
Ninguém deve aceitar serviços prestados pelas almas do purgatório que se vem
colocar à nossa disposição, morar conosco, etc. É pura ilusão isto ou coisa
diabólica.
5.º — Todos
os bons teólogos místicos ensinam que as aparições verdadeiras logo de
princípio perturbam e assustam, mas depois lançam a alma numa doce paz, aumenta
a humildade, excita o amor de Deus e do próximo e produzem um grande desejo de
perfeição. Quando alguém começa a se gabar das aparições, mostrar-se digno
delas, perturbar-se em vão e encher-se de presunção, irritar quando os superiores
não fazem caso das suas visões e desobedecerem, eis um sinal bem certo de
engano.
6.º — É
mister que as aparições sejam expostas singelamente a um bom diretor, sem
exageros nem reticências, nem diminuição da verdade. E depois ficar pelo que
ele decidir e obedecê-lo cegamente”.
Com estas
regras seguras dos bons teólogos e autores místicos, não haverá perigo de
ilusão. Deus Nosso Senhor na sua misericórdia tem permitido muitas revelações
das almas do purgatório. Parece mesmo que são mais numerosas do que qualquer outras.
Quanta luz sobre o purgatório não nos deram, por exemplo, as revelações de uma
Santa Catarina de Genova! Nesta matéria sejamos muito prudentes e criteriosos e
não nos afastemos do pensamento da Santa Igreja e das normas que acima vão
expostas.
Exemplo
O purgatório nas visões de uma mística
canadense
Em 14 de
Março de 1910 faleceu na cidade de Pointe Claire, no Canadá, uma mulher
extraordinária, santa mãe de família, um modelo de esposa e cristã
verdadeira, Madame Brault, Maria Luiza Richard. A publicação da vida
extraordinária e maravilhosa desta grande mística, há bem pouco, causou
sensação em todo mundo, tais os prodígios contados e provados desta mulher que
se pode enfileirar ao lado de Ana Taigi e das grandes místicas da Igreja.
Dotada de uma grande simplicidade, espírito bem equilibrado e sensato, de uma
piedade muito provada e sincera, hoje está perfeitamente averiguado que não se
tratava de nenhum espírito mistificador nem de alguma falsa visionária.
Teólogos e prelados ilustres examinaram fatos, confessores doutos e
esclarecidos depuseram como testemunhas fidedignas no exame dos fatos
impressionantes da vida maravilhosa desta grande mística de nosso século.
Madame Brault tinha contato com as almas do purgatório e como o Santo Cura
d’Ars podia dar testemunho da sorte das pobres almas. Dizia ela chorando, num
dia de Finados: “Os egoístas da terra se
esquecem dos mortos. Como deve ser cruel para as pobres almas do purgatório o
abandono dos homens! Dizem que amam os pais e parentes defuntos! Que mentira!
Nós que amamos a Deus devemos amar nossos amigos do purgatório todos os dias de
nossa vida. Eu quisera ser capaz de sofrer sozinha tudo o que padecem as almas
do purgatório para poder libertá-las!”.
Madame
Brault teve muitas visões das almas do purgatório. Elas lhe pediam orações,
Missas e sacrifícios. As pessoas que ela via eram desconhecidas às vezes e
fizeram inquéritos rigorosos de datas, lugares e circunstâncias, chegando-se à
conclusão da impossibilidade de qualquer mistificação. Eram impressionantes as
revelações desta mística. Em 1905, uma religiosa acompanhada de outra foi
visitar Madame Brault.
— “Não
quero visitar esta louca”, disse a Mestra de noviças.
— “Ó, minha
Irmã, não diga assim! Madame é tão equilibrada e santa, tão discreta e humilde!”
Afinal
tiveram uma entrevista com ela. Foi uma palestra amável e singela. Depois de
alguns instante, Madame Brault chamou a Irmã e lhe disse:
— “Minha
Irmã, a senhora não reza mais por seus parentes falecidos?”.
— Meus
parentes morreram há muito tempo e eram muito bons, devem estar no céu.
— Sim,
vosso pai e vossa mãe estão no céu. Um irmão porém morreu repentinamente em tal
lugar e em tal data, e um sobrinho. E a senhora nunca mais rezou por eles. É
preciso dizer ao sobrinho que vai se ordenar, que diga logo algumas missas por
seu tio.
A Religiosa
pasmou diante do que ouvira. Era impossível que Madame tivesse tido informações
tão fiéis de seus parentes. Outra Irmã perdera o pai em 31 de Julho de 1903.
Madame Brault lhe disse: “Tenha confiança,
Irmã, seu pai está no céu. Tinha ele uma grande devoção à Santíssima Virgem,
gostava de rezar o rosário e morreu num sábado. Naquele sábado mesmo Nossa
Senhora o fez entrar no céu”.
Ela nunca
ouvira falar deste homem, e não lhe era possível conhecer tal pessoa.
“Sejamos
libertadores das almas do purgatório, repetia ela depois dos êxtases. Nosso
Senhor nos deu as chaves da prisão do purgatório: a oração, o sofrimento, o
sacrifício...”.
No dia 21
de Dezembro de 1907, na relação que foi obrigada a fazer por escrito ao seu
Diretor espiritual, viu ela um Padre no purgatório. Estava revestido de
ornamentos sacerdotais e com um cálice todo em fogo. As mãos pareciam roídas e
apareciam até os ossos. Úlceras por todo o corpo e torturas horríveis. À vista
deste tormento, Madame Brault gemeu: “Ó meu Bem Amado, meu Jesus, quero sofrer
por esta alma; por que não me dais a graça de sofrer mais para aliviá-la?
Depois vi Jesus se aproximar do Padre e derramar sobre aquelas chagas seu
precioso Sangue. As chagas se cicatrizaram e as cadeias do pobre sacerdote
caíram. Depois meu Jesus me disse que libertaria aquela alma pelas minhas
orações. A face do padre ficou limpa das úlceras, uma bela estola roxa lhe
adornava o pescoço e os paramentos me pareceram mais brilhantes e belos. Jesus
me disse que libertaria a alma do sacerdote”.
No dia de
Finados de 1908, foi ao cemitério rezar pelos mortos e viu, Madame Brault,
muitos mortos que lhe apareciam saindo das sepulturas em queixas doloridas de
cortar o coração: Estamos esquecidos de
nossos parentes! Não rezam por nós! Nossos amigos nos esqueceram, nos
abandonaram!!!
Fez ela uma
Via Sacra pelos defuntos e se retirou muito amargurada, pelo esquecimento dos
pobres mortos.
“Compreendo,
dizia ela ao confessor, o martírio das pobres almas nas chamas do purgatório!”.
Viu um padre conhecido no purgatório que lhe disse: “Eu sofro muito por ter
rezado tantas vezes meu breviário quase sem pensar que falava com Deus e por
rotina, e também pela minha pouca preparação e ação de graças muito rápida
depois da Santa Missa”.
Enfim,
seria longo narrar as impressionantes visões do purgatório de Madame Brault, a
grande mística de nossos dias. A biografia desta mulher extraordinária foi
publicada pelo Pe. Louis Bouhier, S. S., antigo pároco da vidente. É a obra
“Une mystique canadienne — Vie extraordinaire de Madame Brault” — Edition
Beauchemin, 1941.
[1] Eccl.
XIV — 4.
[2] Isaías
— XXI, 2.
[3] Galatas
— I, 8.
[4] Castillo
— Morados sextas — Cap. IX, 9.
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Fonte:
Tenhamos
Compaixão das Pobres Almas!
30
meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas, por Monsenhor Ascânio
Brandão
Livro de
1948 - 243 pags, Casa da U.P.C. Pouso Alegre
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