4 de Novembro. O PURGATÓRIO A justiça e a misericórdia


  
O PURGATÓRIO

A justiça e a misericórdia

Existe o purgatório, isto é, um lugar de expia­ção onde se purificam as almas para a visão beatifica.

Quem é digno de subir à Montanha Santa? Quis ascendit in montem Domini? Quanta santidade e pu­reza de vida exige o Senhor dos que há de admitir à sua presença, à presença daquele Deus três vezes santo, ante o qual os serafins cobrem as faces com suas asas e os céus repetem: Sanctus, Sanctus, Sanc­tus — Santo, Santo é o Senhor Deus dos Exércitos!

A pobre criatura humana tão miserável nem sempre, ao deixar a terra, é bastante pura e santa e merece a presença do Senhor, a visão beatífica. E também como há de ser condenada às chamas eter­nas a alma que, embora não tivesse pago a dívida dos seus enormes pecados na penitência desta vida, não é todavia merecedora do castigo eterno? Há de en­trar no céu? Não. Lá só se encontram os santos e os puros de coração. E que pureza angélica requer a divina Justiça para o céu!

Há de ser condenada ao inferno? Oh! Não. A misericórdia divina jamais o permitiria. Faltas ve­niais, imperfeições, falta de penitência dos pecados

graves, tudo isto, é bem verdade, exige castigo e sem a penitência não se há de entrar no céu. Porém, a Justiça e a Misericórdia divina se uniram — Justitia et pax osculatae sunt. — E inventaram uma obra-prima desta mesma justiça e desta misericórdia in­finitas do Senhor.

O pecado será castigado, a dívida exigida pela justiça será paga até o último ceitil, mas a infinita misericórdia há de salvar a pobre alma culpada, há de lhe abrir um dia as portas do céu.

Existe um purgatório!

Não é consoladora e racional a doutrina da Igre­ja neste dogma?

A Sagrada Escritura

A oração pelos mortos e a existência de um lu­gar de expiação, claramente se encontram afirmadas nos livros santos. Recordemos o texto do livro se­gundo os Macabeus (12-43-36) e que serve de epís­tola na missa do aniversário dos defuntos:

“Naqueles dias, o varão forte chamado Judas, havendo feito um peditório, recolheu a quantia de do­ze mil dracmas, que enviou para Jerusalém, para ser oferecido um sacrifício pelos pecados dos mortos; pois ele possuía bons e religiosos sentimentos acerca da ressurreição (e, com efeito, se ele não esperasse que aqueles que haviam sucumbido ressuscitassem um dia, teria pensado que era vão e supérfluo orar pelos mortos). Assim, ele acreditava que uma abun­dante misericórdia estava reservada para aqueles que morressem piedosamente; pois, na verdade, é um santo e salutar pensamento orar pelos mortos, para que sejam livres dos seus pecados”.

Que se conclui do texto sagrado? Há um lugar de expiação e podemos orar pelos mortos, pois é santo e salutar este pensamento.

E o Evangelho? Algum texto deste livro de to­dos o mais sagrado, prova a existência do purga­tório? Sim, segundo os mais autorizados comenta­dores e Santos Padres, este ponto da nossa fé não deixou de ser afirmado por Nosso Senhor. (“Aquele que blasfemar contra o Espírito Santo, diz Jesus, não será perdoado nem neste mundo nem no outro”).

Logo, há pecados que são perdoados no outro mundo, isto é, são expiados no purgatório.

“Não hesites em fazer as pazes com teu adver­sário, diz Jesus, enquanto estiveres em caminho com ele, para que não vá te entregar ao oficial da Justiça e sejas lançado no cárcere. Em verdade te digo, daí não sairás enquanto não houveres pago o último ceitil”.

Estas palavras nos indicam a existência na vida futura de um lugar onde se pagam as dívidas morais, isto é, o purgatório.

O Apóstolo dos gentios diz que aqueles que misturaram nas obras de Deus as preocupações do amor próprio, serão salvos, mas passando pelo fogo.

Notai bem: serão salvos. Portanto, não serão condenados ao inferno, mas passarão pelo fogo, isto é, hão de sofrer e se purificar. — Eis o purgatório.

Os Santos Padres e os Concílios

Desde Orígenes e Tertuliano, encontramos nos Santos Padres a prova de que a crença do purgatório sempre existiu na Igreja, desde os tempos primitivos. As inscrições das catacumbas demonstram que ora­vam os primeiros cristãos pelos mortos. Tertuliano exorta uma viúva cristã a conservar pelo falecido es­poso a mesma ternura, rezando por ele.

Perguntaram a São João Crisóstomo o que era preciso fazer pelos defuntos. Respondeu ele: “É pre­ciso ajudá-los com ardentes súplicas e especialmente com a prece litúrgica por excelência, o Santo Sacri­fício da Missa”. Santo Ambrosio diz o mesmo, escre­vendo a Faustino: “Chorai menos e rezai mais. Der­ramais lágrimas, isto é permitido, mas não deixeis de recomendar ao Senhor a irmã querida que vos deixou”.

Diversos Padres da Igreja afirmam claramente o que a Escritura e a tradição demonstram: a exis­tência do purgatório.

Em Cartago, São Cipriano, no século terceiro, fala do sufrágio dos mortos que ele recebera da tra­dição dos seus predecessores.

Santo Agostinho louva a Parchius porque em vez de rosas, lírios e violetas sobre os túmulos, der­rama o perfume da esmola sobre as cinzas dos mor­tos queridos. E diz mais claramente, num sermão aos seus diocesanos de Hipona: “Não há dúvida que as orações da Igreja e o sacrifício salutar e as esmolas dos fiéis ajudam os defuntos a serem tratados mais docemente do que mereciam os seus pecados”.

O que aprendemos de nossos pais, diz o Santo Doutor, e o que a Igreja Universal observa, é fazer memória no sacrifício dos que morreram na Comu­nhão do Corpo e do Sangue de Cristo, e rezar e ofe­recer por eles o Sacrifício. Pede orações no santo al­tar pela alma de Monica, sua mãe.

Recomendemos a Deus, diz São Gregório Nazianzeno, as almas dos fiéis que chegaram antes de nós ao lugar do repouso.

São Cirilo escreve: “Não é por lágrimas que se socorre um defunto, mas pelas orações e as esmolas. Não deixeis de assistir os mortos, rezando por eles”.

E muitos outros Padres da Igreja afirmaram claramente a existência do purgatório e a eficácia dos nossos sufrágios. Agora, vejamos a autoridade dos Concílios.

Inúmeras assembléias provinciais e ecumênicas afirmaram o dogma do purgatório e recomendaram os sufrágios e orações pelas almas. Assim os Concílios provinciais de Cartago — ano 312 — Canon 29 — o de Orleans em 533 — Canon 14 — o de Praga em 563 — Canon 34 — Chalons sur Saône cm 580 e os Concílios ecumênicos de Latrão, Florença e sobre­tudo o Concilio de Trento não definiu a natureza ape­nas do purgatório, mas afirmou os pontos essenciais do dogma da seguinte forma: Como a Igreja católica de conformidade com a Sagrada Escritura e a anti­ga tradição dos Padres ensinou nos Concílios anterio­res e no presente sínodo universal que existe um lu­gar de expiação, e que as almas ali encerradas po­dem ser aliviadas pelos sufrágios dos fiéis e princi­palmente pelo Sacrifício do Altar, o Santo Concílio or­dena aos bispos que tomem cuidado para que uma pura doutrina no que respeita ao purgatório, con­forme a tradição dos Santos Padres e dos Concílios, seja acreditada e sustentada por todos os que per­tencem à Igreja e seja ensinada e pregada em toda parte. As questões difíceis e árduas neste ponto que não poderiam servir para a edificação e nem favore­cer a piedade, devem ser evitadas nas exortações ao povo. É mister também evitar a exposição de opi­niões incertas e com aparência de erro. E definindo, conclui: se alguém disser que a graça da Justifica­ção, a culpa e a pena eternas são de tal modo perdoa­das ao penitente, que não resta pena temporal a sofrer neste mundo e no outro no purgatório antes de entrar no reino do céu, seja anátema.

E outro Canon: “Se alguém disser que o Santo Sacrifício da Missa não deve ser oferecido pelos vivos e os mortos, pelos pecados e penas, as satisfa­ções e outras necessidade, seja anátema”.

Eis aí toda a doutrina da Igreja sobre o purga­tório. Que se conclui então? Há só dois pontos, per­feita e claramente definidos, e que somos obrigados a crer: 1) — Existe um lugar de purificação tempo­rária para as almas justificadas que saem desta vida sem completa penitência dos seus pecados. 2) — Os sufrágios dos fiéis e especialmente o Santo Sacrifí­cio da Missa são úteis às almas.

Eis aí, em síntese, a consoladora doutrina da Igreja sobre o dogma do purgatório.

Exemplo

Santa Perpétua e o purgatório

Já nos primeiros séculos, segundo o testemunho de Tertuliano e dos Santos Padres e os monumentos, os cristãos sufragavam os mortos com orações, e pelo Santo Sacrifício da Missa celebrado sobre as sepulturas. Nas inscrições e, nos epitáfios se encontram nas catacumbas belas preces pelos mortos. No século IV em 302, Santa Perpétua nos conta uma visão do purgatório. Diz ela:

“Estávamos em oração na prisão, depois da sen­tença que nos condenava a sermos expostas às fe­ras, e de repente chamei por Denócrato. Era um meu irmão segundo a carne. Morrera com um câncer na face. A lembrança da sua triste sorte me afligia. Fi­quei admirada de me ter vindo à lembrança este ­irmão e me pus a rezar por ele com todo fervor, ge­mendo diante de Deus. Na noite seguinte, tive uma visão na qual vi Denócrato sair de um lugar tenebro­so no qual se acham muitas pessoas. Estava abatido e pálido, com a úlcera que o levou à sepultura. Tinha uma grande sede. Junto de mim estava uma bacia com água, mas ele em vão tentava beber e não con­seguia. Conheci que meu irmão estava sofrendo e era preciso rezar por ele. Pedi por ele dia e noite com muitas lágrimas, para que fosse libertado. Alguns dias depois tive outra visão, na qual Denócrato me apareceu todo brando, brilhante e belo, e se inclinou e bebeu à vontade a água que antes não pude tirar. Conheci por isto que estava livre do suplício”.

Eis um belo trecho que vem provar a antiguida­de da crença do purgatório.

Santo Agostinho reconhece a autenticidade das Atas de Santa Perpétua e nota que o irmãozinho da Santa deveria ter cometido alguma falta depois do batismo.


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