7 de Novembro: Duração do purgatório



DURAÇÃO DO PURGATÓRIO
 Quanto tempo?
Quanto tempo deve ficar uma alma no purgató­rio? É uma pergunta impossível de responder. Não temos e não podemos ter nenhum argumento ou de­finição da Igreja e da teologia que nos possa garantir uma resposta certa a esta pergunta.
É um mistério e depende muito do modo de encaramos a questão. Bem sabemos que na eternidade não há mais tempo. Tempus jam non erit amplius. Como julgar o tempo em relação ã eternidade? E demais, o sofrimento faz maior e mais difícil de passar o tempo entre nós. Quantas vezes um minuto nos custa mais a passar que longas horas? Pois o sofrimento horrível e intenso das pobres almas faz com que os minutos lhes sejam anos e até séculos. Aqui, havemos de fazer como todos os autores que tratam do purgatório: recorrer às revelações particulares. Elas nos esclarecem, e algumas bem provadas e até sujeitas a processos canônicos rigorosos, como as dos Santos canonizados, nos dão uma garantia de que não se tratavam de ilusões ou fantasias mórbidas. Quanto à duração do purgatório, de uma coisa pode­mos ter certeza, diz-nos Santo Agostinho: é que as penas expiatórias não irão além do último Juízo no fim do mundo[1].
No século XVI, um sábio teólogo dominicano, Domingos Soto, afirmou erradamente que a pena do purgatório não poderia durar mais de dez anos. É uma opinião sem fundamento e geralmente rejeitada. A Igreja supõe muitas vezes que as penas do purgatório sejam longas, quando permite fundações de Missas e sufrágios por longos anos, e celebram aniversários de vinte, trinta, cinquenta e mais anos. Permite fundações perpétuas de Missas. Ninguém sabe, diz Cesário, quanto tempo, quantos anos deverá ficar no purgatório uma alma. É para nós, diz São Roberto Belarmino, coisa muito incerta. Poderíamos considerar duas espécies de duração do purgatório — uma positiva e que corresponde à medida do tempo tal como o contamos neste mundo, e outra fictícia ou imaginária, a que pensam as almas pelo sofrimen­to que as faz perder toda noção do tempo. Daí o ver­mos em revelações particulares pobres almas que estavam apenas algumas horas no purgatório, queixarem-se de anos e até séculos de abandono naquelas chamas.
Eis alguns exemplos de duração positiva segun­do revelações particulares: Conta-se na vida de Santo Tomás de Aquino que o mestre seu sucessor na cátedra de teologia de Paris, depois de morto apare­ceu e disse que havia ficado quinze dias no purgatório para expiar a negligência em executar o testa­mento de um Bispo. São Vicente Ferrer assegura que há almas que ficaram no purgatório um ano inteiro por um pecado venial. Segundo o testemunho de Santa Francisca de Pampeluna, a maioria das almas do purgatório lá sofrem de trinta a quarenta anos. E muitos outros exemplos poderia citar de au­tores muito graves. Muitos Santos viram almas des­tinadas a sofrer no purgatório até o fim do mundo. Algumas revelações particulares, observa o Padre Faber, nos levam a crer que a duração do purgatório vai aumentando sempre mais à medida que a humanidade avança no tempo. Há tanta falta de penitên­cia hoje, tanto luxo e mundanismo!

Longo e breve purgatório
Segundo as revelações particulares, há almas destinadas a um longo sofrimento nas chamas do pur­gatório e outras passam brevemente pela expiação. Citemos exemplos:
Santa Verônica Juliani fala de uma Irmã de seu convento que havia se oposto à reforma do mosteiro e deveria ficar no purgatório tantos anos quantos passou neste mundo. À Santa Margarida de Cortona, a grande penitente franciscana, disse Nosso Senhor: “Alegra-te, minha filha, tua mãe está livre do pur­gatório, onde ficou ela dez anos”. Como a Santa re­zasse por três defuntos que ela julgava estivessem salvos, revelou Jesus: “Estão salvos por tuas ora­ções e se livraram do inferno, mas ficarão vinte anos nas chamas do purgatório”.
Santa Lutgarda fez penitências por Simão Aba­de, cisterciense muito austero e duro demais para com seus súditos. Deveria ficar no purgatório quarenta anos. À Madre Francisca da Mãe de Deus — (1615- 1671) — Nosso Senhor mostrou um dia quatro padres que estavam há mais de cinquenta anos no pur­gatório porque não administraram bem e com res­peito e piedade os Sacramentos.
Santa Lutgarda viu no purgatório um dos Papas mais piedosos e ilustres da Igreja, Inocêncio III. Este Papa apareceu à Santa dizendo que por algumas faltas no governo da Igreja, deveria permanecer no pur­gatório até o fim do mundo. São Roberto Belarmino examinou com muito cuidado as circunstâncias e a autenticidade desta visão, e fala dela nas suas obras. Todavia, si há longas expiações, outras pela misericórdia divina são muito breves. Talvez tenham sido mais intensas. Santa Teresa, na sua Vida ou autobiografia, fala-nos numa Carmelita fervorosa que só passou dois dias no purgatório. Uma outra, muito paciente na doença, ficou apenas quatro horas na expiação. Um Irmão coadjutor da Companhia de Jesus morreu à noite e ficou no purgatório apenas até à Missa do dia seguinte[2].
Santa Margarida Maria Alacoque, a vidente do Sagrado Coração de Jesus, viu o seu Diretor espiritual, o Santo Padre La Colombière, passar algumas horas nas chamas expiatórias por ligeiras faltas. E se trata de um Santo!
O Santo Cura d’Ars, segundo Mons. Trochu[3] nos diz, teve muitas vezes intuições admiráveis do tempo que muitas almas deveriam ficar no purgatório. Perguntaram ao Santo si uma doente se havia de curar. Quem perguntou ignorava que a enferma tivesse morrido. O Santo, que o sabia por inspiração do céu, respondeu logo: “Ela já recebeu a recompensa”.
As almas simples e humildes, e sobretudo as que muito sofreram neste mundo com paciência e se confortaram perfeitamente com a vontade de Deus, podem ter um purgatório muitíssimo abreviado, às vezes de horas. É o que nos dizem inúmeras revela­ções particulares. Até Santos passaram ligeiramente pelo purgatório. Tal se conta de São Severino, Arcebispo de Colônia. Era um grande servo de Deus, admirável pelas suas virtudes e até pelos milagres que fez. Depois da morte, apareceu a um Cônego da sua catedral para lhe pedir orações. Estava no pur­gatório por instantes, por ter rezado com alguma precipitação.

Conclusões
Que havemos de concluir, quando meditamos na duração do purgatório? Primeiramente, procurarmos ter mais zelo pela causa das almas sofredoras que tanto padecem pelo nosso esquecimento. Somos muito fáceis em canonizar logo os mortos e comodamente já não rezamos mais por eles sob a desculpa de que “já estão no céu”. Ai! Não sabemos o que é a Justiça de Deus e até os mais santos têm contas severas a dar ao Senhor depois desta vida.
São Francisco de Sales tinha muito medo destas canonizações rápidas dos admiradores. Estas boas almas, dizia ele, com seus elogios, imaginando que depois da minha morte fui logo direito para o céu me farão sofrer no purgatório. Eis o que me aproveitará a boa reputação de santo...
Santa Teresa escreve no Prefácio do Livros das Fundações: “Pelo amor de Deus, eu peço a cada pes­soa que ler este meu livro, uma Ave Maria, a fim de que me ajude a sair do purgatório e apresse a hora em que hei de gozar a vista de Nosso Senhor Jesus Cristo”. Assim falaram Santos hoje canonizados e cuja morte por tantos prodígios nos deixaram a certeza de que foram diretamente para o céu.
Por que termos e presunção de terem ido diretamente para o céu nossos entes queridos, embora vir­tuosos, e deixarmos de orar por eles? O piedoso e admirável fundador das Conferências de São Vicen­te de Paulo, Frederico Ozanam, deixou no seu testa­mento estas linhas: “Não vos deixeis levar por aqueles que vos disserem: ele está no céu! Rezai sempre, por aquele que muito vos ama, mas que muito pecou. Com o auxílio de vossas orações eu deixarei a terra com menos temor”.
Santo Agostinho pede orações por alma de Mônica, sua mãe, e de Patrício, seu pai, a todos os lei­tores das suas Confissões. O ilustrado e piedoso Pa­dre Perreyve deixa esta recomendação: “Peço aos meus amigos que rezem por mim muito tempo depois da minha morte. Que eles não digam como se costuma dizer muitas vezes e com muita pressa: está no céu! Que rezem muito por mim, sim, eu lhes peço encarecidamente”.
Não canonizemos tão depressa os nossos mortos e mesmo aqueles que vimos ter a morte dos justos; rezemos muito por eles. Nunca nos descuidemos do sufrágio dos mortos, porque já fizemos muito durante algum tempo, já mandamos celebrar umas poucas Missas e rezamos umas tantas orações e os julgamos já no paraíso com isto. Ignoramos o rigor da Justiça de Deus. E demais, si nossas Santas Missas mandadas celebrar, nossas orações e penitências não servirem mais para as almas pelas quais rezamos, não irão ajudar tantas almas sofredoras?
Outra conclusão que havemos de tirar de nossas reflexões sobre a duração das penas do purgatório é a de cuidarmos mais da nossa perfeição e não sermos tão presunçosos julgando-nos capazes de entrar logo no céu. Cuidado com esta presunção, que nos pode acarretar um longo e doloroso purgatório!
Exemplo
Minutos que parecem séculos
São tão dolorosas as penas do purgatório, que lá os minutos parecem séculos. Há nas revelações pa­ticulares tantos fatos impressionantes que comprovam isto. E demais, que é a eternidade? Já não existe o tempo. Os minutos além desta vida são séculos para os que padecem naquelas chamas expiatórias.
Conta Santo Antonino que um enfermo, vítima de dores atrozes, pedia sempre a morte. Julgava os seus sofrimentos terríveis e acima de toda força humana. Um Anjo lhe apareceu e disse: Deus me mandou para te dizer que podes escolher um ano de do­res na terra, ou um só dia no purgatório. O enfermo escolheu um dia no purgatório. Foi para o purgatório. O Anjo o foi consolar e ouviu este gemido de dor: “Anjo ingrato, dissestes que ficaria no purga­tório um só dia e sinto que estou já aqui há longos vinte anos pelo menos... Meu Deus, como sofro!”. O Anjo responde: Como te enganas! Teu corpo está ainda na terra sem ter baixado à sepultura. A miseri­córdia de Deus te concede ainda voltar para um ano de doença na terra. Queres?
— Mil vezes, sofrimentos maiores ainda na minha doença.
Ressuscitou e durante um ano sofreu horrorosa­mente, mas com uma paciência heroica até à morte.
Este fato foi contado por Santo Antonino de Florença, o prodigioso taumaturgo.
Deu-se também um impressionante fato com São Paulo da Cruz. O Santo estava em oração na cela, quando sentiu que lhe batiam com muita força na porta. Não quis atender, pensando ser o diabo que às vezes lhe perturbava a oração: — Em nome de Deus retira-te, Satanás! Grita São Paulo, mas o batido continua: — Que queres de mim? Pergunta.
— Quanto sofro! Quanto sofro, meu Deus! Sou a alma daquele padre falecido. Há tanto tempo estou num oceano de fogo, há quanto tempo!... Parecem mil anos!
São Paulo da Cruz o reconheceu logo e respondeu, admirado: “O que me diz?!... Meu padre, faz um quarto de hora apenas que faleceu e já me fala em mil anos!
O pobre sacerdote do purgatório pediu sufrágios e orações, e desapareceu. São Paulo da Cruz, comovido e banhado em lágrimas, tomou a disciplina e se bateu, até banhar-se em sangue. No dia seguinte, logo pela manhã, celebrou pelo defunto e viu-o entrar triunfante no céu, na hora da Comunhão.

[1] De civitate Dei — Lib. XXI, caps. XIII e XVI.
[2] M. Jugie — Le Purgatoire.
[3] Intuitions du Curé d’Ars.

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Fonte:
Tenhamos Compaixão das Pobres Almas!
30 meditações e exemplos sobre o Purgatório e as Almas, por Monsenhor Ascânio Brandão

Livro de 1948 - 243 pags, Casa da U.P.C. Pouso Alegre

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